A presidente do coletivo de juízes, Cristina Almeida, considerou a atuação dos três réus “gravíssima”.
A magistrada descreveu como “atentatória da dignidade humana” a forma como viviam os 23 trabalhadores encontrados durante uma operação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) realizada em julho de 2016 numa herdade agrícola em Paço dos Negros (Almeirim).
Os três foram condenados a quatro anos de prisão por cada um dos 23 crimes, tendo o cúmulo jurídico resultado na condenação de Nabin Giri, proprietário da empresa Estimamundo, e de Pedro Vital, dono da Herdade dos Morangos, a 14 anos de prisão e de Upendra Paudel (funcionário do primeiro) a 13 anos de prisão, tendo ainda o tribunal determinado a dissolução das duas sociedades.
O tribunal considerou provado que os 23 trabalhadores encontrados pelo SEF viveram, alguns dois meses, outros três e outros cinco, num anexo “sem janelas nem as mínimas condições de salubridade” nem de privacidade, em condições “atentatórias da dignidade humana”, nem sequer aceitáveis para animais.
A juíza lamentou os comentários feitos durante o julgamento, tanto por Nabin Giri, que afirmou que as condições em que os seus concidadãos viviam na herdade de Almeirim correspondiam à “média classe” no seu país, e de Pedro Vital, que reconheceu privilegiar o fornecimento de energia elétrica às câmaras frigoríficas onde guardava os morangos para justificar o corte feito à noite no alojamento, além de argumentar que teriam que dormir cedo para trabalharem de manhã.
Cristina Almeida realçou a “forma desumana e degradante” com que os trabalhadores foram tratados, “como se fossem mercadoria”, referindo que, além de estarem alojados no mesmo local onde trabalhavam, ainda tinham que pagar os seus próprios alimentos, a que acresceu a “jigajoga” de descontos feitos sobre os seus salários pela Estimamundo, alguns para alegadamente pagar serviços que são gratuitos, como a inscrição na Segurança Social.
Sublinhando que a relação entre a Estimamundo e a Herdade dos Morangos visava a obtenção do “máximo lucro”, tratando as pessoas como “mais um equipamento”, a juíza frisou que “isto é crime e tem um nome: tráfico de seres humanos”.
Os réus acabaram por ser ilibados dos crimes de auxílio à imigração ilegal e angariação de mão de obra ilegal, de que vinham acusados pelo Ministério Público, por estes estarem abrangidos pelo crime de tráfico de seres humanos.
Além da dissolução das duas sociedades – que terá de ser publicitada num jornal local e noutro nacional -, foi ainda fixado o pagamento de indemnizações que variam entre os 2.500 e os 8.000 euros aos trabalhadores nepaleses.
A decisão do tribunal foi seguida de choro das mulheres de dois dos arguidos, com uma delas a ser retirada da sala.
Os mandatários de Pedro Vital e de Upendra Paudel, presentes na audiência, disseram à Lusa que não esperavam pena tão pesada e que, depois de estudado o acórdão, ponderam recorrer.
Os dois cidadãos nepaleses encontram-se presos preventivamente desde julho de 2016.
O advogado do outro arguido, que não compareceu hoje, havia afirmado em abril, no início do julgamento, estar convencido de que este seria mais um processo em que “a montanha pariu um rato” e de que seria provado não ter existido “esclavagismo”.
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