O Ministério Público (MP) pediu hoje a condenação e a consequente perda de mandato de Rui Moreira no processo Selminho, considerando que o autarca do Porto beneficiou a imobiliária da família, da qual era sócio, em detrimento do município.
Rui Moreira está a ser julgado no Tribunal de São João Novo, no Porto, no processo Selminho, acusado de prevaricação, por favorecer a imobiliária da família (Selminho), da qual era sócio, em detrimento do município, no litígio judicial que opunha a autarquia à imobiliária, que pretendia construir um edifício de apartamentos num terreno na Calçada da Arrábida.
Nas alegações finais, o procurador do MP Luís Carvalho sustentou que, desde 2005, houve uma “via-sacra da Selminho” para que fosse atribuída capacidade edificativa ao terreno em causa, sublinhando que, até à tomada de posse de Rui Moreira (2013) como presidente da câmara do Porto, essa pretensão da imobiliária nunca foi “satisfeita” por parte do município.
O procurador do MP pediu a condenação de Rui Moreira, pelo crime de prevaricação, a uma pena suspensa na sua execução, por igual período, e à pena acessória da perda de mandato.
“Durante oito anos, enfatizo, durante oito anos, houve sempre decisões de não atendimento às pretensões da Selminho”, salientou o procurador.
Para o magistrado do MP, a Selminho “conseguiu em 11 meses” – após a tomada de posse de Rui Moreira - o que não tinha conseguido durante oito anos, quer em sede de urbanismo, através da eventual alteração ou da revisão do Plano Diretor Municipal, quer nas ações judiciais que interpôs contra a autarquia.
Segundo o MP, “os factos relacionados entre si” permitem concluir que a intervenção de Rui Moreira permitiu um “acordo totalmente favorável às pretensões da Selminho”, acrescentando que o autarca “foi o responsável e quem beneficiou” do desfecho do litígio entre a imobiliária da sua família, da qual era sócio, e o município a que preside.
Em 28 de novembro de 2013, poucas semanas após tomar posse, Rui Moreira passa uma procuração ao advogado Pedro Neves de Sousa para representar o município - numa ação interposta pela Selminho junto do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto -, por indicação do seu então chefe de gabinete, o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, com a justificação de que, só assim, estariam salvaguardados os interesses do município.
Tendo em conta, nomeadamente, o facto de Rui Moreira ser sócio da imobiliária da família e de conhecer que a mesma reclamava há anos junto da câmara do Porto a capacidade construtiva do terreno, o procurador deixou uma questão: “[o arguido] Vai perguntar ao senhor Azeredo Lopes se pode assinar a procuração? Devia era tentar perceber como é que não podia intervir [no processo]”, declarou o procurador do MP, defendendo que o autarca se devia ter declarado impedido de intervir no processo logo que lhe chegou o pedido para que passasse a procuração ao advogado Pedro Neves de Sousa.
Na primeira sessão de julgamento, que arrancou em 16 de novembro, o autarca – que marcou presença em todas as sessões - assumiu ter sido “incauto” ao assinar uma procuração com poderes especiais ao advogado Pedro Neves de Sousa.
A procuração permitiu ao advogado, em nome do município, chegar a acordo com a Selminho, assinado em 24 de julho de 2014, que previa o reconhecimento da edificabilidade do terreno em causa, por alteração do Plano Diretor Municipal (PDM), ou, se isso não fosse possível, indemnizar a imobiliária num valor a ser definido, mas em tribunal arbitral, caso houvesse lugar ao eventual pagamento de indemnização.
Na ação que apresentou junto do TAF do Porto a Selminho reclamava do município uma indemnização de quase 1,5 milhões de euros.
Defesa acusa MP de fazer “ataque indescritível à honra” de Rui Moreira
A defesa de Rui Moreira acusou, no entanto, o Ministério Público de fazer “um ataque indescritível à honra” do presidente da câmara do Porto, considerando que, em julgamento, ficou provado que o autarca “não teve qualquer intervenção” no processo Selminho.
“Não fiquei surpreendido, embora me choque o que acabamos de ouvir. Infelizmente, já não espero que os procuradores tenham comportamentos condicentes com as suas funções que lhes competia desempenhar, ignorassem o que se passou em julgamento, e denegrir e ofender a honra das pessoas”, declarou Tiago Rodrigues Bastos, nas suas alegações.
“Peço a vossas excelências que absolvam o arguido e digam que não é verdade o que vem na acusação e que não é verdade que beneficiou a Selminho em detrimento do município”, afirmou o advogado.
Tiago Rodrigues Bastos classificou as alegações do procurador do MP de “ataque indescritível à honra de uma pessoa que dedicou o seu tempo, o seu saber e a sua energia em prol do interesse público e em prol dos seus concidadãos”.
“[Isto é uma] Violência sem paralelo. O que nos é dito é que Rui Moreira, que se candidatou contra os partidos, por um movimento independente de cidadãos, num espaço de oito meses esteve a cuidar dos interesses da sua família. Isto é uma ideia intolerável e inaceitável. Se isto não é um ataque indescritível à honra de uma pessoa, não sei o que é”, frisou o advogado.
Tiago Rodrigues Bastos lembrou que o MP requereu a inquirição de 17 testemunhas, sublinhado “que nenhuma delas referiu que tivesse, direta ou indiretamente, [recebido] qualquer instrução” do presidente da câmara do Porto no processo Selminho.
“Porque é que estas pessoas mentem?”, questionou o advogado, aludindo aos depoimentos, nomeadamente do advogado Pedro Neves de Sousa, da ex-chefe do departamento jurídico da câmara Raquel Maia ou de Guilhermina Rego, antiga vice-presidente de Rui Moreira.
A defesa de Rui Moreira criticou o procurador do MP por recorrer e valorar a prova indireta e ignorar a prova direta, ao desvalorizar os depoimentos das testemunhas.
Segundo o advogado, a única intervenção de Rui Moreira no processo Selminho “limitou-se à outorga” de uma procuração com poderes especiais ao advogado Pedro Neves de Sousa “porque lhe foi solicitada”, salientando que esse é um “ato inócuo” e sem relevância para o processo em julgamento.
A procuração permitiu ao advogado, em nome do município, chegar a acordo com a Selminho, assinado em 24 de julho de 2014, que previa o reconhecimento da edificabilidade do terreno em causa, por alteração do Plano Diretor Municipal (PDM), ou, se isso não fosse possível, indemnizar a imobiliária num valor a ser definido, mas em tribunal arbitral, caso houvesse lugar ao eventual pagamento de indemnização.
Tiago Rodrigues Bastos considerou que este acordo não permitiu qualquer vantagem ou benefício à Selminho, em prejuízo da câmara do Porto, defendendo que “não há nenhuma ilegalidade no acordo” firmado entre as partes.
Leitura do acórdão marcada para 21 de janeiro
O coletivo de juízes marcou hoje para 21 de janeiro a leitura do acórdão do processo Selminho. A juíza presidente, Ângela Reguengo, anunciou a leitura do acórdão para as 14:30 de 21 de janeiro de 2022, após as alegações finais.
(Artigo atualizado às 13:28)
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