Chegou à Câmara Municipal do Porto em 2013. Oito anos depois, e com o caso Selminho ainda por julgar [é acusado de, no exercício das suas funções e poucos meses após iniciar o primeiro mandato ter dado orientações para que fosse fechado um acordo extrajudicial entre o município e a empresa da sua família, a Selminho], Rui Moreira continua destacado nas sondagens, que lhe dão larga vantagem sobre a oposição. Considera que não pode ficar refém do Ministério Público para avançar com a sua vida e garante que a população tem toda a informação de que precisa para poder fazer a sua escolha.
Outras polémicas mais recentes ganharam maiores proporções em vésperas de eleições, como foi o caso da remodelação do Museu do Romântico, projeto executivo camarário gastou, em 2018, meio milhão de euros em obras, ou o Centro de Vacinação no Queimódromo, uma parceria com privados única no país, que encerrou devido a problemas com a refrigeração das vacinas.
Na oposição, Vladimiro Feliz, vice-presidente da autarquia quando era esta era liderada por Rui Rio, e apoiante do "Porto, o Nosso Movimento" no primeiro mandato, afirma que a cidade está pior. Rui Moreira chama-lhe "dores de crescimento", mas Tiago Barbosa Ribeiro, candidato do PS, segundo partido mais votado, tem outra visão.
A candidatura de Rui Moreira tem o apoio da Iniciativa Liberal, que ajudou o atual presidente a eleger-se lá atrás, e do CDS. Mas o Rui Moreira já teve no seu executivo nomes que António Costa foi buscar para os seus governos, como João Pedro Matos Fernandes (ministro do Ambiente), Azeredo Lopes (ex-ministro da Defesa), ou Ana Teresa Lehmann (secretária de Estado da Indústria).
O SAPO24 conversou com o "engenheiro" Rui Moreira para saber quais os seus objetivos para este terceiro e último mandato no Porto (pelo menos consecutivo) e perceber onde vê o concelho em 2025. Depois, depois há quem diga que o seu grande objectivo é ser o futuro presidente do Futebol Clube do Porto. Não confirmou, nem desmentiu.
Começo pela morte de Jorge Sampaio. Que relação tinha com o ex-presidente da República?
Conheci o Dr. Jorge Sampaio quando entrei para a Associação Comercial do Porto, em 2001, era ele presidente da República. Convidámo-lo para vir ao Palácio da Bolsa, já não sei se por altura de um jantar anual, e desde logo compreendemos que não só tínhamos amigos comuns, como partilhávamos imensas coisas, como um certo humor britânico, que sempre cultivámos um com o outro, ou gosto pela cultura. Depois desses anos em que estive na Associação Comercial do Porto, quando o Dr. Jorge Sampaio vinha ao Porto, normalmente falava-me e combinávamos encontros para almoçar - ele gostava de almoçar comigo. E eu, muitas vezes, quando ía a Lisboa pedia-lhe uma audiência no Palácio de Belém, para falar e estar com ele.
Levava-o a ver o Sporting?
Não. Mas essa deve ter sido a última grande alegria que teve, ver o Sporting ser campeão. Felizmente, a mulher dele, como sabe, é portista, de maneira que quando estava comigo e com a mulher estava sempre em minoria. Mas não falávamos muito disso. Falávamos dos livros, do Porto, da forma como ele via o Porto como uma cidade do Norte da Europa. Dizia que o Porto era a cidade mais meridional, mais a sul do Norte da Europa. Tinha essa visão muito interessante e curiosa. Depois, durante algum tempo não estive com ele, mas voltei a estar logo que fui eleito, porque ele apareceu cá no Porto para me falar daquele projeto que tinha com as estudantes sírias
. A minha irmã tem hoje duas amigas que vieram nesse projeto e ficaram a viver no Porto e estão completamente integradas. Fui um entusiasta, com outro amigo comum, então meu chefe de gabinete, o professor Azeredo Lopes, e voltámos então a conviver. E ele ligava-me de vez em quando, tratava-me por "engenheiro", que era uma coisa curiosa, sabendo ele que eu não sou engenheiro.
Conheci o Dr. Jorge Sampaio era ele presidente da República. [...] Tratava-me por "engenheiro", sabendo ele que eu não sou engenheiro
Mas tinha um motivo. Pode contar?
