Fernando Medina diz que é um autarca feliz e que não tem mais ambições políticas nos próximos anos que não continuar "a servir Lisboa e os lisboetas". Para isso depende dos resultados das eleições autárquicas que se realizam a 1 de outubro e nas quais vai, pela primeira, a votos como número um da lista do partido socialista à câmara da capital do país.
Num momento em que se discute intensamente o mediatismo de Lisboa e as estratégias de gestão da cidade - com enfoque para os temas da habitação, transportes públicos e turismo - Fernando Medina confessa-se um adepto do Metro, que diz usar regularmente, mesmo que seja na Carris que deposita mais esperanças de mudança no que respeita à mobilidade na cidade e que garante não pretender privatizar ou concessionar enquanto a decisão lhe pertencer. "Enquanto eu tiver essa responsabilidade como presidente da Câmara tenho essa vontade e esse compromisso que ela se mantenha como empresa de domínio municipal e de gestão municipal", assegura. Até porque não acredita que os transportes públicos possam ser geridos com lógicas de empresas privadas.
Já no que respeita à habitação, a perspetiva é outra. Aqui os privados são para o candidato à presidência da Câmara de Lisboa uma das chaves no sucesso do programa de rendas acessíveis dirigido à classe média com o qual conta disponibilizar 7000 novas casas, já que se apenas dependesse dos recursos públicos "nunca se conseguiria a tempo colocar as casas no mercado".
Ao longo da entrevista, refere-se várias vezes aos eleitores de Lisboa como "vizinhos" e garante que todos os dias conversa com eles, ouve as suas críticas e os seus elogios. É também esse o discurso com que suporta o seu slogan de campanha - "Lisboa precisa de todos" - contornando a pergunta se essa é ou não também uma proposta de geringonça à escala da capital.
A cidade de Lisboa voltou a ser um assunto na ordem do dia para os lisboetas. Isso é bom ou mau para si enquanto presidente da Câmara e candidato pelo PS?
É muito bom que haja interesse, participação e debate sobre a cidade e o seu futuro. Isso é muito bom sinal.
Como vive a cidade quando não está no exercício das suas funções? Passeia por estas obras que fez, anda de metro, de táxi, de Uber, o que é que faz no seu dia-a-dia?
Sendo presidente da Câmara de Lisboa está-se sempre em exercício de funções, a todas as horas e a todos os minutos, somos confrontados pelos nossos concidadãos, pelos nossos vizinhos como gostamos de dizer, que nos põem todo o tipo de problemas e questões, uns sobre algo que foi feito, outros querem discutir o seu problema. Portanto hoje é virtualmente impossível sair à rua sem que dialogue com muita gente que me vem colocar questões e é um enorme gosto esta função.
Gosto muito [de andar de Metro], é bastante eficaz.
Uma das críticas que lhe é feita é que a cidade como está a ser pensada tem pouco a ver com a vida de quem tem de ir ao supermercado, levar os filhos à escola, andar de transportes públicos. Essa vida de cidadão normal de Lisboa, que provavelmente não tem de fazer pelo caráter das suas funções, não será a distância que vai da Lisboa que muitos lisboetas reclamam que não têm para a Lisboa que está a projetar enquanto presidente de Câmara?
Primeiro quero dar-lhe um esclarecimento: eu, na minha vida como presidente de Câmara, uso transporte público, ando de metro, ando de táxi, ainda hoje andei de táxi ...
Estaciona?
Também, também, embora menos, utilizo mais o Metro em particular, tenho essa facilidade.
E gosta de andar de Metro?
Gosto muito, é bastante eficaz.
Não tem tempos de espera?
Há tempos de espera, e já falaremos mais sobre o Metro, sobre o que aconteceu e o que há para fazer. Mas gostava de ir à questão central. A grande transformação que fizemos em Lisboa, que estamos a fazer, de devolução do espaço público às pessoas é precisamente para permitir uma vida diferente das pessoas na cidade. E se há prova maior que esta é uma aposta que vai no sentido certo é simplesmente ver como é que o espaço público é aproveitado hoje pelas pessoas quase instantaneamente depois de nós fazermos uma obra. Eu acabei de vir ali do Saldanha, e no Saldanha há hoje uma esplanada cheia de gente que há dois meses não existia. Vemos bancos com pessoas sentadas, ciclovias com bicicletas a passar, pessoas que vão usufruir de uma zona verde e contactar com a natureza para descansar, numa zona que estava maltratada, degradada, que tinha carros por todo o lado. Esta devolução do espaço público e a forma como as pessoas hoje vivem a cidade de forma diferente é uma grande conquista deste mandato.
Isto é uma obra feita para as pessoas, para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, também para lidar com os grandes desafios que o futuro coloca à cidade como a questão das alterações climáticas. Não sei se têm a noção que só neste eixo central, nesta obra que é talvez a mais visível e mais polémica que tivemos neste mandato, foram plantadas mais de 750 árvores do que aquilo que existia. Isto significa menos poluição, uma zona mais fresca, menos calor no verão, maior capacidade de resistirmos a fenómenos externos, mais saúde para a vida das pessoas.
Esta devolução do espaço público e a forma como as pessoas hoje vivem a cidade de forma diferente é uma grande conquista deste mandato.
Mas esta aposta em ciclovias, partilha de carros, bicicletas ecológicas é numa cidade para os lisboetas viverem e trabalharem ou para inglês ver?
Claro que é para as pessoas viverem e trabalharem, aliás como tem acontecido nas grandes cidades europeias, estamos todos a fazer o mesmo percurso.
Cidades que têm uma morfologia diferente de Lisboa ...
