Segundo o acórdão, a que a agência Lusa teve hoje acesso, o juiz desembargador justificou o pedido de escusa por ter exercido funções de subdiretor-geral dos Serviços Prisionais, entre 2000 e 2002, quando Cabrita era secretário de Estado da Justiça.
O juiz do Tribunal da Relação de Évora referiu que, no exercício dessas funções, “por diversas vezes, despachou diretamente com o então secretário de Estado da Justiça, existindo, assim, uma relação hierárquica”.
Na sua decisão, o STJ defendeu que deve “ser concedida a escusa pedida por um juiz por temer fundadamente que sobre si recaia a suspeição de falta de imparcialidade para evitar que sobre a sua decisão recaia qualquer dúvida”.
“Ainda que decorridos mais de 20 anos, mostra-se suficientemente evidenciado que qualquer intervenção do juiz peticionante em processo em que pontue o visado sujeito processual seja suscetível de criar dúvidas sérias sobre a posição de inteira equidistância do juiz”, realçou o STJ.
Nesse sentido, pode ler-se no acórdão, é concedida a escusa pedida pelo juiz desembargador Carlos de Campos Lobo de intervir neste processo de recurso, que lhe tinha sido distribuído, por “existir fundamento para tal”.
O recurso, inicialmente distribuído a Campos Lobo, foi interposto no Tribunal da Relação de Évora pela Associação dos Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), na sequência do despacho de rejeição de requerimento de abertura de instrução (RAI) que pretendia que fosse pronunciado o arguido Eduardo Cabrita, antigo ministro da Administração Interna (MAI).
No contraditório dirigido à juíza conselheira relatora do STJ, a que a Lusa também teve acesso, a defesa da ACA-M pediu que fosse “dado provimento ao pedido” de escusa, assinalando que as funções que Campos Lobo exerceu “pressupõem relações de confiança pessoal e política” com Eduardo Cabrita.
“A justiça não só deve ser séria, deve também parecê-lo”, argumentou o advogado Paulo Graça.
A decisão do STJ, datada de quinta-feira, teve como relatora a juíza conselheira Leonor Furtado e os juízes conselheiros adjuntos Agostinho Torres e António João Latas.
A Relação de Évora deu provimento parcial a um outro recurso, apresentado pela família do trabalhador atropelado, admitindo que o ex-ministro e seu então chefe de segurança respondam em fase de instrução por homicídio por negligência e condução perigosa.
A família tinha recorrido após a juíza de instrução criminal Sílvia Patronilho rejeitar, a 24 de junho do ano passado, a admissibilidade legal dos RAI apresentados por Sofia Azinhaga dos Santos, filha do trabalhador que morreu atropelado, aos arguidos Eduardo Cabrita e Nuno Dias.
A 18 de junho de 2021, Nuno Santos, funcionário de uma empresa que realizava trabalhos de manutenção na A6, foi atropelado mortalmente pelo automóvel onde seguia o então ministro, no concelho de Évora.
No despacho final de acusação do processo, o MP arquivou-o em relação ao ex-ministro e ao seu chefe de segurança e manteve a acusação de homicídio por negligência por parte do motorista do então governante, Marco Pontes, cuja fase de instrução está a decorrer.
A instrução é uma fase facultativa do processo de recolha de prova que pode ser requerida pelos arguidos para contestar a acusação, sendo dirigida por um juiz, ao contrário da fase de inquérito, que é dirigida pelo Ministério Público (MP).
Será o juiz de instrução criminal a avaliar se os indícios que recaem sobre o ex-governante e o seu antigo chefe de segurança são suficientemente fortes para levar ou não os dois arguidos a julgamento.
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