Uma petite histoire: tínhamos descoberto que ele era amigo do meu tio Mário, que morreu há muitos anos e que era engenheiro. Então tratava-me assim.
Partilha a visão de Jorge Sampaio para o Porto, é assim que vê a cidade?
Não tenho necessariamente essa visão, mas há uma coisa que, no fundo, é subliminar a isto: o Porto faz parte de um arco das chamadas cidades hanseáticas - começa no Porto, passa pela Corunha, vai a Bordéus, ao Norte de França, Antuérpia, Roterdão, Bremen, Hamburgo, até à Dinamarca. Essas cidades, porque eram cidades mercantis - o Porto foi uma cidade que nunca se encantou muito com as descobertas, apesar da conquista de Ceuta ter partido daqui - e, primeiro os flamengos, depois os ingleses, depois os alemães, os franceses e os holandeses, tiveram uma enorme importância no Porto. E esta noção de uma cidade atlântica hanseática parte deste cordão de cidades que, desde a Idade Média, tinham contactos entre si - aliás, se formos à Sé Catedral do Porto está lá esculpida uma coga [embarcação] flamenga, e por alguma razão.
Falou no gosto pela cultura. É um pelouro que tem vindo a somar polémicas. Correu-lhe bem, pretende mantê-lo para si?
Para falar do pelouro da Cultura temos e voltar a 2013. Pouco depois de ter apresentado a minha candidatura, convidei o Paulo Cunha e Silva, que na altura estava longe de ser consensual, para me acompanhar nesta aventura e ser meu vereador da Cultura. Conhecia o Paulo há muito tempo e o que tínhamos planeado era mais ou menos isto: no primeiro mandato ele seria vereador da Cultura - eu até dizia: "Era ótimo que no próximo mandato fosses tu presidente de câmara e eu vereador da Cultura". A perpetuação do vereador da Cultura não se deve manter, ainda que eu seja uma pessoa muito ligada à cultura. Mas uma manhã terrível fui acordado às seis da manhã pelo atual ministro do Ambiente, Matos Fernandes, que tinha ouvido na rádio que Paulo Cunha e Silva tinha morrido. Tive de tomar uma decisão.
Ficou com o pelouro da Cultura para si.
O Paulo Cunha e Silva tinha morrido subitamente, em vésperas de ir comigo para a China, e eu não tinha entre as minhas pessoas e nos vereadores substitutos alguém que pudesse ficar com o lugar. Penso que ninguém entenderia se eu, na altura, não assumisse o pelouro da Cultura. E assim fiz. Fazê-lo só por dois anos não fazia sentido, e entendi que devia manter o pelouro no meu segundo mandato. Neste mandato não tenho a certeza, vai depender do número de vereadores que conseguir eleger. Não é nenhum tabu, mas seria tempo de na Cultura, quer na curadoria, quer na programação, quer na política, haver pessoas novas, com ideias novas e que introduzam novas dinâmicas. Mas, repare, quando morre Paulo Cunha e Silva perco João Pedro Matos Fernandes, que estava na Águas do Porto e é convidado para ministro do Ambiente, perco o meu chefe de gabinete, Azeredo Lopes, que vai para ministro da Defesa, e perco a Ana Teresa Lehmann, que trabalhava diretamente comigo no gabinete de atração de investimento e vai para o governo como secretária de Estado [da Indústria].
Matos Fernandes tem feito um bom mandato?
Prefiro responder-lhe assim: Matos Fernandes fez-me falta na Águas do Porto. Deixou coisas feitas, mas precisava que tivesse feito mais alguma coisa. Felizmente, uma pessoa que eu tinha convidado para trabalhar com ele e que depois lhe sucedeu conseguiu dar continuidade àquilo. Matos Fernandes foi, naquilo que é a relação com o município, muito eficiente na área do transporte público.
Se o transporte público tivesse sido privatizado, nunca poderíamos alcançar as metas de transição que precisamos de atingir até 2050
A tal onde a Covid não viaja?
Não era isso. Quando chegámos à Câmara Municipal do Porto, o governo de Passos Coelho queria vender a nossa transportadora, o Serviço de Transportes Colectivos do Porto (STCP), que tem o monopólio da cidade. Estava a desinvestir em carreiras, a reduzir o número de passageiros, para transformar aquilo numa empresa privada. E Matos Fernandes inverteu isso. Também inverteu a questão da água, porque as Águas do Douro e Paiva iam ser fundidas com a Águas de Portugal, o que iria representar a compra de água muito mais cara para nós. Inclusivamente, se isso se tivesse concretizado, eu admitia a hipótese de começarmos a extrair água. Portanto, no que diz respeito à agenda da cidade do Porto, Matos Fernandes foi muito importante. Uma coisa sei, se o transporte público tivesse sido privatizado, nunca poderíamos alcançar as metas de transição que precisamos de atingir até 2050.
