“Estou muito arrependido do que fiz e nunca atirei para matar ninguém”, declarou António Tavares, de 21 anos, no final da primeira sessão do julgamento que hoje decorreu no Tribunal de Faro, durante a qual ficaram concluídas as audições a todas as pessoas arroladas como testemunhas.
O crime remonta à madrugada de 23 de agosto de 2019, quando Lucas Leote, de 19 anos, que pertencia ao ‘staff’ da discoteca Lick, no Algarve, foi atingido mortalmente com um tiro na cabeça, tendo o suspeito do disparo fugido do local.
Segundo a acusação, a que a Lusa teve acesso, o crime ocorreu “na sequência de uma discussão ocorrida momentos antes com seguranças do estabelecimento”, tendo o arguido agido para “se vingar”, com o rosto “encoberto por um capacete”.
Em tribunal, um dos investigadores da Polícia Judiciária (PJ) que recolheu vestígios no local relatou que foram feitos dois disparos “em ato contínuo” de uma distância em linha reta de cerca de sete metros de uma das entradas da discoteca, reservada a convidados e onde se encontravam Lucas Leote e dois seguranças.
Depois de visualizar as imagens de videovigilância captadas na madrugada do crime e questionado sobre a alegada habilidade de António Tavares no manuseamento da arma, a testemunha notou que o arguido apresentava “uma capacidade de domínio da arma”.
Segundo o tribunal, quando efetuou os disparos, o arguido assumia uma postura corporal em que as pernas se encontravam ligeiramente arqueadas, posição que, segundo o inspetor da PJ, “permite fazer um tiro com maior eficácia”.
Depois de confrontando com as imagens e questionado se achava que o arguido tinha experiência com armas ou estaria a pegar numa arma pela primeira vez, a testemunha disse presumir que se tratava “de uma pessoa com experiência, pela forma como assumiu aquela postura”.
Um dos disparos teve um desvio na trajetória, acabando por embater na quina de uma espécie de biombo em alumínio colocado junto àquela porta da discoteca, mas o outro não sofreu nenhum desvio e perfurou o alumínio, atingindo Lucas Leote.
Questionado ainda sobre a alegada intenção em atingir alguém, o inspetor respondeu considerar que houve essa intenção por parte do atirador, sublinhando que os seguranças eram visíveis do local dos disparos.
Segundo a acusação, o Ministério Público acredita que o arguido fez “pontaria para a zona da cabeça dos indivíduos que se encontravam no local, por aí se alojarem órgãos essenciais à vida, bem sabendo que as balas disparadas iriam penetrar nessa região e que tal conduta era suscetível” de lhes provocar a morte.
A arma de fogo de calibre nove milímetros da qual terão sido feitos os disparos nunca foi recuperada, assim como a bala que atingiu mortalmente a vítima.
António Tavares esteve fugido durante cerca de um ano até ser detido nos arredores de Paris e entregue às autoridades portuguesas em agosto do ano passado.
Em declarações aos jornalistas à saída do tribunal, o advogado de defesa afirmou que deveria ser aplicado ao arguido o regime de jovens delinquentes, dada a idade que tinha na altura do crime, em que ainda não conseguia “entender o valor da ação”.
“Uma pessoa com 20 anos não tem essa noção”, afirmou Pedro Benamor Marvão, defendendo que seja aplicada ao arguido “uma pena não privativa da liberdade”, por exemplo, num estabelecimento correcional, e não numa prisão.
Segundo o advogado, António Tavares não conhecia a vítima e “não teve intenção” de a matar, pois quando disparou “foi só para assustar”, não havendo “intensidade de dolo”, mas sim “uma atitude de represália face à provocação” dos seguranças.
O arguido está acusado de um crime de homicídio qualificado, dois crimes de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de detenção de arma proibida e um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal.
A leitura do acórdão está marcada para o dia 26 de março às 15:00 no Tribunal de Faro.
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