“É um projeto que nos une. E une-nos no sentido em que a memória normalmente não une dois países. Porque o Tarrafal corresponde à história e à memória do combate à ditadura portuguesa, mas como corresponde também à memória do combate ao colonialismo. E quer a ditadura, quer o passado colonialista resolveram-se de certa forma com a transição para a democracia em Portugal e é importantíssimo para nós projetarmos o futuro, preservarmos sempre a memória”, afirmou Pedro Adrão e Silva, que hoje iniciou uma visita oficial ao arquipélago.
O ministro Pedro Adão e Silva reuniu-se durante a tarde com o homólogo cabo-verdiano, Abraão Vicente, no primeiro de quatro dias de visita a Cabo Verde, tendo o processo em torno da recuperação e intenção de candidatura à UNESCO daquele espaço marcado o encontro.
Situado na localidade de Chão Bom, o antigo Campo de Concentração do Tarrafal foi construído no ano de 1936 e recebeu os primeiros 152 presos políticos em 29 de outubro do mesmo ano, tendo funcionado até 1956.
Reabriu em 1962, com o nome de “Campo de Trabalho de Chão Bom”, destinado a encarcerar os anticolonialistas de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde.
“O futuro é construído de história e países como Portugal e Cabo Verde ganham muito se conseguirem se aproximar através da memória, da história, ultrapassando os seus traumas, enfrentando-os. Isto é um trauma que é partilhado com dimensões distintas e por isso é fundamental o trabalho de preservação de memória e no fundo superar o estigma associado ao Tarrafal, mas preservando aquilo que efetivamente aconteceu naquele local”, afirmou ainda o ministro, que no sábado visita o antigo campo de concentração, atualmente convertido em museu.
Para o governante português, os dois países querem, como é o caso do ex-Campo de Concentração do Tarrafal, “projetos concretos que aproximem e que impliquem trocas e compromissos institucionais entre as duas partes” e prometeu o “empenho de Portugal em ajudar em tudo a componente técnica, nomeadamente através da Direção-Geral do Património Cultural”.
“Que tem, aliás, experiências semelhantes que estão neste momento em desenvolvimento. O Forte de Peniche, que era também uma prisão política particularmente violenta durante o Estado Novo, durante a ditadura portuguesa, está também num processo de musealização e de grande investimento em obras e de recuperação. Há muitas experiências que se podem partilhar naquilo que é e qual é o propósito e a construção de espaços de memória e de memória traumática”, sublinhou.
“Estamos a falar de uma dimensão muito importante, que é a partilha de experiências e processos, metodologias na recuperação destes espaços. Também o Forte de Peniche até há pouco tempo estava pensado para ser um hotel e, portanto, isso foi revertido, essa decisão, e neste momento será um museu dedicado à Resistência e à Liberdade, um pouco à imagem daquilo que acontece no Tarrafal, que, eu sublinho, tem essa dupla dimensão de memória daquilo que foi a resistência à ditadura em Portugal, mas também a memória da resistência ao colonialismo”, enfatizou.
Ao todo, foram presas neste “campo da morte lenta” mais de 500 pessoas: 340 antifascistas e 230 anticolonialistas. Após à sua desativação, o complexo funcionou como centro de instrução militar e desde 2000 alberga o Museu da Resistência.
O espaço foi classificado Património Cultural Nacional em 2004 e integra a lista indicativa de Cabo Verde a património da UNESCO.
“Tem um enorme significado para aquilo que é a comunidade da lusofonia e nós temos de saber, quando nos aproximamos dos 50 anos de democracia portuguesa e também dos 50 anos das independências dos vários países, de saber olhar para este passado, partilhado nas suas dimensões traumáticas, mas a partir desse passado partilhado, construir um futuro de partilha, de fraternidade e de colaboração”, apontou ainda Pedro Adão e Silva.
O Governo cabo-verdiano anunciou em julho de 2021 que a candidatura do ex-Campo de Concentração do Tarrafal a Património da Humanidade será a primeira de oito locais que Cabo Verde já identificou com potencial para classificação pela UNESCO, contudo, conforme explicou hoje o ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, ainda sem uma data concreta para avançar.
“Não será entregue porque não há uma porta aberta para a sua entrega”, disse o ministro cabo-verdiano, recordando tratar-se de um processo com procedimentos próprios para “cada um dos bens culturais, tanto material, imaterial, bens construídos e, neste caso, da candidatura do campo de concentração, a lugares de memória ligados a regimes autoritários totalitários”.
“Iremos aguardar e teremos mais tempo para trabalhar o dossiê”, acrescentou, sobre o processo de candidatura.
Sublinhou ainda o objetivo de envolver na futura candidatura a Guiné-Bissau, Angola e Portugal: “Os cabo-verdianos estiveram em menor número no campo de concentração do Tarrafal, é conveniente sempre dizer isso”.
“É muito significativo para a história de Cabo Verde, para a construção da nossa identidade pós-independência, porque nós adotamos a simbologia do campo de concentração para a promoção da própria República de Cabo Verde independente”, concluiu Abraão Vicente.
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