Umas sim, outras nem tanto. Não sei se sabe que cerca de 70% da população residente e de trabalho na cidade de Lisboa coloca-se precisamente nesta zona do planalto da cidade, nestas freguesias a norte e nestas freguesias centrais onde a utilização da bicicleta é perfeitamente possível e vantajosa. E há um outro ponto: a utilização da bicicleta é benéfica para todos, mesmo para aqueles que utilizam o automóvel, porque se houver alguém que pelas razões do seu estilo de vida não pode usar a bicicleta e tem de usar o carro, também vai beneficiar de haver mais ciclovias e pessoas a andar de bicicleta, porque serão menos pessoas a usar o automóvel. E a melhor prova é vermos o que está a acontecer nas ciclovias: mal aumentamos a infraestrutura, mal damos segurança às pessoas para andar de bicicleta, mais pessoas utilizam a bicicleta como meio de circulação. Vai ser este o meio dominante na cidade, vai ser esta a escolha da maioria? Não, não será, mas vai aumentar muito e com isso vai ajudar-nos a reduzir o número de carros, vai facilitar a mobilidade. Mas nesta área a aposta central é, sem dúvida, a dos transportes públicos que aí sim estamos muito abaixo de outras cidades europeias, abaixo daquilo que cidades europeias já resolveram há muitos anos e é um trabalho que está a ser iniciado agora com a passagem da Carris para a Câmara de Lisboa.
O que é que resultou dos alargamentos das grandes autoestradas de entrada na cidade de Lisboa? Só piorou. Teríamos ganho mais se há 20 ou 30 anos se tivesse investido fortemente no que era o transporte público pesado
E não deveria ter começado por aí? Pelos transportes públicos e depois sim apostar na mudança de hábitos de mobilidade?
Não há razão para não ser feito em simultâneo. Porque a situação que temos de padrão geral de mobilidade na área metropolitana e na cidade é totalmente insustentável. E quem quiser desvalorizar a dimensão do problema e achar que isto vai lá com remendos, está a falhar na minha opinião a leitura do problema. Todos os dias estão a entrar na cidade de Lisboa cerca de 360 mil automóveis. Se os alinhássemos todos de uma ponta à outra, era uma fila que iria de Lisboa até Paris. Todos os dias. E com uma particularidade adicional: sempre que a economia melhora, sempre que há mais emprego, como é o caso da circunstância atual, aumentam as dificuldades do trânsito porque entram mais pessoas de carro. Ora para lidarmos com isto não é simplesmente fazermos mais avenidas e avenidas mais largas, porque senão parávamos onde? O que é que resultou dos alargamentos das grandes autoestradas de entrada na cidade de Lisboa? Resultou alguma solução para a mobilidade na cidade de Lisboa? Só piorou. Teríamos ganho mais se há 20 ou 30 anos se tivesse investido fortemente no que era o transporte público pesado, comboios, metro, metro ligeiros, no fundo o sistema de transporte de massas que as grandes cidades têm, do que estarmos a investir em vias e autoestradas para meter carros numa cidade que depois não tem capacidade para os gerir.
Já têm alguns dados que mostrem que efetivamente há uma adesão? Quantas pessoas a mais é que hoje usam bicicleta em Lisboa face ao que existia há dois ou três anos?
Ainda não temos esses dados, porque ainda estamos a meio caminho daquilo que definimos para o aumento de infraestrutura da rede ciclável. Tínhamos uma rede de ciclovias que basicamente só ligava zonas verdes, era, no fundo, uma rede de lazer, não era uma verdadeira rede de mobilidade. Uma rede de mobilidade é aquilo que nos vai permitir ir de um ponto da cidade onde uma pessoa pode residir, imaginemos que é no Lumiar ou em Telheiras ou em Benfica para o Saldanha. Queremos uma rede de mobilidade que permita a alguém ir em segurança, em conforto do sítio onde reside para o sítio onde trabalha ou onde estuda. Só com esta rede construída é que vamos poder ver verdadeiramente o potencial da mudança.
Os países do norte não têm uma tendência cultural maior à bicicleta. Eles até sorriem quando nós lhes dizemos que no sul se acha que eles têm uma propensão cultural. E eles dizem: "mas na minha cidade no inverno estão 15 graus negativos, acham que isso é convidativo para andar de bicicleta?"
Mas têm um número na cabeça? Quantas pessoas é que em Lisboa poderiam nessas circunstâncias vir a usar a bicicleta?
Vamos ver quando tivermos a nossa rede mais desenvolvida. Estamos a construi-la e a expandi-la, como é visível na Fontes Pereira de Melo, na avenida da República, na zona do Campo Grande, vamos terminar as ligações à zona norte. Temos um programa muito ambicioso de alargamento da rede ciclável como verdadeira rede de mobilidade e quando estiver concluída vamos poder apresentar resultados e não tenho dúvida nenhuma que os números de pessoas que utilizam a bicicleta como meio de mobilidade vai aumentar de forma muito significativa. Porque Lisboa não é aqui diferente das outras cidades. Os países do norte não têm uma tendência cultural maior à bicicleta. Eles, aliás, até sorriem quando nós lhes dizemos que no sul se acha que eles têm uma propensão cultural. E eles dizem: "mas na minha cidade no inverno estão 15 graus negativos, acham que isso é convidativo para andar de bicicleta?". A questão é que tiveram o mesmo desafio de uma mobilidade sustentável há muito tempo. E resolveram-no. Em primeiro lugar com transporte público, vamos ser claros, e depois também com as bicicletas e as ciclovias.
Algumas pessoas têm questionado até que ponto é seguro ter canteiros no meio da estrada e algumas ruas agora estreitadas para ter mais espaço de clicovia e de passeio. Num caso de emergência, de um incêndio, de uma catástrofe natural que pode acontecer em qualquer cidade, isso foi estudado?
Sim naturalmente. Todas essas soluções são avaliadas e com a participação das equipas da proteção civil.