Essa afirmação não é lá muito a cara da Iniciativa Liberal, que apoia a sua candidatura.
Bom, então terão de concorrer daqui a quatro anos. Não tenho nenhum embaraço com o privado, como calcularão, mas, nessa matéria, corremos um risco maior no país de haver quem queira nacionalizar tudo até lá. Corremos, corremos.
Não deixa de ser curioso que aqueles que o ajudaram a eleger, pelo menos uma parte, se tenham emancipado e formado o seu partido, a Iniciativa Liberal.
Não, isso não é verdade. O Carlos Guimarães Pinto, que foi, de facto, o pensador da Iniciativa Liberal, não foi meu apoiante nem fez parte da minha primeira candidatura. E o Ricardo Valente, meu vereador, que também é da Iniciativa Liberal, era da lista do Dr. Luís Filipe Menezes [PSD]. Concorríamos um contra o outro nas eleições de 2013. Só que ele era vereador na câmara e, exactamente quando morre Paulo Cunha e Silva e, pouco depois, Manuel Sampaio Pimentel [número dois de Rui Moreira], veja o azar, achei que o Ricardo Valente era uma pessoa exemplar, da academia, e convidei-o.
Têm algum acordo com a Iniciativa Liberal em relação à distribuição de pelouros?
Não, não existe nenhum compromisso. Ainda que deva dizer que a minha vereadora do CDS, a Catarina Araújo, por exemplo, já não consegue, a meu ver, ter tantos pelouros - tem sido extraordinária no pelouro da Juventude e do Desporto, coisa que adora, mas tem os Recursos Humanos, que são pesados, tem tudo o que tem a ver com os serviços jurídicos, também muito pesado, e ainda tem de administrar empresas municipais na área da construção civil. Para uma câmara, um governo com apenas um presidente e seis vereadores é muito curto. Espero poder esticar isto para cada um dos vereadores poder mudar a sua função - e também ter uma vida, porque às vezes vejo que estão exaustos. Quero manter Ricardo Valente no pelouro da Economia e na InvestPorto, a nossa agência de investimento.
Antes de avançar para os problemas e soluções para o Porto, gostava de falar no caso Selminho, que o obriga a ir a julgamento, acusado de prevaricação e abuso de poder. Mesmo sob suspeita, decidiu recandidatar-se. Porquê?
Veja, se não me candidatasse, estaria a dar ao Ministério Público ou a parte do Ministério Público a capacidade de pôr toda a gente fora de jogo, de nos excluir a todos.
Mas assim os eleitores também não têm toda a informação de que precisam para fazer a sua escolha em consciência, têm?
Vamos lá ver, há quatro anos o assunto foi arquivado, foi fechado com pareceres públicos da CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional] para não sei quantas instituições, a dizer que nada tinha sido feito de ilegal, ainda que eu não devesse ter assinado o documento que me trouxeram para assinar. Imagine que nessa altura, há quatro anos, não tinha concorrido. Agora continuaria a não poder concorrer, porque o caso ainda não foi julgado. Será que estamos disponíveis para isso, para não cumprirmos o nosso mandato? Coisa diferente seria, primeiro, que eu ocultasse isso à população, que não contasse - e tenho contado sempre em detalhe - o que se passou. E, não é de mais dizer, está provado que a minha família nunca recebeu nem irá receber nenhuma indemnização da Câmara Municipal do Porto. Sabem que a minha família tinha comprado legitimamente um terreno e que esse terreno foi revertido a favor da Câmara Municipal do Porto durante o meu mandato. E sabem que quem tratou deste assunto foi um advogado que não conheço nem conhecia, nomeado pelo Dr. Rui Rio, que me solicitou que lhe passasse uma procuração para ele continuar a tratar do caso. Os diretores municipais do Urbanismo e de Finanças da Câmara Municipal do Porto continuaram a ser os mesmos. E isso as pessoas sabem. É importante que as pessoas tenham consciência disto e nunca ninguém desmentiu. O que lhe digo relativamente ao resto da questão que me coloca é isto: em poucos anos tivemos acusados Duarte Silva, que foi presidente da Câmara da Figueira da Foz, que acabou por ser inocentado de tudo - mas já tinha morrido entretanto, infelizmente, ou o ministro Miguel Macedo, sobre quem recaiu um conjunto de acusações, que esteve anos debaixo de suspeita e estava inocente. Se for só porque nos apontam o dedo, qualquer dia não está ninguém.
