O Governo apresentou no final do ano ao parlamento uma proposta de lei que permite reverter a fusão e a extinção de freguesias ocorrida em 2013, durante o Governo PSD/CDS-PP, a que se juntaram mais recentemente propostas do PCP, do PEV e do BE.
Estas propostas serão hoje discutidas na generalidade no plenário e devem depois descer à discussão na especialidade.
Esta lei era esperada com expectativa pelos autarcas de freguesia, que pediam uma reorganização do mapa de freguesias para corrigir situações provocadas pela reforma administrativa de 2013.
No entanto, a demora na apresentação da proposta, uma das principais críticas dos autarcas de freguesia, e o demorado processo que decorre até à validação de um novo mapa de freguesias, deve impedir que se verifiquem alterações a tempo das eleições autárquicas que se realizam em setembro ou em outubro deste ano.
A Associação Nacional de Freguesias (Anafre) referiu, num parecer enviado à Assembleia da República, que a proposta do Governo não atendeu às principais propostas dos autarcas e manifesta agora esperança na negociação das propostas na especialidade.
Governo e Bloco propõe que a desagregação de freguesias deve ter em conta que estas cumpram requisitos de prestação de serviços à população e de eficiência de gestão pública, limites de população e de território, de história e identidade cultural, além da vontade dos habitantes.
Na sua proposta, o Governo impõe critérios mínimos de população de, pelo menos, 900 eleitores em geral ou de apenas 300 no caso de se localizem em territórios do interior.
O Governo propõe ainda que as novas autarquias tenham obrigatoriamente, pelo menos, uma extensão de saúde, um equipamento desportivo, um equipamento cultural e um parque ou jardim público com equipamento lúdico ou de lazer infantojuvenil.
As propostas do PEV e do PCP preveem a reposição de todas as freguesias extintas em 2013, caso essa extinção não tenha resultado da vontade expressa das autarquias.
De acordo com estes dois documentos, podem ainda ser repostas outras freguesias extintas, desde que essa proposta seja fundamentada pelos órgãos deliberativos municipais e de freguesia.
Depois da negociação no parlamento, desde a publicação de uma lei e até à existência de um mapa final de freguesias, há um longo caminho a percorrer.
Os processos passam pela aprovação da desagregação pelas assembleias de freguesia, depois pelas assembleias municipais e depois ainda pelo parlamento, que tem de ter o novo mapa aprovado e publicado até março, pelo menos seis meses antes das eleições, para que estas alterações estejam prontas a tempo das autárquicas.
Em 2013, durante o período de ajuda internacional da ‘troika’, a reforma administrativa promovida pelo Governo PSD/CDS-PP agregou ou extinguiu 1.168 freguesias para as 3.092 que existem atualmente, o que mereceu a contestação de muitos autarcas.
Autarcas rejeitam nova reforma apressada das freguesias como a de 2013
A Assembleia da República discute hoje na generalidade estas propostas legislativas, mas a expectativa da Associação Nacional de Freguesias (Anafre) era que a desagregação já pudesse ter ocorrido antes das eleições autárquicas que se realizam em setembro ou outubro.
Em declarações à Lusa, o coordenador distrital de Beja da Anafre, Vítor Besugo (PS), considerou que o prazo para a aprovação desta lei “vai derrapar”, impedindo que seja “corrigida a injustiça” feita às freguesias agregadas em 2013 antes das eleições autárquicas deste ano, que “foi uma promessa do primeiro-ministro, António Costa".
“Se tivessem logo sido aceites as nossas propostas, que tinham sido negociadas com o próprio Governo, já era mais fácil, mas, assim, ainda tem de ser tudo discutido, porque nós também não concordamos com a proposta de lei” do executivo, disse, salientando que a lei anda a ser discutida desde 2018 e que, quando recebeu esta proposta de lei, a Anafre verificou que “muita coisa foi alterada” e que merece o desacordo dos autarcas.
O coordenador da Anafre no distrito de Beja lamentou que, caso haja derrapagem, a lei “só já entre em vigor dentro de quatro anos, quando houver outras autárquicas”.
“As populações é que ficam prejudicadas” e existem “freguesias que queriam recuperar os poucos serviços que tinham e que, entretanto, perderam, mas vão ter de esperar”, frisou.
Pedro Oliveira Brás (PS), presidente da freguesia de Massamá e Monte Abraão e responsável pelo distrito de Lisboa, considerou que cerca de dois meses é pouco para discutir uma lei que se quer abrangente e que valha para vários anos, destacando que há muita coisa para fazer após a lei ser aprovada e que o trabalho preparatório de criação de novas freguesias é muito exigente.
Para este autarca, a discussão deve esquecer o calendário eleitoral e “o foco deve ser trabalhar a reforma, discuti-la de forma séria e encontrar respostas para as necessidades das freguesias e das populações”.