Estou a lembrar-me do Chiado, onde existiam barreiras aquando do incêndio ...
Mas foram colocadas barreiras físicas nesse caso que não é o que acontece atualmente na cidade de Lisboa, essas barreiras não existem desse ponto de vista.
Portanto é um risco que não existe, é uma solução acautelada?
É acautelada, é estudada, é avaliada e às vezes são até introduzidas correções em desenhos que originalmente não seriam tão adequados. São introduzidas para que sejam adequadas à circulação dos bombeiros, das ambulâncias e de todos as necessidades no âmbito da proteção civil. E outras também que se colocam que às vezes são menos visíveis, como os camiões da recolha de lixo, por exemplo.
Ainda no âmbito da prevenção, e atendendo a que têm existido vários atentados na Europa em ruas de grande circulação, o que está a ser feito em Lisboa?
Nessa dimensão do terrorismo, a grande arma que os Estados hoje têm para se proteger está ao nível dos serviços de informação a nível europeu e global que permitem ir seguindo os movimentos no território e fora do território. O que nós temos como acção, sempre muito em articulação com PSP que é quem tem aqui o papel determinante, foi aumentar a nossa resposta do ponto de vista do que são chamadas medidas passivas de segurança, isto é a criação de mais obstáculos, de mais barreiras na via pública, que no fundo dificultem nas zonas de maior circulação de pessoas pela cidade.
São visíveis essas barreiras?
Tentamos que sejam o menos agressivas possíveis na paisagem, mas são visíveis. Têm que permitir o acesso de ambulâncias, de camiões de combate a incêndio, etc.
Mas se impedem um camião de avançar sobre a população, também impedem um acesso de salvamento ...
Por isso é que tivemos de utilizar soluções técnicas rebatíveis, amovíveis, para que só os bombeiros ou as forças de socorro tenham acesso a esses mecanismos. Isto é o contributo que a cidade pode dar para a melhoria do sentimento de segurança, agora repito: não são uma resposta. Porque a principal arma que os Estados têm está ao nível dos sistemas de informação e de segurança para prevenir situações que possam ocorrer.
É uma proposta [de Assunção Cristas para alargar o Metro em 20 estações] que não tem credibilidade para mais quando o Governo anterior expressamente vedou o financiamento por fundos comunitários à expansão da rede de Metro
Falando de transportes públicos. A Carris tem sido a sua grande aposta, o Metro nem tanto. Uma das suas adversárias nesta eleição, Assunção Cristas do CDS, apontou como medida 20 novas estações de metro como solução precisamente para a mobilidade. Que comentário lhe sugere?
Essa é uma proposta que se descredibiliza a si própria. Porque o Metro parou a sua extensão na cidade de Lisboa, há mais de 10 anos que não é aberta uma estação, e por isso propor 20 ou 30 ou 40 é me relativamente igual. É uma proposta que não tem credibilidade para mais quando o Governo anterior expressamente vedou o financiamento por fundos comunitários à expansão da rede de Metro. Convém sobre os transportes públicos dizer o seguinte: a Câmara não tem nenhuma responsabilidade na gestão do Metro há cerca de 40 anos. Quando o Metro foi nacionalizado a seguir ao 25 de abril, porque até aí era responsabilidade da Câmara de Lisboa, toda essa responsabilidade passou para o Estado central. E o que aconteceu é que o Estado central ao longo dos últimos anos, os anos da vigência do Governo anterior, impôs ao Metro uma degradação violenta do seu nível de serviço e da sua qualidade. A perda de trabalhadores do Metro e o desinvestimento na manutenção do Metro foi enorme. E na Carris semelhante. Para termos uma noção do que aconteceu, em cerca de quatro anos os transportes públicos que servem a cidade de Lisboa, Metro, Carris e Transtejo, perderam cerca de 100 milhões de passageiros. 100 milhões de passageiros em quatro anos. Isto é uma degradação enorme que o sistema todo sofreu. E que estamos a tentar é fazer o nosso caminho na nossa parte. Sermos muito exigentes com o Estado na melhoria da qualidade do Metro, para o reinvestimento na manutenção do Metro, mas a Câmara não tem responsabilidades diretas na sua gestão nem vai ter nos próximos anos, se depender da minha vontade, porque devemos estar concentrados na melhoria da Carris e é isso que temos estado a fazer.
O que é que já foi feito?
Tomámos decisões importantes, em primeiro lugar do ponto de vista dos tarifários. Fizemos uma diminuição significativa para quem tem mais de 65 anos (de 27 euros para 14,5 euros). Por causa desta medida, desde que a Carris passou para gestão camarária, já temos mais 300 mil viagens que são feitas por pessoas com 65 anos ou mais. E tomámos também uma segunda medida de gratuitidade até aos 12 anos (era só até aos quatro anos). Isto é um apoio grande do ponto de vista financeiro às famílias para que possam ver a sua fatura de transportes reduzida se utilizarem o transporte público. Mas estamos também muito apostados na melhoria da quantidade e da qualidade do serviço que prestamos. Porque hoje, é verdade, muitos se queixam e com razão dos autocarros não serem suficientes, não chegarem a horas, não terem a qualidade, há muita razão nessas queixas. Mas isso decorre de durante muitos anos ter havido desinvestimento na Carris. O que nós decidimos foi inverter esta lógica, apostar no transporte público. Por isso decidimos que a Câmara vai desde já financiar a Carris, dar mais recursos financeiros, 15 milhões de euros para poder investir na compra de novos autocarros.
[Temos de ser] muito exigentes com o Estado na melhoria da qualidade do Metro, mas a Câmara não tem responsabilidades diretas na sua gestão nem vai ter nos próximos anos, se depender da minha vontade, porque devemos estar concentrados na melhoria da Carris
De onde vem esse financiamento?
