À porta está um segurança que tem uma tarefa diferente da habitual: hoje informa os clientes que ali param que o estabelecimento está encerrado, sem data prevista para reabrir.
É um negócio familiar dos portugueses Dina Pequeno e Alberto Beto, onde também trabalham Jessica e o marido, Marco, pasteleiro chefe.
A vítima foi intercetada na segunda-feira de manhã num dos seus percursos diários, entre casa, o trabalho e a habitação da ama do filho, tudo na cidade da Matola, o grande subúrbio ao lado de Maputo.
O Serviço Nacional de Investigação Criminal (Sernic) mantém equipas no terreno, seguindo pistas, mas sem poder adiantar informações, disse hoje fonte oficial à Lusa.
Vagas de raptos têm-se sucedido em Moçambique, inicialmente vistos como "uma prática direcionada para gente bastante rica, com capacidade de pagar altos resgates", mas "com o tempo vai atingindo também segmentos de pessoas normais, que fazem o negócio para viver sem qualquer tipo de riqueza", refere Adriano Nuvunga, diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), organização não-governamental (ONG) moçambicana que tem comentado a prevalência do crime.
Na opinião deste responsável, o rapto de Jessica Pequeno adensa essa ideia, "de que este negócio [dos raptos] está a ficar descentralizado, no sentido de que há vários núcleos" que o vão praticando, com ligações a elementos das autoridades.
Em 2013, o então procurador-geral da República de Moçambique, juiz Augusto Paulino, defendeu uma limpeza na polícia e magistratura para acabar com os raptos, após a condenação de agentes da polícia.
"Na altura, o PGR pediu apoio às autoridades portuguesas", que se dispuseram a ajudar nas investigações, refere Nuvunga, "mas o juiz Paulino não teve apoio" para concretizar a colaboração.
"Nessa altura ficaram indicações que segmentos da polícia podiam estar envolvidos neste negócio dos raptos e provavelmente por causa disso não se avançou muito", suspeitas "importantes" que ainda hoje prevalecem, garante o diretor do CDD.
Classifica-os como "negócios pontuais e oportunistas", reflexo de uma "desintegração do poder, com vários núcleos que vivem de negócios ilícitos", entre os quais, os raptos.
Fernando Lima, jornalista e analista moçambicano, frequenta o restaurante "com alguma regularidade" e descreve uma casa com grande popularidade, o que confere maior impacto à notícia do rapto.
"A família era sempre muito simpática, o restaurante gozava de grande popularidade e este rapto chocou muita gente", referiu à Lusa.
O analista considera que "dada a impunidade daquilo a que se chama em Moçambique a 'indústria de raptos', vários desdobramentos de gangues fazem este tipo de novos alvos", ou seja, famílias que não são notoriamente "endinheiradas", mas apenas têm os seus negócios.
A situação pode condicionar a entrada de investidores, alerta.
"As pessoas que querem investir, que querem vir para Moçambique, têm receio, têm medo, exatamente porque o ambiente não é simpático para quem vem aqui dedicar-se a uma atividade comercial ou económica", concluiu.
Desde o início de 2020, as autoridades moçambicanas registaram um total de 10 raptos, cujas vítimas são empresários ou seus familiares.
Em outubro, um grupo de empresários na cidade da Beira, província de Sofala, centro de Moçambique, paralisou, por três dias, as suas atividades em protesto contra a onda de raptos no país.
A Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), maior agremiação patronal do país, também já exigiu por diversas ocasiões um combate severo a este tipo de crime e até o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, já pediu mais medidas.
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