A segunda cidade mais populosa do Brasil decretou na segunda-feira o estado de emergência em saúde pública devido ao rápido aumento de casos de dengue, que só no mês de janeiro registou 10.156 ocorrências da doença, quase metade dos 22.959 casos registados em todo o ano de 2023.

À Lusa, o subsecretário de Vigilância e Atenção Primária à Saúde do Rio de Janeiro, Mário Sérgio Ribeiro, confirmou que tem havido uma preocupação particular com a chegada dos turistas, já que “os turistas internacionais vêm de cidades onde não é comum a dengue”.

“As pessoas muitas vezes vêm para cá suscetíveis, vêm desprotegidas”, frisou, acrescentando que neste período festivo existe “uma maior probabilidade de os casos aumentarem”.

De acordo com dados da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), são esperados mais de 61.000 turistas internacionais no Carnaval que, apesar de já ter iniciado as festas com blocos um pouco por toda a cidade, arranca oficialmente no sábado e termina na terça-feira.

Segundo Mário Sérgio Ribeiro, houve uma antecipação da curva de crescimento da doença, já que tradicionalmente o número maior de casos é registado entre março e abril, meses que conciliam fortes chuvas com períodos de muito calor.

“Desde de dezembro vem aumentado e em janeiro já estava bem acima”, disse, afirmando, contudo, que não há ainda uma noção exata de por que razão a curva foi antecipada, nem se o pico de incidência foi antecipado ou se poderá ainda estender-se para os meses que se seguem.

“No calor, o abastecimento de água pode ser interrompido e as pessoas armazenam água por conta do calor, compram recipientes para fazerem piscinas e acumulam água”, explicou.

Quanto às recomendações, o responsável apela ao uso do repelente nas partes expostas, como as pernas, os braços e a cabeça: “é importante, principalmente ao amanhecer e ao entardecer, que é o horário de maior frequência de atividade do mosquito”, nas horas de menos calor, frisou.

Além disso, Mário Sérgio Ribeiro chamou a atenção para que as pessoas não se automediquem e sim “procurarem um serviço de saúde” no início dos sintomas, como febre alta abrupta, dor retro-orbital (atrás dos olhos), dor nas articulações, mal-estar geral, náusea, vómito e diarreia.

A prefeitura do Rio de Janeiro apresentou um plano de contingência para enfrentar o surto da doença, que prevê medidas de assistência à população e combate ao mosquito Aedes aegypti, vetor que transmite o vírus da dengue.

Entre as medidas anunciadas estão a abertura de dez polos de atendimento, a criação do Centro de Operações de Emergência (COE-Dengue).

Dados do Ministério da Saúde do Brasil indicam que o país registou 345.235 casos prováveis de dengue este ano, com 36 mortes e outras 234 em investigação. O número de casos triplicou entre os dias 21 e 27 de janeiro, comparando com o mesmo período do ano passado.

Os estados do Acre, Minas Gerais e Goiás, além do Distrito Federal decretaram situação de emergência em saúde pública.

Em 2023, o país sul-americano registou mais de 1,6 milhões de casos da doença, mais de um quinto de todos os notificados no mundo, e 1.094 mortes, um recorde histórico.

O Brasil começará uma campanha de vacinação pública contra a dengue este mês. O país já divulgou a lista de cerca de 500 cidades que vão receber a vacina contra a dengue, que num primeiro momento deverá dar prioridade a crianças e adolescentes com idade de 10 anos a 14 anos por estarem entre o público com maior número de internamentos devido à doença.

O Brasil prevê receber até 6,2 milhões de doses de uma vacina japonesa contra a dengue em 2024. Porém, por se tratar de uma vacinação que requer duas doses de vacina, esse valor abrange apenas 3,1 milhões de pessoas e é insuficiente para enfrentar a atual explosão de casos.

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, qualificou na quarta-feira o surto de dengue no Brasil como um "desafio significativo" e relacionou-o com o fenómeno climático El Niño.

Segundo a OMS, a dengue matou 5.000 pessoas em todo o mundo em 2023.

O El Niño é um fenómeno climático natural associado ao aumento das temperaturas da superfície no centro e leste do Oceano Pacífico tropical, mas que tem efeitos em todo o mundo.

Luta contra a dengue deve centrar-se na eliminação do mosquito transmissor

O infecciologista Jaime Nina atribui o aumento de dengue em países como o Brasil ao crescimento da população em regiões quentes e às chuvas tropicais, defendendo que a resposta passa pela eliminação do mosquito que transmite a doença.

“A dengue tem aumentado e tem aumentado há um século. Há várias explicações para isso, uma das quais é que a população das regiões tropicais tem vindo a aumentar, explodiu literalmente. O mosquito tem mais onde se alimentar”, disse.

No Brasil, o rápido aumento do número de casos de dengue levou as autoridades do Rio de Janeiro, a segunda cidade mais populosa do Brasil, a decretaram o estado de emergência em saúde pública, a poucos dias das celebrações do Carnaval, que levam multidões de turistas à cidade.

De acordo com informações da Secretaria Municipal de Saúde, foram registadas só no mês de janeiro 10.156 ocorrências de casos de dengue na cidade, quase metade dos 22.959 casos registados em todo o ano de 2023.

O mosquito do género Aedes, que transmite ao homem o flavivírus da família Flaviviridae que provoca a doença, “adapta-se muito bem ao homem”, sublinhou o infecciologista do Hospital Egas Moniz e professor de Infecciologia e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa.

O aumento da população e o aumento das chuvas tropicais (a larva do mosquito é aquática) são as principais razões apontadas por Jaime Nina para este aumento de casos, sendo que se estima a existência de 400 milhões de casos por ano, ou seja, cinco por cento da população do mundo.

O surto no Brasil seguiu-se a um período de chuvas intenso em algumas das zonas mais populosas no pais, o que poderá ter estado na origem do rápido aumento de casos.

Em 2023, o país sul-americano registou mais de 1,6 milhões de casos da doença, mais de um quinto de todos os notificados no mundo, e 1.094 mortes, um recorde histórico.

O especialista destaca o avanço das vacinas contra esta doença, como a mais recente, de produção brasileira.

Atualmente na terceira fase de testes clínicos, esta vacina tem uma eficácia global de 79,6% dois anos após a injeção, segundo um estudo publicado recentemente na revista científica New England Journal of Medicine.

O estudo diz que a vacina de dose única desenvolvida pelo Instituto Butantan, um centro de pesquisa com sede em São Paulo, é 73,6% eficaz entre aqueles que nunca tiveram dengue antes, e 89,2% eficaz entre aqueles que já tiveram a doença.

Mas Jaime Nina insiste na necessidade de combater o mosquito: “A resposta é atacar o mosquito, foi assim que foi atacada a febre-amarela e o dengue em alguns sítios”, afirmou.

E acrescentou que existem várias ferramentas ao dispor, como as redes e os inseticidas que hoje em dia já não têm o grau de toxicidade que apresentavam há 50 anos.

De igual forma é importante a monitorização dos casos. “Um caso de dengue isolado passa despercebido, se houver dois mil e tal não há maneira de passar despercebido”, sublinha.