Vem do orçamento da Câmara, é uma prioridade que a Câmara assume. Decidimos que em vez de gastar noutras coisas, usamos este recurso para termos melhor transporte público, mais autocarros, contratamos mais motoristas, e já estamos a abrir novas linhas que é algo que já não acontecia há mais de 15 anos. Já abrimos cinco novas linhas de bairro que estão a servir várias freguesias e bairros na mobilidade de proximidade que liga o mercado à escola, à farmácia, ao centro de saúde, ao hospital, no fundo um serviço de bairro com regularidade para satisfazer muitas das necessidades das pessoas no quotidiano. Sabe, quando fomos abrir a primeira linha de bairro, disseram-nos os responsáveis da Carris que já não abriam uma linha nova, completamente nova, que não fosse de substituição há mais de 15 anos. Isso mostra-nos bem qual é a mudança que temos de empreender nos transportes públicos que têm vindo sempre a degradar e agora estamos a entrar num novo ciclo e essa é decididamente uma das grandes apostas que tenho para o próximo mandato.
Não está no meu plano nem concessionar nem privatizar a Carris
Recebeu a Carris limpa de dívidas, o que torna por isso uma empresa interessante e o presidente da República vetou a proposta que impedia a Câmara de futuramente concessionar a gestão da Carris. Enquanto presidente da Câmara, se for reeleito, no seu plano não está em momento algum fazer uma concessão a privados decorrente de ter uma empresa que lhe chegou às mãos enxuta de dívida?
Não, não está no meu plano nem concessionar nem privatizar a Carris. Enquanto eu tiver essa responsabilidade como presidente da Câmara tenho essa vontade e esse compromisso que ela se mantenha como empresa de domínio municipal e de gestão municipal.
Mas seria uma empresa apetecível?
Não, não é apetecível. Fui daqueles que mais combateu o plano do governo anterior de concessão da Carris, porque essa era uma má ideia para a cidade. Porque a concessão da Carris basicamente o que faria era cristalizar por muitos anos o mau serviço que temos hoje. Porque a Carris durante muitos anos veio a perder, a deixar zonas de transporte público, reduzir carreiras, reduzir frequências, tudo em torno de melhorar as contas.
Não acredita no modelo de concessão, é isso? Porque também há bons concessionários ...
Não acredito no modelo de concessão no estado em que a Carris está. Nós temos que investir muito mais na Carris, muito mais no serviço público e não acredito aliás em nenhuma vantagem teórica do privado sobre o público. Os transportes públicos são, aliás, bem a mostra. Se for falar com colegas meus, presidentes de câmara, aqui à volta do município de Lisboa, todos ou quase todos eles têm operações privadas. Pergunte-lhes se estão contentes ou não com os transportes que têm. E vai ouvir uma resposta unânime: é que não estão.
Um transporte público, em qualquer capital da Europa, necessita de financiamento adicional às receitas. Não dá lucro.
Mas porque é que acha que isso acontece?
Porque esses transportes ou as empresas geridas dessa forma o que procuram é ter lucros ou ter as suas contas o melhor possível. Um transporte público, em qualquer capital da Europa, necessita de financiamento adicional às receitas. Não dá lucro. Dá um resultado negativo que precisa de ser coberto com outras fontes de receita. Por exemplo, em Londres. Todos andamos de Metro e gostamos do Metro de Londres, sentimos confiança, tal como nos autocarros. Se tiver uma reunião, a uma hora marcada no outro lado da cidade sabe com razoável confiança que pode ir de metro ou de autocarro que vai chegar a horas. Para ter aquele sistema, Londres tem de ter financiamento do Estado, pelo Estado central, pelo próprio município e pelas outras receitas que não a bilhética. O que aconteceu com o Governo anterior com a Carris e com o Metro foi dizer o seguinte: não temos de dar mais financiamento nenhum, as receitas têm de cobrir os custos, obviamente que este modelo o que faz é com que só haja operação nas linhas que são rentáveis, que haja uma concentração de operação nas linhas que são rentáveis. Transportar pessoas, por exemplo, do Campo Grande para o Rossio até pode ser uma operação rentável, mas não é isso que faz um sistema de transporte público. Um sistema de transporte público tem de cobrir as necessidades da cidade e as necessidades da área metropolitana.
Mas deixe-me voltar à sua pergunta sobre o veto presidencial e sobre a situação da Carris. O que se faz com a operação da Carris pela Câmara de Lisboa, ao contrário do que muitos dizem, é que pela primeira vez a cidade de Lisboa assume um encargo que estava anualmente a ser assumido por todos os portugueses.
Sem a dívida que lhe estava associada ...
Já lá irei. É que, repare, a dívida resultou de défices operacionais que não foram cobertos por transferências do Estado. E foram pagos por quem? Pelo país todo. Todo o país durante anos andou a pagar essas verbas que gerou essa dívida. No acordo que fizemos com o Estado o que dissemos foi que todos os défices operacionais que a Carris venha a ter desde o momento em que assumimos a empresa são responsabilidade da Câmara de Lisboa. Pela primeira vez em 40 anos, Lisboa libertou todas as cidades e todos os contribuintes não residentes em Lisboa de pagarem a Carris. Essa é que a verdade sobre a operação da Carris, é que a partir do momento em que passa para a Câmara todos os défices operacionais gerados pela Carris, todas as indemnizações compensatórias, todas as necessidades de investimento que a Câmara entenda ou não fazer são uma responsabilidade da Câmara de Lisboa, deixaram de ser uma responsabilidade do Estado, deixaram de ser uma responsabilidade financeira de todos os contribuintes.
Pela primeira vez em 40 anos, Lisboa libertou todas as cidades e todos os contribuintes não residentes em Lisboa de pagarem a Carris.
E está tranquilo com a forma de financiar essa operação?
