Num mundo com recursos limitados, podemos dar-nos ao luxo de não ser sustentáveis? "O planeta dará a sua resposta", diz João Wengorovius Meneses, secretário-geral do Business Council for Sustainable Development (BCSD).
O BCSD é uma associação sem fins lucrativos que representa mais de 130 empresas de referência em Portugal que se comprometem ativamente com a transição para a sustentabilidade. João Wengorovius Meneses foi um dos oradores convidados para um debate sobre sustentabilidade e turismo, promovido pelo NEST – Centro de Inovação do Turismo, que decorreu na segunda-feira no auditório Mar da Palha, no Oceanário de Lisboa, sob o mote “What’s Next – Innovating Tourism”, e cujo objetivo foi pensar um dos setores estratégicos da economia portuguesa pela voz e experiência de líderes de outras áreas.
"Se todo o gelo do mundo derretesse, o mar iria subir em muitas zonas mais de 60 metros, que é uma altura superior à do Padrão dos Descobrimentos de Lisboa. Portanto, estamos a falar de consequências que colocam em causa a vida na terra", salienta. A imagem ajuda a explicar o consenso que existe na comunidade científica no que toca às consequências das alterações climáticas, isto é, se não conseguirmos limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC.
"Nós temos conseguido limitar a temperatura aos 1,5ºC face à era pré-moderna, que é a meta do Acordo de Paris — sendo que já aumentaram 1,1ºC e há zonas do planeta, nomeadamente no mediterrâneo, onde já chegou a 1,2ºC. Nós já vemos o degelo a níveis galopantes e temos de nos adaptar a um mundo metade do ano em seca, metade em cheias", nota o secretário-geral da BCSD, que faz uma viagem ao passado para nos explicar como chegámos até aqui.
"Nós temos estabilidade de temperaturas há dez mil anos. Só devido a essa estabilidade é que conseguimos que houvesse uma revolução agrícola e depois uma revolução industrial e que conseguimos chegar onde estamos hoje. Nunca a humanidade viveu com tanto bem-estar como agora".
Recordemo-nos que "há vida na terra há 550 milhões de anos e nós somos o acidente do último segundo, e um acidente que foi conseguido graças à estabilidade de temperaturas. Se pusermos isso em causa, pomos em causa este milagre, no sentido da conjugação de fatores que nos deu a possibilidade de termos a vida que temos hoje".
E as primeiras vítimas de um planeta moribundo "são a economia e o emprego". "Mais de metade do PIB mundial assenta diretamente em natureza. Quando esses recursos acabarem, é mais de metade do PIB global que fica em causa. Essa é a primeira vítima, antes mesmo do nosso bem-estar e do bem-estar das gerações futuras, que virá por arrasto", sinaliza.
E Portugal não é excepção. "Nós consumimos recursos naturais a um ritmo galopante. No ano passado, o overshoot day, que é o dia a partir do qual o consumo de recursos não é sustentável, foi a 13 de maio. Se o mundo inteiro vivesse como em Portugal, seriam precisos mais de dois planetas para ser sustentável. O overshoot day global é anterior a 31 de dezembro desde 1970. Isto significa que estamos há 52 anos a viver crédito das gerações futuras, delapidando recursos que não se vão renovar e que, quando acabarem, acabam para sempre. E ainda não encontrámos outro sítio no espaço de onde possam vir".
Apesar de ser possível em alguns setores, por via da eficiência, da tecnologia e da ciência, "variar positivamente o PIB, o crescimento económico, sem variar positivamente as emissões ou consumo de recursos naturais", a verdade é que "temos de rever os nossos padrões de vida e os nossos sistemas económicos".
E reverter significa em primeiro lugar reduzir: "reduzir pegada, o consumo de recursos e emissões".
"Culturalmente temos de fazer essa transição e o regulador tem de incentivar a transição para novos formatos — e penalizar comportamentos que sejam menos bons", defende João Wengorovius Meneses.
Talvez por isso haja "cada vez mais empresas que percebem que a sustentabilidade não é uma opção, é uma necessidade não apenas regulamentar, mas perante as outras partes interessadas, como por exemplo os consumidores, os colaboradores, os investidores".
"Cada vez mais os colaboradores querem fazer do consumo um ato de cidadania, ter um impacto positivo no mundo através das opções de consumo que fazem. E se calhar esta é a revolução que está mais à mão, e bem. Por outro lado, os investidores querem poder dizer ao consumidor final dos seus veículos de investimento que, sim, aquele instrumento de investimento, para além de ter um retorno económico, tem um retorno positivo para as pessoas e para o planeta. O mesmo se aplica aos trabalhadores, que querem estar em empresas com propósito e, através do seu trabalho, ter o tal impacto positivo nas outras pessoas e no mundo".
No que concerne o turismo, isto significa repensar toda a experiência, começando por "nos habituar à ideia de que viajar é um luxo".
"Há duas coisas que temos de fazer: andar menos de avião e comer menos carne. Para ser assim, a experiência de turismo vai ter de mudar e vai ter de ser mais intensa, mais rica, mais assente em experiências únicas e narrativas próprias, que traduzam a identidade dos contextos locais. Mais único e mais raro, porque não há como manter a lógica de turismo frequente massificado. É absolutamente insustentável".
Há ainda desafios específicos e imediatos. "O turismo em Portugal tem, neste momento, uma estratégia mais sustentável, que aponta na direção certa. Mas há aspectos de política pública em que o turismo tem de dar um apoio e ter a imparcialidade de pôr os seus próprios interesses em causa. Por exemplo, nós precisamos mesmo de alargar o mercado de carbono e as taxas de carbono a mais indústrias. Temos de pôr a aviação e os cruzeiros a pagar a pegada que têm e incorporar isso no preço. Espero que o turismo em Portugal tenha a coragem e fazer campanha a favor de que haja este princípio básico de poluidor-pagador ou de emissor-pagador, que me parece de elementar justiça".
A par, "o turismo deve incorporar a remuneração de serviços de ecossistemas — e isso vai refletir-se no consumidor final, mas a lógica não é aumentar dormidas, é aumentar receitas e diminuir frequência. Vejamos o absurdo que é o consumo de água por parte dos campos de golfe, isso tem de estar refletido no preço", exemplifica.
As comunidades também não podem ficar esquecidas na matemática da sustentabilidade. "Esta é a nova lógica de empresa do século XXI: não é ser a melhor do mundo e estar apenas focada no lucro e no cliente final, mas ser a melhor para o mundo e com isso criar valor para a multiplicidade de stakeholers. É isso que dará às empresas competitividade, resiliência e licença para operar. E isso significa integrar as comunidades locais. A harmonia local é fundamental para o próprio turismo poder ser de qualidade: uma experiência rica, recompensadora, e não uma coisa fria, mecânica, impessoal. Porque o turismo é para ser o oposto disso. É como o amor, é para ser uma experiência única".
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