Se for só porque nos apontam o dedo, qualquer dia não está ninguém
Qual é a fronteira, para si, entre que pode e deve ou não candidatar-se?
A fronteira é sempre os eleitores terem o direito de saber o que se passa, estar informados sobre as acusações ou as suspeitas que pesam sobre o candidato e aquela que é a posição da pessoa acusada. Da mesma maneira que há oito anos, quando me candidatei, dei nota pública de que era transplantado e tinha um problema oncológico. Entendi que devia fazer isto e fiz, por acaso numa associação de doentes renais. As pessoas também devem ter conhecimento disso, de que sobre nós pesa um conjunto de coisas, umas determinadas por Deus, se quiser, pela natureza ou pelo Homem. Desde que ninguém vá ao engano, acho que é legítimo que assim seja.
Vamos então ao concelho. O Porto é uma cidade vibrante, mas tem muitas fragilidades: mobilidade, custo da habitação, criminalidade, descaraterização. Que cidade é esta?
De que criminalidade está a falar?
Falo sobretudo das ondas sucessivas que têm existido no Campus da Asprela, junto à FEUP e às faculdades do Pólo Universitário, que pelo menos até à pandemia geravam grande preocupação junto dos estudantes. Ou de denúncias de violência sobre mulheres no centro do Porto.
Estamos muito preocupados com a perceção de segurança na cidade, que às vezes é mais importante do que a segurança ou insegurança. E o que é a perceção de segurança? É a confiança que a minha mãe tem para, a partir das nove da noite, sair de casa com o cão, ir passear, não ficar presa em casa. Temos vindo a insistir junto do Ministério da Administração Interna para a necessidade imperiosa de reforçar recursos da polícia. O número de efetivos que a PSP tem hoje na cidade do Porto, foi dito pelo anterior comandante, é o mesmo que tinha no final dos anos 40. No entanto, aumentámos o número de polícias municipais para mais do dobro nestes últimos oito anos. Mais, a Câmara Municipal do Porto, porque a Polícia de Segurança Pública não tinha viaturas, comprou dez automóveis que entregou à PSP. Mais, temos vindo a desenvolver um projeto de videovigilância, depois de fazer um levantamento exaustivo dos pontos críticos, e temos praticamente pronto o centro de controlo para ser operado pela PSP.
Praticamente pronto?
A PSP do Porto quer montar isto, o parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados nem sequer é vinculativo, mas a verdade é que continuamos a esperar sentados para poder fazer videovigilância. A maior perceção de insegurança, para mim, não é esta, é um fenómeno que ocorre à porta das escolas. Temos um Concelho Municipal de Segurança onde tem sido relatado pelos agrupamentos escolares que, de manhã, antes de abrirem as aulas, têm de ter encarregados e pessoal de limpeza da câmara a recolher seringas com sangue. Esta é uma situação que não pode deixar de ser enfrentada.
E quanto à mobilidade?
Sim, o Porto tem questões de mobilidade. Teve sempre. Por uma razão: ao contrário do que acontece em cidades como Lisboa, onde se construíram um conjunto de avenidas e com um desenvolvimento urbano que resulta basicamente do que aconteceu com o terramoto de 1755, se visitar o centro histórico do Porto percebe que algumas ruas são do século XII. A única forma de resolver isto é através do transporte público, e estamos convencidos que depois de muitos anos - não se constrói uma linha de metro há mais de dez anos - as linhas de metro, a STCP, mais carreiras, bicicletas, trotinetas, pessoas a andar a pé se pode resolver isto. O problema de mobilidade resulta muito de uma dor de crescimento. Durante a pandemia tínhamos a cidade sem atividade, as coisas funcionavam.
Se não houver ninguém, se não houver actividade, se a cidade estiver triste, fechada, falida, não há especulação imobiliária de certeza absoluta
A solução, então, é fechar tudo em casa?