Estou muito tranquilo com a forma de financiar. Agora, havia uma questão sobre a dívida gerada no passado, mas essa dívida foi gerada pelo Estado, enquanto entidade que foi responsável pela gestão da empresa durante 40 anos. É evidente que nesse caso teria de assumir e é essa a razão. A decisão que o senhor presidente tomou é uma decisão que, de forma alguma, põe em causa a municipalização da Carris. A empresa é da Câmara Municipal de Lisboa, a CML continuará a ser a sua proprietária e a sua gestora e tem obviamente a sua responsabilidade sobre o futuro ...
E a sua liberdade também, se decidir privatizar.
E a sua liberdade. Eu aliás fui favorável à decisão do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e tornei-a pública, porque valorizo a autonomia do poder local. Percebia-se mal que houvesse uma desconfiança unicamente aliás referente ao município de Lisboa, ao contrário do que acontece em todos os outros municípios que têm a sua autonomia para gerir os seus sistemas de transportes. Trata-se de uma questão de princípio, de dignidade até das autarquias face ao Estado central. Agora a minha opção enquanto presidente da Câmara, neste projeto político, é manter a empresa no domínio público, municipal, sem concessão, sem privatização e investindo fortemente na melhoria da sua qualidade e esse é um grande objetivo para os próximos quatro anos.
Falemos agora de habitação. O que sobra da cidade além do eixo do turismo, centrado entre Belém e o Chiado, e o eixo das cidade de startups que se quer sediar no Beato?
Temos feito uma política de intervenção em todas as freguesias da cidade com vários instrumentos. O programa de requalificação da praça em cada bairro tem chegado a todas as zonas da cidade. Temos mais de quinze praças que estão concluídas ou em conclusão espalhadas pela cidade, desde Alcântara, Largo do Calvário, praça do Fonte Nova, uma nova praça na Alameda das Linhas de Torres. Há investimentos em toda a cidade com a mesma filosofia de devolução de espaço público.
O que nós precisamos é de casas que tenham rendas entre os 200 e os 400, 500 euros por mês, é disto que a cidade precisa
Lisboa está na moda também no imobiliário, compra-se mais, os preços aumentam e tem se falado muito da população residente estar a ser empurrada para fora da cidade. Rendas médias 800 euros, salários médios de 800 euros, como é que se consegue viver em Lisboa?
Essa área é de grande prioridade para nós, por isso é que já lançámos neste mandato um programa que é inovador à escala nacional e que há muitas décadas o país não tinha que é um programa de promoção de habitação pública para as classes médias. Não estou a falar de habitação social. Habitação social fez-se muito no nosso país e resolveram-se muitos problemas. Estou a falar da classe média, pessoas que recebem o salário em torno dos 750 / 800 euros até aos 1200 euros num agregado. Ora o que nós precisamos é de casas que tenham rendas entre os 200 e os 400, 500 euros por mês, é disto que a cidade precisa. E a única resposta que podemos dar para não ficar nas mãos do que são as evoluções cíclicas do mercado é promover habitação de iniciativa pública para permitir ter essas rendas. Por isso estamos a executar um programa que já tem dois concursos abertos que nos vai levar à construção ou reabilitação de 7000 casas para a classe média.
Como é que funciona o programa?
O programa resulta em primeiro lugar de mobilizarmos património da Câmara, que podem ser casas para reabilitar como é o caso da rua de São Lázaro, entre o Martim Moniz e a Almirante Reis. O programa que estamos a fazer é um concurso em que damos aquelas casas para serem reabilitadas por um investidor privado que depois fica obrigado a aplicar aquelas rendas que nós definimos e numa pequena parte dessa operação pode fazer rendas de mercado ou as que entender.
É uma espécie de EPUL?
É diferente porque tem o apoio dos investidores privados. Porque se dependêssemos só da nossa iniciativa, o nosso ritmo estava muito mais limitado, era muito mais lento. Neste programa que temos de construção de sete mil casas estamos a falar de um investimento total superior a 600 milhões de euros. Só de investimento em terreno e património da Câmara estamos a falar de mais de 300 milhões. Para podermos ter o financiamento dos 600 milhões de euros, se dependêssemos só do orçamento municipal ou dos recursos públicos nesta altura em que ainda há dificuldades do ponto de vista financeiro, nunca conseguiríamos a tempo colocar as casas no mercado. E este é um programa que é estratégico para o futuro da cidade, que nos vai permitir ter este número de casas neste mandato, mas, se formos bem sucedidos, continuarmos e aumentarmos. Porque este problema da habitação acessível tem hoje Lisboa mas têm outras cidades na Europa. Se forem ver Londres, o mayor está a lançar um programa de habitação acessível, Paris tem programas de habitação acessível. Por exemplo, em Amesterdão ou Berlim, uma parte importante da habitação das classes médias é habitação que resulta de iniciativa pública-municipal. É isso que nos falta, que começámos a fazer neste mandato e que queremos continuar. Agora há também aqui uma necessidade de curto prazo porque o mercado está a empurrar e a colocar dificuldades de acesso a casa já hoje para muita gente. Por isso é que propusemos ao Governo que já de imediato seja feita uma alteração fiscal para diminuir significativamente os impostos para quem coloque rendas para contratos de média e longa duração na cidade de Lisboa, contratos com cerca de 10 anos, que possam ter uma taxa de imposto de cerca de 10% como forma de aumentar o número de casas disponíveis. Quanto mais casas estiverem disponíveis para arrendar, mais os preços poderão se tornar compatíveis.
Propusemos ao Governo que já de imediato seja feita uma alteração fiscal para diminuir significativamente os impostos para quem coloque rendas para contratos de média e longa duração na cidade de Lisboa
Há pouco afirmou sobre os transportes públicos que sendo uma prioridade municipal faz sentido que a Câmara assuma a gestão uma vez que uma empresa privada privilegia os lucros. No caso das rendas, parece que a premissa é inversa, já que a solução passa por investidores privados que também visarão o lucro. Como é que se garante esse equilíbrio neste caso?
