“Isto tem estado mau. Tem morrido muita gente. O nosso lar levou ali uma cresta [sova]. Foram 37 pessoas”, conta Edmundo Carvalho Boleto, de 88 anos, um dos poucos moradores que se vê nas ruas, quando a agência Lusa visitou a povoação.
A caminho da “Caixa” para tratar de um assunto, o idoso, com máscara colocada, passa junto ao jardim da vila, fechado e deserto e cujos bancos possuem fitas, alguns com cartazes a informar “utilização proibida”.
São poucas as pessoas que circulam na rua e só se observa mais movimento junto de mercearias e da farmácia, mas a pacatez da vila, com cerca de dois mil habitantes, no concelho de Viana do Alentejo (Évora), altera-se junto ao lar, com o corrupio de funcionários entre os vários edifícios.
Quem nunca pensou que o “bicho”, como muitos chamam à covid-19 no Alentejo, chegasse à vila foi Fifi Ilhéu, assume à Lusa, junto do lar da Santa Casa da Misericórdia de Alcáçovas, onde “perdeu” uma tia, uma das utentes que morreu devido ao surto do novo coronavírus na instituição.
“Foi tão de repente e tanta gente ao mesmo tempo. Não estávamos à espera e pensávamos que estávamos protegidos”, uma vez que “nada acontece aqui”, realça. O pior quando agora morre um familiar “é a despedida”, sem velório, e a falta dos abraços no funeral.
No lar, desde que foi detetado o surto, em meados de dezembro de 2020, que infetou 98 utentes e 40 funcionários, morreram 34 residentes com covid-19, assim como mais três idosos já recuperados da doença, mas devido a outras patologias.
O provedor da Santa Casa, João Penetra, admite à Lusa que o surto tem impacto na vila, porque utentes, funcionários e população “são pessoas que se conhecem”, mas “toca” também localidades próximas, de onde são oriundos alguns dos residentes.
“Na vila, obviamente, afeta, porque é normalmente um assunto de conversa e de interesse”, refere, recordando que a instituição viveu períodos “muito cansativos” e chegou a registar “cinco mortos num dia”.
Também o presidente da Junta de Freguesia de Alcáçovas, Manuel Calado, partilha a mesma opinião e diz que todos se conhecem e, quando morre alguém, “mexe sempre”. E as pessoas da vila olham para essa morte como se fosse “quase um familiar”.
“Nasci em Alcáçovas, conheço as pessoas todas” e estas mortes “mexem com ‘a gente todos'”, porque é diferente quando vimos “os números de 300 óbitos” e quando “são os nossos” que morrem, argumenta, sentenciando: “De perto, vive-se isso com mais intensidade”.
Maria Chora foi uma das primeiras funcionárias infetada e conta que teve de enfrentar “um vírus muito forte”, com sintomas como “febre e dores no corpo”, e que lhe “atingiu um rim”, mas já regressou ao trabalho.
Durante os “51 dias” que cumpriu quarentena, recorda a funcionária, que interrompe por breves instantes as suas tarefas para falar à Lusa, ficou a saber que a sua tia, ela própria utente do lar onde trabalha, tinha ficado infetada com o SARS-CoV-2 e que, mais tarde, tinha morrido.
Com o surto “à solta” no lar, o vírus espalhou-se também pela comunidade e o morador Edmundo recorda a morte por covid-19 de um amigo, “um rapazote” com 77 ou 78 anos, que tinha “problemas de coração”. Mas o facto, sublinha, é que fora do lar não se registaram tantos óbitos.
Já António Maurício, depois de meter no carro as compras feitas num supermercado, garante à Lusa que as pessoas da vila “já respeitam mais” o vírus e “agora já anda tudo com medo”.
“O lar foi uma desgraça. Aguentou-se ali muito tempo sem nada. Nos arredores, havia em todos os lares, menos aqui. Depois, entrou ali dentro, pronto, foi um fogo visto. Agora, estacionou um ‘bocadito’, pouco”, observa.
Com mais falecimentos, “só a parte do cemitério encheu todos os dias de trabalho” da junta de freguesia, diz o autarca local, indicando que, desde o início da primeira quinzena de janeiro, ocorreram “37 ou 38 óbitos, o que é exagerado”.
“Chegámos a ter dias de fazer dois e três funerais” e “a junta de freguesia não estava devidamente preparada” e teve de “recorrer a uma empresa”, porque o quadro de pessoal “não é exagerado” e, além disso, dois funcionários estiveram em isolamento, relata.
[Sérgio Major (texto) e Nuno Veiga (fotos), da agência Lusa]
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