“Eu acho que a pergunta que deve estar no centro desta discussão é que papel queremos das freguesias e o que é que queremos das freguesias. Cada vez mais, as freguesias recebem mais competências - competências próprias, competências delegadas. O seu papel é cada vez mais ativo e, portanto, teremos de ter isso em conta para percebermos que tipo de administração territorial queremos”, defendeu.
A proposta do Governo estabelece que as freguesias devem corresponder a um mínimo de 900 eleitores, exceto se se localizarem em territórios do interior, onde admite um mínimo de 300 pessoas, e o cumprimento de critérios como o de terem obrigatoriamente pelo menos uma extensão de saúde, um equipamento desportivo, um equipamento cultural e um parque ou jardim público com equipamento lúdico ou de lazer infantojuvenil.
Telmo Afonso (PSD), coordenador distrital de Bragança, considera que, se houver alterações neste distrito, o que irá acontecer é ainda mais agregação de freguesias, sobretudo nas zonas rurais, porque na região será difícil a estas autarquias reunirem os critérios propostos pelo Governo, tanto no que se refere à população como à existência de equipamentos e serviços, nomeadamente extensões de saúde.
Esta possível agregação implicará, na opinião de Telmo Afonso, ainda maior perda de proximidade, que entende como essencial nestes meios pequenos, onde o presidente e elementos das juntas de freguesia ajudam a resolver questões do quotidiano às populações.
O coordenador distrital da Guarda, José Rabaça (PSD/CDS-PP), salientou que, no caso do seu distrito, apenas duas uniões de freguesia na Guarda e em Seia poderão cumprir os critérios para desagregação, embora isso não deva acontecer, porque estão a funcionar bem.
Também José Rabaça destaca que em territórios de baixa densidade, como o seu, poderão até existir junções de freguesias, já que a proposta prevê que possa ocorrer a agregação de freguesias com menos de 300 eleitores, mediante discussão pública.
O autarca espera que, se acontecer alguma agregação de pequenas freguesias no distrito, esta “sirva para haver mais união, mais segurança e mais proteção do território, por exemplo ao nível dos incêndios florestais”.
Outro dos pontos de divergência com a proposta do Governo, segundo José Rabaça, “é o facto de serem necessários dois terços dos votos na assembleia de freguesia para criar uma nova freguesia”, o que “vai inviabilizar a reposição de freguesias pequenas”.
“Basta um partido não querer para não avançar o processo” ou, então, em freguesias pequenas que foram agregadas a outras grandes, “se a pequena quiser sair e fizer o pedido, mas os da grande não aprovarem, não se concretiza”, explicou.
Vítor Besugo salientou que a Anafre propôs ao Governo “uma discriminação entre territórios de baixa e de alta densidade”, entre territórios rurais e urbanos, e não uma divisão entre litoral e interior, como está na proposta.
“Não faz sentido o critério do Governo quando temos aqui [no Alentejo] freguesias do litoral que também são pequenas, como as do interior”, assinalou, aludindo ao concelho de Sines como exemplo.
Vítor Besugo destacou que este critério tem muita importância, porque em 2013 foram extintas freguesias que tinham 300 habitantes, o que é muito em determinadas localizações, embora isso seja "uma rua em Lisboa”.
Lisboa é um distrito com um pouco de tudo, pequenas e grandes freguesias, com situações em que a união de freguesias está estabilizada em termos de organização administrativa, embora noutras situações “claramente a união de freguesias não faz sentido”, disse o coordenador distrital de Lisboa, Pedro Oliveira Brás.
A proposta do Governo prevê, nos critérios territoriais, que as freguesias representem de 2% a 20% do território do município.
O critério não é cumprido por diversas freguesias com milhares de habitantes, da zona de Lisboa, como Campo de Ourique (Lisboa, com mais de 22 mil habitantes), Massamá e Monte Abraão (cerca de 49 mil habitantes) e Agualva-Cacém (com cerca de 82 mil habitantes), ambas em Sintra, mas que representam menos de 2% dos respetivos municípios, exemplificou.
Daí que a Anafre do distrito de Lisboa tenha proposto que, “nos territórios com uma densidade populacional significativa, este valor percentual deveria baixar para o 1%”.
“A densidade populacional também acarreta outro tipo de responsabilidade e muitas freguesias no nosso território, quer na área metropolitana de Lisboa como na área metropolitana do Porto, têm muito mais habitantes do que muitos concelhos do nosso país. Portanto somos ‘mini-concelhos’ com recursos de freguesia”, sublinhou.
No entanto, o autarca destacou também que a proposta ainda estará sujeita a alterações na especialidade e já tem alguns pontos positivos, nomeadamente o que diz que “quem não cumprir os critérios pode ficar como está” e o que permite alterar os limites dos territórios tendo em conta as dinâmicas das populações, além de contemplar fatores como a identidade cultural do território e o provimento pelas autarquias de um serviço público junto das populações.
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