Não. Mas é como o turismo. Querem ver como é o Porto sem Turismo? Vejam a pandemia. Querem ver como é o Porto sem problemas de mobilidade? Vejam a pandemia. Se não houver ninguém, se não houver atividade, se a cidade estiver triste, fechada, falida, não há especulação imobiliária de certeza absoluta. Não há trânsito, não há turistas. Só que, no final do dia, a cidade não vai ser mais feliz, nem mais interessante, nem mais resolúvel. O sucesso tem sempre um custo elevado e a cidade do Porto teve muito sucesso nos últimos anos. Agora, temos de estar sempre a tratar as dores de crescimento, não podemos é pôr as mãos na cabeça e cantar "Ó tempo, volta p'ra trás", porque é uma música que não ajuda muito a cidade.
No primeiro mandato investi em habitação social 50 milhões de euros, no segundo, que acaba agora, 100 milhões de euros
Como se encontra o equilíbrio? No confinamento, quem descesse a zona da Ribeira só via sem-abrigo e gaivotas.
Em 2010, a Rua Mouzinho da Silveira, salvo erro, tinha quatro habitantes. Não era possível, a não ser que houvesse uma varinha mágica que permitisse à Câmara Municipal do Porto ou ao Estado comprar todos aqueles prédios arruinados, reconstruí-los e colocá-los em habitação social, voltar a encher a rua de gente. Basta ver as fotografias de 2012, a Rua Mouzinho da Silveira e a Rua das Flores eram ruas destruídas, desertas, muito perigosas. Quando fui para a Associação Comercial do Porto, em 2001, ainda não estava construído o parque de estacionamento em frente. Muitas vezes deixava o meu carro no fundo da Rua Mouzinho da Silveira e tinha de atravessar 200 ou 300 metros. E eu, que não sou propriamente assustadiço, via que à noite era perigoso. Hoje, apesar de tudo, temos gente, temos atividade económica. O que não temos é mais população nessa zona em particular. Temos de ser capazes de ter instrumentos, e temos procurado tê-los, para voltar a trazer para ali população. Há aqui algum preço do sucesso que tem de ser mitigado. E as câmaras, Porto Lisboa, Braga, Cascais, Sintra, todo o lado, quando têm determinado sucesso vivem dos impostos dos munícipes, basicamente do IMI, sendo certo que no centro histórico é zero, do IMT, da Derrama e do IRS. Quando cheguei à câmara, há oito anos, a receita era mais ou menos de 190 milhões de euros. Passado oito anos duplicou. Porque houve esta atividade económica. Como não temos receitas do Estado, redistribuímos no apoio aos mais frágeis, curiosamente na mesma proporção. No primeiro mandato investi em habitação social 50 milhões de euros, no segundo, que acaba agora, 100 milhões de euros. É por causa do crescimento que podemos dizer que para o ano, se eu for eleito, vamos oferecer as refeições escolares a todas as crianças, qualquer que seja o nível social, ou que somos capazes de oferecer a todas as crianças abaixo de 18 anos transporte gratuito na cidade em qualquer meio. Porque se eu tivesse os 190 milhões de euros de 2013, não poderia fazê-lo, porque isso era despesa primária da câmara, onde não podemos mexer.
Políticas de habitação como o programa "Porto com Sentido", para ocupar casas devolutas, não tiveram junto dos proprietários a adesão prevista. Porquê?
Não teve acolhimento. Isto deve levar-nos a questionar porque é que as pessoas estão tão desconfiadas de colocar a sua propriedade em Aluguer de Longa Duração, mesmo quando o inquilino é a câmara, que se propôs pagar uma renda aos proprietários e garantir a devolução das casas ao fim de xis anos. As pessoas não quiseram.
E porque é?
