As imagens de destruição na Turquia levantaram nos portugueses a preocupação de que se venha a viver um cenário idêntico. Nos últimos dias têm-se ouvido perguntas com respostas por vezes contraditórias. Afinal, é ou não é possível haver um sismo semelhante ao da Turquia em Portugal? Porque é que os edifícios antigos suscitam tanta preocupação? É verdade que a maioria dos edifícios não tem proteção sísmica? O que é que está na lei, e, igualmente importante, o que é realmente feito na prática? Os hospitais e as escolas estão preparados para resistir a um sismo?
O Sapo24 reuniu as dúvidas mais levantadas, e os alarmes dos últimos dias, e traz agora um guião de respostas, um desmistificador, porque se legalmente o país está bem preparado para evitar a catástrofe, por outro são necessárias garantias de que a lei se cumpre.
Afinal, é ou não é possível haver um sismo como o da Turquia em Portugal?
Tem havido muita discórdia no campo científico sobre se um sismo como o da Turquia seria ou não possível em Portugal. Alguns especialistas têm considerado que não só é possível haver um sismo com a magnitude do da Turquia, como até superior. Outros consideram que tal cenário não é muito credível.
É a opinião de Fernando Carrilho, o chefe de divisão de geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que explica ao Sapo24 que a questão não é apenas a da magnitude, mas a partir de onde, exatamente, ocorre.
O especialista não considera muito credível que um sismo de magnitude 7,8 possa acontecer junto a Lisboa, porque "as zonas onde podem ser gerados os sismos de muito elevada magnitude situam-se em zona submersa a sul e a sudoeste do território de Portugal Continental, a distâncias da costa tipicamente superiores a 100km".
"Não há falhas próximas de Lisboa com dimensão suficiente para gerar um sismo desta ordem de magnitude [como o da Turquia]." Fernando Carrilho
O especialista explica que "os sismos de 1531 e de 1909 ocorreram próximo de Lisboa, mas com magnitudes substancialmente inferiores àquelas que estamos a falar". No caso do sismo de 1969, por sua vez, com uma magnitude 7,9, "os seus efeitos em Lisboa não tiveram nada a ver com os verificados na Turquia, simplesmente porque o sismo foi gerado a quase 300km de Lisboa".
O chefe de divisão de geofísica do IPMA acredita que a situação de Portugal é completamente diferente da situação da Turquia, onde as zonas de geração dos grandes sismos se situam em terra, atravessando áreas onde estão construídas cidades.
É verdade que a maioria dos edifícios não está protegida contra sismos?
"Teoricamente, todos os projetos que entram agora nas câmaras têm de ter o cálculo antissísmico", revela Carlos Silva, engenheiro civil com 40 anos de experiência. "Os centros históricos, as construções antigas... é muito mais complicado".
Uma das questões mais discutidas nos últimos dias foi precisamente a de a maioria dos edifícios em Portugal ter sido construída antes da atual lei de proteção contra sismos. Embora tenha saído em 1983, há um tempo entre uma lei sair e aparecerem novos edifícios, pelo que se considera a data de 1990, como explicou Carlos Sousa Oliveira, professor do Instituto Superior Técnico (IST), na área da Mecânica Estrutural e Engenharia Sísmica, ao Público.
Se se olhar para os dados dos Censos 2021 percebe-se que, na Área Metropolitana de Lisboa, aproximadamente 68% dos edifícios foram construídos antes de 1990. No Algarve, cerca de 60% dos edifícios foram construídos nesse mesmo período. E, se se analisarem os dados do país inteiro, percebe-se que aproximadamente 67% dos edifícios em Portugal foram construídos antes de 1990.
Portanto, sim, a maioria dos edifícios em Portugal foi construída antes da lei de proteção sísmica. Isto faz com que o país esteja sujeito a vulnerabilidades estruturais, como foi revelado pelo LNEC. Mas já foram estabelecidas algumas regras para avaliar a vulnerabilidade sísmica de alguns edifícios.
Afinal, o que diz a lei?
Desde 2019 há um conjunto de circunstâncias em que é obrigatório fazer um relatório de avaliação de vulnerabilidade sísmica. No caso, por exemplo, de a estrutura do edifício apresentar sinais evidentes de degradação, ter sofrido ou estar em vias de ser alvo de alteração. Mas também, no caso de uma remodelação em que a área intervencionada exceda os 25% da área bruta de construção do edifício, ou o custo de construção seja superior em pelo menos 25% do custo da construção de um edifício equivalente novo.
A preocupação tem girado principalmente em torno dos edifícios públicos e da segurança das crianças nas escolas e da população nos hospitais. Ora, esta mesma portaria obriga a que edifícios como escolas, hospitais, bombeiros e centrais elétricas sejam alvo desta avaliação.
Feito o relatório de avaliação, só é preciso fazer o projeto de reforço sísmico no caso de o relatório concluir que o edifício não satisfaz as exigências de segurança.
Em suma: “Se eu quiser restaurar a minha casa, há uma legislação nova que obriga que o técnico faça o tal relatório para ver a vulnerabilidade sísmica. E se houver necessidade, também há esse projeto de proteção”, explica o engenheiro Carlos Silva.
E o que acontece realmente?
Por um lado, muitos edifícios não são abrangidos por nenhuma das circunstâncias anteriores, não sendo por isso obrigatório avaliar a sua vulnerabilidade sísmica.
O próprio engenheiro Carlos Silva admite que não costuma ver os projetos de reforço a acontecer. "O que está a acontecer com o boom da construção e da reabilitação é que... a ideia é restaurar, embelezar, meter um pladur a tapar paredes velhas... parece tudo novo, mas não se fez nada. É uma grande preocupação dotar as estruturas de proteção sísmica".
Por outro lado, a maioria dos edifícios, no caso de Lisboa, pertence a privados. "Legalmente, a autarquia não pode levar a cabo vistorias em propriedades privadas", revelou Cláudia Pinto, coordenadora do ReSist, um programa municipal de promoção de resiliência sísmica, ao Público.
Embora a legislação obrigue a um relatório de vulnerabilidade sísmica, esta obrigatoriedade não se aplica a todos os edifícios, e existem constrangimentos, como o facto de alguns deles serem privados.
Existem soluções em curso?
João Paulo Saraiva, presidente da Associação de Proteção Civil (APROSOC), refere ao Sapo24 a importância do programa ReSist, o programa em curso de proteção antissísmica e de reforço de edifícios. O programa ReSist foi criado com o objetivo de não só avaliar a vulnerabilidade dos edifícios, como posteriormente implementar medidas para aumentar a sua resistência em caso de sismo.
O presidente da APROSOC indica cerca de 5000 edifícios ao todo, admitindo que alguns deles têm constrangimentos, nomeadamente por serem privados, como já havia adiantado a coordenadora do projeto.
O primeiro passo do programa é criar uma carta de vulnerabilidade sísmica dos edifícios de Lisboa, com base em critérios mais gerais, como o ano e o tipo de construção. O segundo passo é uma avaliação mais pormenorizada. E, depois de ter o índice municipal, "contactar os proprietários e disponibilizar uma bolsa de engenheiros que possam ajudar a avaliar e a reforçar as construções", adiantou a coordenadora.
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel.
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