Sobre o modelo da renda acessível que estamos a seguir, vou fazer uma confissão, que não é bem uma confissão porque já o disse, é um modelo que já provou no passado na cidade de Lisboa. Este modelo da Câmara entrar com os terrenos e com o seu património e de haver outro financiamento para a construção e a gestão já foi seguido há umas décadas pelo engenheiro Duarte Pacheco quando foi presidente da Câmara Municipal de Lisboa. É um modelo de a cidade conhece. No nosso modelo, é óbvio que o investidor privado terá a sua rentabilidade, isso aliás está definido contratualmente. Como é que nós conseguimos diminuir o preço das rendas? Conseguimos em primeiro lugar porque a Câmara avança com os terrenos ou com as casas. Não é alguém que tem de comprar um terreno e depois de investir em fazer uma casa e depois vai vender. Isto trata-se de património municipal. Outra parte está naquilo que permitimos que o promotor coloque a rendas de mercado ou até que possa vender na sua parte. Mas estão contratualmente definidas as rendas que vão ser cobradas e por isso o promotor tem a sua rentabilidade, o seu lucro e nós temos as rendas a serem praticadas de acordo com aquilo que está definido. E mais importante: esse património que é construído a renda acessível é sempre propriedade do município e por isso Lisboa ficará depois deste concurso com casas que pode colocar no mercado com rendas entre os 200 e os 400 euros em média, entre T0, T1 e T4 com a carga máxima ser cerca de um terço do rendimento do agregado que é aquilo que as pessoas podem pagar sem ficarem asfixiadas com os custos de habitação.
A nossa casa não é um produto qualquer. A nossa casa é o sítio onde nós organizamos a nossa vida e hoje muitas pessoas na cidade vivem na dúvida e na ansiedade sobre quanto tempo vão manter a casa, quanto vão pagar, se podem continuar ali
As rendas têm período estimado de quanto tempo?
O contrato de arrendamento será de média e longa duração, será sempre superior a 10 anos. Obviamente tem que haver flexibilidade, as pessoas também querem mudar de casa, vão mudando de tipologias, evolui a sua vida, mas queremos que seja uma política de estabilidade para as famílias e para aqueles que procuram casa. Porque a situação que nós hoje estamos a viver na cidade resulta do mercado, de investimento, do turismo, mas também resulta de uma muito perniciosa alteração da lei do arrendamento que veio precarizar por completo as relações de arrendamento. A nossa casa não é um produto qualquer. A nossa casa é o sítio onde nós organizamos a nossa vida e hoje muitas pessoas na cidade vivem na dúvida e na ansiedade sobre quanto tempo vão manter a casa, quanto vão pagar, se podem continuar ali, para onde vão se não for assim, em que escolas vão por os filhos. Nós precisamos de normalizar por completo o mercado, ter mais contratos de longa duração no arrendamento para habitação, a lei do arrendamento tem de ser corrigida nesse ponto de vista, porque as alterações que foram introduzidas no tempo do Governo anterior precarizaram por completo as relações de arrendamento e são hoje responsáveis por muita da insegurança que as pessoas sentem.
Disse que a CML fez uma proposta de benefício fiscal aos senhorios que arrendem em determinadas condições em Lisboa. Os seus adversários, nomeadamente Teresa leal Coelho que diz que os lisboetas estão a pagar, pelas contas dela, mais 28,5% em impostos e taxas que estão a ser cobrados em Lisboa. Esse favorecimento fiscal aos senhorios não deveria ser democratizado aos lisboetas?
Não sei onde encontraram esses dados ...
Não sei onde eles foram encontrar esses dados, porque não resistem a qualquer confirmação que podem fazer. Lisboa tem a carga fiscal mais baixa de toda a área metropolitana.
Estou a citar neste caso a sua adversária nas eleições.
Eu não sei onde eles foram encontrar esses dados, porque não resistem a qualquer confirmação que podem fazer. Lisboa tem a carga fiscal mais baixa de toda a área metropolitana. Tem o IMI mínimo que a lei permite aplicar. Aliás, tratou-se de certeza de um engano quando houve uma proposta do IMI a zero, a lei coloca-nos IMI de 0,3 até 0,5 do valor patrimonial, a Câmara de Lisboa há vários anos aplica 0,3. Em segundo lugar, somos o município da área metropolitana que mais devolve a taxa de IRS. Se repararem na folha de liquidação do IRS, há uma alínea que diz sempre coeficiente municipal e nós devolvemos anualmente metade do IRS que a Câmara de Lisboa tinha direito. Só no último mandato aquilo que a Câmara de Lisboa deixou de arrecadar em receitas de impostos face àquilo que a lei lhe permite foi superior a 300 milhões de euros. Foram mais 300 milhões de euros que ficaram nos bolsos dos contribuintes, dos munícipes, precisamente porque temos esta política fiscal que é a mais favorável de toda a área metropolitana e das mais favoráveis de todo o país.
Acho que estamos mesmo num bom momento para avaliarmos bem, em consciência, a importância de termos serviços de bombeiros eficazes, profissionais, bem financiados, com recursos.
E em relação às taxas cobradas?