Há duas maneiras de ver o assunto: umas preferiram esperar um ano, ano e meio, até a pandemia se resolver. Estas são as otimistas. Outras, que são as pessimistas, e essas é que me preocupam, não querem alugar as suas casas para habitação permanente em condição alguma; porque a lei está sempre a mudar, porque o Bloco de Esquerda está sempre a propor medidas, porque a fiscalidade está sempre a mudar, porque têm de pagar um valor sobre a renda, porque se os inquilinos não pagarem a renda não se podem pôr fora de casa. Ou seja, porque estes potenciais senhorios sentem que o Estado não lhes dá garantias. E, portanto, o arrendamento transformou-se num produto financeiro que não interessa às famílias, que pediram dinheiro emprestado ao banco para poderem gerir o seu património, que é um bem escasso. Este não é um problema de hoje. O Estado tem vindo a passar para os senhorios o ónus social de não ter políticas de habitação. Não há em Portugal mercado de arrendamento. Por alguma razão. Para mim a razão principal tem a ver com a insegurança legislativa. Não é que a legislação seja má, é que está sempre a mudar. Sempre que chega uma nova secretária de Estado da Habitação, invariavelmente, a primeira coisa que faz é mudar as regras do jogo -meter dinheiro, não mete. Há dez anos que o Estado não mete um tostão na habitação em Portugal.
Há dez anos que o Estado não mete um tostão na habitação em Portugal
E agora, segundo António Costa, a solução para a habitação passa pelo Plano de Recuperação e Resiliência. O PRR não é uma política, é dinheiro. Vai resolver tudo?
Ao contrário de outros que prometem 15 mil ou 20 mil casas, porque estão contar que venham PRR, bazucas, fundos comunitários - não acredito, mas se vier é óptima notícia - o que estamos a fazer no Porto é contar com base zero. Recordo que quando cheguei aqui dizia-se que o atual quadro de apoio ia ter imenso dinheiro para a habitação (falava-se na eficiência energética). Sabe quanto veio? Zero. Os contratos que assinei com o Estado, em novembro do ano passado, foram para 1500 casas de habitação social, das quais já temos cerca de 23 prontas. E ainda não recebemos um tostão. Isso é o que podemos garantir com recursos da câmara - claro que se vier alguma coisa do Estado, e acredito que venha, não tenho razão para desconfiar, se vier 50%, podemos duplicar a capacidade. Mas não me vou comprometer a fazer coisas a confiar, porque há seis anos que o primeiro-ministro fala nas novas políticas de habitação social; já mudou o ministro, já mudou o secretário de Estado, vemos as casas do IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana] a cair aos bocados e, até agora, às câmaras chegou zero. E há aqui uma má notícia: estamos convencidos de que o problema da classe média é novo, mas não e verdade, é mentira. A classe média em Portugal nunca teve, desde o 25 de Abril, dinheiro para garantir habitação nas cidades. A minha geração, quando vim para Portugal no fim dos anos 70, tinha de comprar casa, não havia para arrendar, o que havia era juro bonificado. Portanto, a classe média só conseguiu arranjar casa própria à custa de se endividar. Agora deixou de haver financiamento e deixou de haver habitação pública. Oiço um candidato dizer que o PRR vai chegar para as rendas acessíveis; tenho neste momento 125 projetos para candidatar ao PRR, 400 milhões de euros, e não houve até ao momento nenhum aviso. Percebo, enquanto não chegarem as eleições do dia 26 de setembro (e depois vem o Orçamento do Estado), o senhor ministro e o governo andam a bater castanholas, a fazer anúncios. Depois vão descobrir que, afinal, há ali uns pormenores e não vão ter dinheiro para tudo.
estamos convencidos de que o problema da classe média é novo, mas não e verdade, é mentira. A classe média em Portugal nunca teve, desde o 25 de Abril, dinheiro para garantir habitação nas cidades
E não bate castanholas com outras promessas?
Nunca fiz promessas, ganhei as minhas primeiras eleições a dizer às pessoas "eu não faço promessas", as minhas segundas eleições a dizer "não faço promessas" e vou, espero eu, ganhar as terceiras eleições a dizer "não faço promessas". As pessoas sabem que no fim vamos ter boas contas e aliviar a carga. Mas a habitação não é uma coisa que aflija toda a gente, o que aflige a minha mãe é não querer pagar a água muito cara - e temos a água barata -, é saber que se amanhã quiser ir ao médico pode ir de táxi, não tem de ir de transporte público, é saber que se os netos forem para a escola têm comida de borla e as escolas são boas.
E interessa-lhe sair à rua e não pisar um cocó de cão. O Porto está sujo.
