“Deve-se a um conjunto de razões. Mas eu citaria, em resumo, o seu desassombro, a sua coragem de denunciar excessos, sejam eles do poder político, das magistraturas, de personalidades ou instituições, com mais ou menos poder, com capacidade de intimidação”, afirmou o advogado Agostinha Pereira de Miranda.
Assim, a atribuição do prémio é também “uma forma da ProPública homenagear a coragem dos advogados portugueses”, sublinhou. Numa altura, em que “têm sido objeto de uma erosão e, mesmo, de supressão de direitos, garantias e imunidades”, recordou, referindo-se às alterações ao estatuto da Ordem dos Advogados, que entraram em vigor a 01 de abril.
Cenário em que Garcia Pereira tem sido a pessoa que, de “forma mais direta e eficaz”, tem criticado “este assalto”, denunciado internacionalmente, “aos direitos dos advogados e à sua independência”, considerou.
O que se passa, explicou, “é que, desde 01 de abril, por força das alterações ao estatuto da Ordem dos Advogados, esta passou a ter um Conselho de Supervisão que é constituído “em 60% por não advogados”
“Isso significa que o controlo e a supervisão da atividade profissional dos advogados passa a ser exercida por não advogados”, quando tal não acontece no Conselho Superior da Magistratura ou no Conselho Superior do Ministério Público.
Na sua opinião, com a alteração, “criou-se artificialmente uma situação em que os advogados podem recear as consequências das suas iniciativas e eventualmente não representarem os seus clientes, nomeadamente contra o Estado”, pelo que a luta pela alteração daquelas medidas é uma das prioridades da associação a que preside.
“[A ProPública] é uma pequena associação que é frequentemente, aliás, ignorada por quem se devia lembrar de nós, como é o caso da Ordem dos Advogados. Mas temos como primeira prioridade a defesa do estatuto profissional reconhecido aos advogados há praticamente um século”, assumiu Agostinho Pereira de Miranda numa entrevista à Lusa a propósito da atribuição do Prémio Nelson Mandela.
Para já, a associação aguarda por “uma tomada de posição do novo Governo”, mas tem já como “um sinal preocupante” o facto de o programa do novo Governo nada dizer sobre os advogados. “Se continuar esta linha de atuação de ignorância desta luta dos advogados, é evidente que teremos de lançar mão de outros meios”, admitiu.
O líder e fundador da Propública destacou também o facto de o vencedor do prémio deste ano ter sido o advogado que “denunciou com maior veemência a escandalosa ilegalidade da exigência de marcação prévia para o atendimento, nos serviços públicos (…), particularmente danosa para os mais vulneráveis, os migrantes, os idosos, os pobres” e “tão grave que foi, aliás, objeto de um relatório publicado em fevereiro pela Provedoria de Justiça, que dá inteira razão a esta causa”.
Por último, realçou o trabalho que Garcia Pereira faz ‘pro bono’ e em defesa de situações em que está em causa a atuação de grupos poderosos, inclusive de organismos do Estado, normalmente por violação de leis laborais.
O prémio, com o valor pecuniário de dez mil euros, será entregue a Garcia Pereira a 18 de julho, no Dia Internacional Nelson Mandela, data em que se assinala o nascimento do advogado e antigo líder sul-africano, prémio Nobel da Paz em 1993, que lutou e pôs fim ao regime do ‘apartheid’ no seu país.
Nas três edições anteriores do prémio Nelson Mandela, foram distinguidos os advogados Francisco Teixeira da Mota (2021), Leonor Caldeira (2022) e Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves ‘ex aequo’ (2023).
Constituída em 2020, a associação privada ProPública tem o objetivo de defesa jurídica do interesse público.
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