Nós temos das taxas mais baixas também da área metropolitana referentes aos serviços nucleares que são aquelas áreas em que todos os municípios são obrigados a ter taxas por lei: saneamento, água e resíduos/recolha de lixo. Se forem comparar com outros municípios até liderados pelo PSD na área metropolitana, facilmente constatarão que são mais altas lá. Temos duas taxas que não existem noutros municípios. Uma é a taxa turística, e tão atacado fui quando decidi avançar com essa taxa que hoje acho que se prova que é uma boa decisão, não pôs nada em causa a competitividade do turismo e deu-nos mais recursos para investir na cultura. A segunda taxa que existe em Lisboa e que não existe na generalidade dos municípios é a taxa de proteção civil. Acho que estamos mesmo num bom momento para avaliarmos bem, em consciência, a importância de termos serviços de bombeiros eficazes, profissionais, bem financiados, com recursos. A tragédia que estamos a viver no país mostra-nos bem a importância de não pouparmos em termos um bom serviço de proteção civil, a taxa de proteção civil está criada para isso mesmo. É mesmo dinheiro bem empregue, foi uma boa decisão que tomámos. E o facto de ser uma taxa tem uma grande vantagem. É que as finanças da Câmara podem estar melhores ou pode haver momentos que tenham mais dificuldades, mas esta decisão fez com que as receitas e o financiamento de um sistema tão importante para a segurança e para a vida das pessoas deixasse de ficar dependente dos ciclos melhores ou piores. Há uns anos a Câmara esteve falida e nesse momento o sistema de proteção civil sofreu imenso. Com uma taxa de proteção civil, o financiamento aos bombeiros está assegurado e está protegido e isso é algo que não quero abdicar.
Está tranquilo em relação ao sistema de proteção civil que existe?
Deixa-me com um sentido que estamos a fazer aquilo que devemos numa área essencial que é proteger a cidade. Hoje temos mais bombeiros do que aqueles que tínhamos. Utilizámos a margem que tínhamos de contratação de pessoas para compensar o que tinha sido a diminuição do número de efetivos imposta pela lei anterior. Fizemos a admissão de 50 novos bombeiros e em outubro entrarão mais 100 novos bombeiros para o regimento de sapadores de bombeiros. Vamos recuperar alguma da capacidade operacional que se perdeu pela aplicação daquelas leis draconianas que nos obrigaram ao decréscimo dessa operação. E temos bombeiros melhor equipados, com melhores veículos, com equipamentos de proteção contra incêndio, com um conjunto de equipamentos que os tornam mais habilitados a poderem defender melhor a cidade. E a prova melhor disto mesmo é falar com os próprios bombeiros e dirigir-lhes esta pergunta. A avaliação que eles hoje têm é muito positiva do que tem sido o reforço de investimento que temos feito no regimento.
Tenho uma grande ambição no que respeita ao próximo mandato que é assumirmos as competências no que respeita às escolas do segundo e do terceiro ciclo e também relativamente às escolas secundárias, isto é, a Câmara ser responsável pela reparação e pela construção dessas escolas
É defensor da escola pública. O programa Escola Nova está atrasado face às metas iniciais?
Sou um grande defensor não só da escola pública como do programa. É um programa muito ambicioso de requalificação do parque escolar, tem sido prosseguido e que vamos continuar. A verdade é que esse programa foi ampliado ao longo dos anos. Esse programa hoje não é o original, tem mais escolas, tem mais intervenções. E tenho uma grande ambição no que respeita ao próximo mandato que é assumirmos as competências no que respeita às escolas do segundo e do terceiro ciclo e também relativamente às escolas secundárias, isto é a Câmara ser responsável pela reparação e pela construção dessas escolas. Se repararem bem, as zonas onde se colocam hoje mais problemas no edificado das escolas é precisamente naquelas que estão na mão do Estado e não naquelas que estão na mão da Câmara.
A função fundamental de um presidente da Câmara é perceber esta diversidade e ser capaz de integrar da forma mais harmoniosa possível.
Explique lá este slogan: Lisboa precisa de todos. Quem são todos? Todos é o Livre, é a Helena Roseta, é o Sá Fernandes ou todos é, caso seja eleito, fazerem uma espécie de geringonça no executivo municipal?
Antes de qualquer questão com partidos, este é um slogan particularmente feliz sobre a forma como vemos uma cidade. A cidade é feita de múltiplas diversidades. São as pessoas que residem aqui, são as que trabalham aqui, são as que estudam aqui, são as que vieram de fora, são os que regressam. A cidade é feita mais do que desses antagonismos de uns contra os outros, é feita desta conjugação e desta tentativa de harmonia das várias realidades diferentes. Hoje está muito na moda discutirmos a questão do turismo e é feita muita oposição entre o residente e o visitante. Antes de ser oposição, o residente precisa do visitante e o visitante precisa do residente, porque são os turistas que também permitem o emprego a muitos dos que aqui residem e muita atividade económica e rendimento que não existiria na cidade se o turismo não existisse. Claro que há tensões, que há problemas criados pelo crescimento do turismo, mas há necessidade de nos vermos como um todo, como um coletivo, e a função fundamental de um presidente da Câmara é perceber esta diversidade e ser capaz de integrar da forma mais harmoniosa possível.
É a tal questão dos conflitos que o seu antecessor António Costa falava. Gerir uma câmara é gerir conflitos?
É, é. É gerir as tensões do quotidiano, interesses divergentes, visões divergentes e tentar geri-las de forma harmoniosa para o bem comum.
Assunção Cristas disse você é o inimigo público número um de quem tem de andar na cidade de Lisboa e desafiou-o para um debate televisivo. Em que moldes é que vê a discussão autárquica na campanha eleitoral?
Nós tomamos a iniciativa de propor um encontro com todas as campanhas e as várias televisões para combinarmos o modelo dos debates. E tivemos oportunidade de propor vários frente-a-frente e entre os vários candidatos, onde estaria incluído esse que ela tanto deseja, e depois um com todos os candidatos. A opinião dos vários partidos e também das televisões é que o mais vantajoso era não haver frente-a-frente, só debates com todos nos moldes que as televisões definissem. Foi esse o modelo definido, nós demos o nosso acordo, não era a nossa proposta original, e por isso iremos ter quatro debates com todos os candidatos em todas as televisões na cidade de Lisboa.