O Porto está mais limpo do que foi, mas acho que tem esse problema. Mas há uma coisa curiosa, tem esse problema principalmente nas zonas chiques. Se for para as zonas pobres, há como que uma organização entre a vizinhança e quem fizer isso é chamado à perna: "Não foste apanhar a caganita do cão?" Porque com os polícias que temos não podemos andar atrás dessas coisas. Ainda hoje de manhã estavam cá fora na câmara pessoas a alimentar as pombas. Vou passear ao pé de minha casa, na zona da Foz, e vejo isso. Há pessoas que saem dos seus apartamentos porque acham que a rua é a casa de banho do cão. E não se lhes pode dizer nada. Nunca se espere do poder político, a não ser em ditadura, que altere o comportamento cívico. Esse trabalho vai ter de ser feito através das escolas. Veja o sucesso que estamos a ter na separação do lixo - no nosso caso estamos acima das metas de 2025 - por causa das crianças.
Mas temos leis para tudo, dos cocós às beatas de cigarro.
Vivemos num país onde quando há algum problema cria-se uma lei. Há uns anos organizei uma conferência no Palácio da Bolsa. E penso que era a Clara Ferreira Alves que dizia que devíamos encontrar uma regra no Parlamento: por cada lei nova, teriam de abolir uma lei antiga. Hoje vivemos cheios de regras e regulamentos que ninguém cumpre.
Como está o processo da Praia do Ourigo, e de reconstrução do apoio de praia?
É muito simples, o processo está na APA [Associação Portuguesa do Ambiente]. Há uma coisa que não vamos fazer, é assumir competências que não são nossas. A Praia do Ourigo é uma concessão que foi estendida pela APDL [Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo] que, do nosso ponto de vista, precisava de duas licenças que foram obtidas, uma do património, outra da APA, que aprovou aquilo. Pelos visto mudou de opinião e quer desaprovar. Tem de mandar demolir e pagar a conta.
A relação da câmara com a APDL é boa? Já no caso da Casa dos Pilotos não houve comunicação.
A questão não é ser boa ou má, é que o modelo de descentralização que não existe. A única coisa que nos entregaram em relação às praias foi a limpeza, de resto é a APDL que manda na zona ribeirinha, nós não mandamos nada. Eles não acham sequer que tenham de nos dizer se licenciam ou se vão demolir uma obra. Não têm obrigação legal de o fazer, portanto, é como se aquela parte não fosse dos portuenses.
A descentralização, a transferência de competências do governo central para os municípios, funciona?
Para já ainda não aceitámos nenhuma, a não ser as obrigatórias, caso da APDL. Mas se vai funcionar? Não, claro que não. Dou-lhe um número que resolve tudo: os serviços da Segurança Social vão passar para nós, ou seja, basicamente a gestão dos RSI na cidade do Porto. A verba a ser transferida já está fixada, 1,8 milhões de euros por ano. Depois o Estado determina o número de técnicos que são precisos em função do número de pedidos que existem. Pedimos a uma universidade para fazer o cálculo de quanto é que vai custar à câmara do Porto: 9 milhões de euros por ano. Ou seja, só nesta matéria vamos ter um défice de 7,2 milhões de euros. Mas, veja, acha que eu posso determinar o valor do RSI, o critério do RSI, quantos são, se vão ter mais ou menos dinheiro, se vão receber com um desconto sobre a habitação social, ficando a renda logo paga? Não. Portanto, isto não é descentralização nenhuma.
Iremos acolher afegãos, como acolhemos muitos sírios, como temos uma população grande do Bangladesh e de africanos, como tivemos no passado tivemos ucranianos
A última pergunta tem a ver com o início da conversa e os refugiados, neste caso afegãos. O Porto irá receber refugiados?
O que o Porto disse é que estaria na disposição de colaborar com as autoridades competentes, nomeadamente o Alto Comissariado para as Migrações, para acolher as pessoas que fosse preciso. Hoje, exatamente antes de vir para esta entrevista [sexta-feira], recebi na Câmara Municipal do Porto uma carta da Associação Nacional de Municípios a perguntar se estamos disponíveis e se podem entrar em contacto connosco. Que é uma coisa um pouco estranha, mas que no caso da Associação Nacional de Municípios não me admira. Estamos disponíveis, e quando nos disserem o que pretendem de nós, diremos o que podemos fazer, evidentemente. Iremos acolher afegãos, como acolhemos muitos sírios, como temos uma população grande do Bangladesh e de africanos, como tivemos no passado tivemos ucranianos.
Muitos só querem vir de passagem, não para ficar.
Pois, isso é que devíamos pensar porquê. Esperemos que fiquem cá e que os que ficarem que se sintam portugueses daqui a algum tempo.
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