A decisão poderá ter repercussões de longo alcance para o Poder Executivo, mas também para os múltiplos problemas jurídicos de Trump, candidato às eleições presidenciais de novembro.

"Estamos a escrever uma norma para a posteridade", disse o juiz Neil Gorsuch, um dos três magistrados conservadores nomeados pelo ex-presidente republicano.

Ao aceitar o trâmite do caso, o Supremo Tribunal adia o início de um julgamento no qual Trump é acusado de conspirar para alterar os resultados das eleições de 2020, vencidas pelo democrata Joe Biden.

O procurador especial Jack Smith apresentou em agosto o caso contra Trump, de 77 anos, e pressionou para que o julgamento começasse em março. Mas os advogados de Trump apresentaram diversas moções para adiá-lo, incluindo uma em que argumentam que um ex-presidente goza de "imunidade absoluta".

A maioria dos juízes do Supremo Tribunal, que deve emitir a sua decisão até final de junho, não parece inclinada em apoiar a afirmação da equipa de Trump.

Mas pelo menos quatro dos nove juízes do tribunal parecem estar em desacordo com uma decisão de um tribunal inferior, que estipulou que um ex-presidente não goza de "imunidade absoluta" num processo penal depois de deixar o cargo.

O presidente do Supremo Tribunal, o conservador John Roberts, assim o disse a Michael Dreeben, que representou o procurador especial Smith.

"Segundo li, diz simplesmente: 'um ex-presidente pode ser processado porque está a ser processado'", afirmou Roberts. "Porque é que não deveríamos devolver (o caso) ao tribunal de recurso ou emitir um parecer que esclareça que esta não é a lei?".

Remeter o caso novamente ao tribunal inferior para uma revisão adicional quase certamente atrasaria o julgamento por conspiração eleitoral do republicano Trump até depois das eleições de novembro, nas quais voltará a enfrentar o democrata Joe Biden.

O juiz Samuel Alito, outro conservador, argumentou que se a imunidade for negada, nada impede no futuro que um presidente indulte a si próprio de "qualquer coisa que possivelmente tenha sido acusado de ter cometido".

O juiz Clarence Thomas, também conservador, perguntou a Dreeben porque é que não houve nenhum procedimento prévio contra um ex-presidente. A razão "é que não houve delitos", respondeu ele.

Dreeben acrescentou que dar "imunidade absoluta" aos ex-presidentes "dar-lhes-ia imunidade" de responsabilidade penal por "suborno, traição, sedição, assassinato" e, no caso de Trump, "por conspirar para usar fraude para anular os resultados de uma eleição e perpetuar-se no poder".

John Sauer, advogado de Trump, disse ao tribunal que "sem imunidade presidencial contra processos criminais não pode haver presidência tal como a conhecemos".

"Qualquer presidente atual enfrentará chantagem e extorsão de facto dos seus rivais políticos enquanto estiver no cargo", estimou Sauer.

As três juízas progressistas do Supremo Tribunal — Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson — e, até certo ponto, a conservadora Amy Coney Barrett, rejeitaram a imunidade presidencial geral.

"Não haveria um risco significativo de que os futuros presidentes se sentissem encorajados a cometer delitos desenfreadamente?", questionou Jackson.

Kagan perguntou se um presidente que "vende segredos nucleares a um adversário estrangeiro" deveria ser imune a ser processado."O que lhe parece se um presidente ordenar aos militares fazer um golpe de Estado?"

Sauer respondeu que esta hipóteses "soam muito mal", mas "se é uma ação oficial, é preciso que haja um julgamento político e uma condenação" do Congresso antes de um presidente poder ser processado.

Trump queixou-se aos jornalistas em Nova Iorque antes de entrar num tribunal que o julga por falsificação de registos comerciais para ocultar um pagamento a Stormy Daniels, uma atriz pornográfica, com o objetivo de comprar o seu silêncio por um suposto caso extraconjugal antes das eleições de 2016.

O ex-presidente disse que o juiz que preside este caso não lhe permitiu comparecer à audiência no Supremo Tribunal. "Eu adoraria estar lá, deveria estar, mas este juiz não permitiu", lamentou o candidato presidencial republicano. Sem imunidade, "uma pessoa torna-se num presidente cerimonial", acrescentou.

Além do caso em Nova Iorque, Trump também enfrenta acusações pelas eleições de 2020 no estado da Geórgia e foi acusado na Flórida pela suposta gestão imprópria de documentos sigilosos após deixar a Casa Branca.