Em entrevista ao SAPO24, Teresa Leal Coelho insistiu no tema das fronteiras que considera pouco claras entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Associação de Turismo de Lisboa, ambas entidades presididas por si. A ATL é ou não uma muleta da Câmara e há ou não opacidade entre estas duas instituições?
Não farei uma campanha de casos, nem uma campanha de insinuações como essas que são colocadas. A ATL é uma associação de direito privado no qual a Câmara participa com um estatuto particular que existe há muitos anos. Comemorou 25 anos e teve aliás presidências quando foi governada pelo PSD e sempre estiveram na ATL e mantiveram a ATL - e bem, porque é bom polo de agregação da autarquia com o turismo, a restauração, a hotelaria, as viagens. É um grande ponto de concertação e muito daquilo que hoje estamos a beneficiar de crescimento do setor do turismo na cidade deve-se precisamente a uma estratégia continuada pela Associação de Turismo de Lisboa. Por isso não acompanho de forma alguma qualquer crítica nessa matéria.
E do ponto de vista financeiro? Há uma separação clara entre a CML e a ATL?,
Completa, totalmente. Aliás como as contas da Câmara são públicas, são auditadas, são certificadas pelas entidades oficiais, relativamente à Associação de Turismo da mesma forma, são públicas, e seguem sempre o mesmo padrão ao longo de muitos e muitos anos.
Sobre a legalização do Uber e apoios ao setor dos táxis. Qual é a sua posição?
Relativamente à questão da Uber era vantajoso encontrarmos um quadro regulamentar para integrar dentro da legalidade do país todas essas novas plataformas. É uma matéria que não depende da Câmara, depende da Assembleia da República, foi feita uma proposta pelo governo que não foi bem sucedida e a minha opinião é que devia ser feito um esforço no sentido de encontrar uma solução e há várias possíveis para que esse setor fosse colocado dentro da lei.
Alojamento local: há uma proposta do PS em relação à qual manifestamente está contra, agora há um grupo de trabalho que pretende taxar os condóminos. Que comentários sobre este grupo de trabalho?
Não gostava de me pronunciar sobre uma área parcelar até porque toda essa área vai envolver um conjunto mais largo de respostas. Posso dizer o seguinte: temos de ter em atenção a qualidade de vida daqueles que residem nos prédios, em particular naqueles que têm alojamento local só numa ou duas frações, que não ocupam a totalidade do prédio. Sou muito sensível a esse argumento da mesma maneira que fui contra um poder de veto dos condomínios, porque iria acabar com esse dito alojamento local ou poderia diminuir muito e iria aumentar a conflitualidade. Mas acho que temos de encontrar formas de garantir a qualidade de vida de todos aqueles que residem em prédios com alojamento local e essas questões colocam-se em relação à questão do lixo, do ruído e relativamente também às infraestruturas comuns. Essa proposta em relação aos condomínios é uma proposta que vejo de forma favorável, aliás já tive oportunidade de a defender ao longo dos últimos dois anos. Parece-me razoável dado que quem é proprietário do alojamento local coloca sobre os prédios uma carga muito maior sobre o uso das infraestruturas comuns, parece-me justo que contribua um pouco mais relativamente a essas infraestruturas comuns.
Há quatro anos integrou a lista do atual primeiro-ministro como número dois em Lisboa e face à evolução política assumiu a presidência da Câmara. Hoje vê-se como um autarca? Tem outras ambições políticas?
Vejo-me com autarca, sou muito feliz como autarca. Sinto-me muito realizado com aquilo que faço, tenho uma grande alegria e um grande empenho e uma grande vontade de dedicar os próximos anos da minha vida a servir a cidade de Lisboa e os lisboetas e não mais do que isso. Não estou aqui para nenhuma de afirmação de outra natureza, estou aqui para servir a cidade, é isso que me motiva. É isso que quero fazer nos próximos assim os lisboetas me deem a sua confiança.
Ó presidente, olhe que isto não foi resolvido ... tenho este problema na minha rua, ó presidente repare nisto ...
É a primeira vez que vai a votos. Como é que lida com a exposição, sendo uma pessoa que é definida como reservada?
Das coisas mais gratificantes que tem a função de presidente da câmara é esse contacto direto com os nossos vizinhos. Ir na rua todos os dias e ser confrontado, com palavras de agradecimento e de elogio, sobre aquilo que gostam, mas também palavras de crítica, sobre aquilo que não gostam, que não foi bem feito e palavras de alerta sobre questões que não foram resolvidas. "Ó presidente, olhe que isto não foi resolvido ... tenho este problema na minha rua, ó presidente repare nisto ... ". As pessoas são muito participativas, dialogam muito comigo e é muito exigente, mas é talvez daquilo que seja mais gratificante na vida pública é a interação com os nossos vizinhos, com aqueles que estamos a servir. É das coisas que mais alegria me dá, aliás.
Qual é o seu principal adversário nestas eleições?
Acho que o grande desafio destas eleições é mobilizar a cidade e falar olhos nos olhos sobre aquilo que queremos para a cidade de Lisboa e queremos fazer em conjunto e é assim que vejo as próximas eleições. Como um diálogo aberto, franco e queria que levasse a uma grande mobilização da cidade para debater o seu futuro e depois para construir o seu futuro.
Nota: Esta entrevista foi realizada no final do mês de agosto no âmbito de um conjunto alargado de entrevistas com candidatos às eleições autárquicas de 1 de outubro de 2017. As questões relativas à compra e venda de habitação por Fernando Medina, que acompanhámos no SAPO24, foram posteriores à conversa e alvo de duas questões específicas enviadas na sua sequência, às quais não obtivemos resposta.
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