"Sempre houve roubos de cortiça, mas nunca como agora e de facto não existe qualquer resposta clara por parte das autoridades competentes".
Este é o testemunho de João Goes, presidente da Associação de Produtores Agroflorestais da Região de Ponte Sor (AFLOSOR), que revelou em entrevista ao SAPO24 que a dimensão dos roubos este ano "vai muito além do que é normal".
"A responsabilidade de proteger os produtos é dos produtores, mas existem coisas que não podemos fazer até porque estamos impedidos por lei de o fazer. Há poucos anos roubava-se dois ou três sobreiros, hoje registam-se roubos de 30 a 40 árvores", frisa.
Estas declarações surgem dias depois de a GNR indicar ao SAPO24 que os distritos mais afetados nos últimos dois anos pelo roubo de cortiça a nível nacional são Setúbal, Santarém, Portalegre, Castelo Branco e Évora, estando até ao momento registados 465 crimes de furto de cortiça. Porém, apenas a até ao dia 31 de julho de 2024 já há registo de 268 crimes deste tipo.
A autoridade sublinha que este roubo acontece mais quando este recurso natural se encontra ainda na árvore e menos em pilha, algo confirmado por João Goes. Porém, estes casos são ainda mais graves em termos ambientais e de gestão agrária sendo esta cortiça roubada retirada antes do prazo definido por lei, nove anos.
O responsável da associação destaca ainda que no passado os produtores observavam roubos a acontecer nos meses tradicionais de tiragem da cortiça, mas atualmente existem todo o ano, inclusive no inverno. "Tendo em conta que a cortiça deve ser retirada entre maio e agosto, a retirada fora deste período por meliantes pode causar danos irreversíveis à árvore e é algo que faz quem não conhece a exploração deste recurso".
Na realidade, esta situação é nociva porque existe uma camada de células que produz cortiça que, caso seja danificada se a retirada não for feita na altura do ano adequada e no ano em que é suposto, afeta a árvore quase sempre no futuro, diz o presidente da AFLOSOR. Além disso, depois deste roubo podem existir doenças nos sobreiros precisamente pelos danos causados.
"Neste momento existem inúmeros roubos agrícolas, desde gado, pinhas, alfaias, instalações elétricas, entre outros. Isto leva, claro, a perdas de rendimento, afeta as árvores a nível ambiental e, o pior de tudo, condiciona as opções de gestão. Se optamos por preservar o produto além dos nove anos por questões de preservação da árvore, com o risco de sermos roubados a meio deste prazo as pessoas acabam por tirar mais cedo a cortiça, para tentarem não perder dinheiro com os roubos, o que acaba por ser pior", afirma.
A este cenário acrescenta-se o facto de se começar a observar nos campos "cenários de violência em que os criminosos enfrentam quem tenta defender as propriedades", levados a cabo por "organizações armadas". Algo para que os produtores alertam: "Queremos evitar que isto passe para as páginas dos jornais no momento em que existam cenários muito desagradáveis".
Como acabar com os roubos?
Segundo o presidente da AFLOSOR, não existe só uma solução e os produtores não são excluídos da responsabilidade. "Uma parte da responsabilidade deve ser dos produtores, mas da parte das autoridades é necessário fazer uma vigilância acrescida nas vias públicas ou nos locais onde se receciona a cortiça. É necessário um trabalho de investigação e um novo paradigma para abordar este tipo de questões. Temos de perceber nos locais onde se recebe a cortiça quem é que a compra sem ter tido qualquer despesa com ela".
Uma forma de rastrear a cortiça roubada é através do "Manifesto de produção suberícola", cujo formulário pode ser encontrado no site do ICNF e deve ser enviado para o endereço dgfc@icnf.pt ou por correio para a sede do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P. Com este manifesto é possível identificar a quantidade de cortiça produzida e garantir que esta está registada oficialmente junto das autoridades. Porém, este método é algo em que João Goes não acredita.
"Os roubos passam-se antes dos registos e da cortiça ser pesada. Se um produtor for roubado não vai declarar essa cortiça. A cortiça não tem um carimbo de origem, por isso se for roubada aqui ou ali não vai ser identificada. Ou se apanha estas pessoas em flagrante ou terá de ser feita uma investigação a fundo junto de quem a compra", diz.
Apesar desta situação, os produtores não se sentem abandonados pela GNR, mas criticam que os "métodos de investigação são ultrapassados". "Não é possível existir um GNR em cada hectare de terreno e terá de ser algo a atuar mais a fundo".
Dão ainda a ideia de ter um circuito rápido de avisar a GNR para terem uma intercessão rápida sobre movimentos suspeitos, algo que pode "evitar tragédias", sublinham.
Comunicar furtos? "Um processo absolutamente desgastante"
Sobre aquilo que já se faz atualmente no que diz respeito a comunicar furtos, o produtor florestal de Abrantes, Joaquim Bento, reforça também ao SAPO24 que a sensação dos produtores é de "impotência". "Já fui roubado várias vezes e fiz queixas na GNR e os processos foram sempre arquivados".
Recorda ainda que teve até "situações em que foram enviados ao local o Núcleo de investigação da GNR, que é bastante competente, mas depois qualquer situação é muito difícil de provar. Mesmo que mais tarde se encontre uma cortiça roubada é complicado provar que era de uma determinada propriedade, nomeadamente em tribunal".
Por isso, pede então "uma colaboração melhor das autoridades e dos postos de receção de cortiça, nomeadamente até das Finanças".
Devido a um inquérito recente, a AFLOSOR sabe que cerca de 20% dos associados sofreu este tipo de roubos: "Causa uma grande instabilidade na região. Isto nunca aconteceu", diz o presidente da associação.
"A mensagem que queremos passar não se trata de uma mensagem medida em euros. O prejuízo vai muito além dos euros. Queremos passar a abordar este problema de uma forma diferente", termina.
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