“Penso que esse problema ao nível da Igreja não se vai colocar, porque a estrutura da Igreja é diferente e a própria história da Igreja nesse domínio é diferente das realidades do domínio público e dos Estados”, afirmou, em declarações à Lusa, o bispo de Angra, João Lavrador, que é também presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais.
O partido Livre propôs que o património das ex-colónias portuguesas, que esteja atualmente na posse de museus e arquivos nacionais, possa ser identificado, reclamado e restituído às comunidades de origem, no âmbito de uma proposta de alteração ao Orçamento de Estado para 2020.
Questionado pela Lusa, o bispo João Lavrador disse não conhecer na Igreja “situações de vulto que tenham usurpado património do antigo ultramar”, mas ressalvou que o património da Igreja não está concentrado num único local.
“Não tenho conhecimento real de tudo o que existe, porque o património da Igreja está em dois lugares. A maior parte deste património tradicional está nos museus nacionais, nem sequer está na posse da Igreja. O outro está em cada diocese”, apontou, acrescentando que a comissão episcopal que lidera não coordena o património da Igreja a nível nacional.
“Não sei se realmente há algum caso desses ao nível da Igreja, penso que não há”, acrescentou.
João Lavrador disse também não ter conhecimento de qualquer reivindicação de património da Igreja por parte de ex-colónias portuguesas, reiterando que “o património de cada diocese é muito próprio da sua própria história”.
“Propriamente ao nível da relação com as ex-colónias, eu diria que era muito natural que houvesse este sentido de permuta cultural, mas isso era muito em termos de dioceses. No antigo ultramar existiam bispos que tinham a sua responsabilidade e não vejo que os próprios bispos do ultramar estivessem disponíveis para trazer [património] para fora do ultramar”, adiantou.
Quanto à possibilidade de devolução de obras de arte às ex-colónias, o bispo de Angra admitiu que isso possa acontecer em caso de usurpação, mas pela via diplomática.
“Nós temos de entender que há períodos da história que têm de ser respeitados na mentalidade da época e nas situações da época. Isto não retira que porventura não tenha havido alguma situação de usurpação e, naturalmente, é obrigatório que, quando se vê que houve alguma usurpação que infringiu a dignidade ou a identidade de um povo no seu próprio património, se tenha de restabelecer”, apontou.
O presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais admitiu que “cada país possa reivindicar um reajuste nestas situações”, respeitando “os períodos da história”, mas defendeu que esse processo deve ser feito com recurso ao diálogo diplomático e não ser utilizado como “uma questão de arremesso político”.
“Os países que de alguma maneira podem estar a equacionar este problema estão com boa fé, estão com sentido de diálogo e é no diálogo que isto tem de se resolver e é pela via diplomática, não é propriamente alguém lateralmente. Devem ser os próprios Estados a equacionarem o problema e a dialogarem entre si”, frisou.
Se se confirmar também a existência de património usurpado nas dioceses portuguesas, os casos deverão ser discutidos, segundo João Lavrador, com os núncios apostólicos (o equivalente na Igreja embaixadores) desses países e com as conferências episcopais da Igreja em Portugal.
Um relatório elaborado pela historiadora francesa Bénédicte Savoy e pelo economista senegalês Felwine Sarr , divulgado em novembro de 2019 pelo presidente francês, Emmanuel Macron, identificou a existência de pelo menos 90.000 obras de arte provenientes de África nas coleções públicas francesas e propôs a sua restituição.
Em Portugal, não há listagens de obras de arte vindas dos antigos territórios sob administração portuguesa, o que para o investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra António Pinto Ribeiro é um "problema gravíssimo".
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