Nem a “capital da castanha” no concelho da Guarda – Videmonte – escapou. O presidente da Junta fala numa quebra na produção de mais de 80 por cento. «Foi um ano catastrófico. Videmonte é a zona com mais produção de castanha, com bastante qualidade, mas este ano foi mesmo para esquecer», lamenta Afonso Proença, que responsabiliza a seca e as temperaturas altas pelo flagelo. O fruto começou a cair mais cedo do que previsto e quando chegou ao solo ninguém o apanhou. «Vinha miúda. Não me lembra de haver tão pouca castanha», sublinha o autarca, para quem os produtores vão ter também uma quebra acentuada no rendimento. «Como há pouca castanha e a qualidade também deixa a desejar, o preço praticado ronda o valor de um euro», adianta Afonso Proença, segundo o qual a Martaínha grossa é «a única» que está a ser vendida a 1,50 euros.
A qualidade escasseia e, por consequência, a procura também. «Em anos anteriores chegavam aqui e enchiam camiões. Este ano levam um saco ou dois», acrescenta o presidente da Junta de Videmonte. O facto dos castanheiros estarem em «zonas que não são de cultivo, não regantes», torna difícil fazer frente a anos de menos chuva como este: «Aquilo que vejo na freguesia é que todos os anos que forem secos não haverá produção de castanha», alerta o presidente.
Produtores com receio do próximo ano
Com 68 anos, Manuel Alberto é um dos maiores produtores de castanha em Videmonte e dedica-se ao negócio há mais de 20 anos. Recorrendo ao ditado antigo que diz que “o castanheiro não é marinheiro”, o agricultor afirma que esta árvore «não é de regadio», mas precisa de alguma humidade: «Se não houver, como não houve este ano, não há castanhas», assegura. Com cerca de dez hectares de castanheiros, Manuel Alberto diz que «o calibre é menor e não há qualidade. Não se faz dinheiro para o investimento que fizemos». E lembra um ano em que também veio uma geada negra que afetou a produção. «Vieram temperaturas negativas durante duas noites e foi uma coisa terrível. Apanhou o fruto que estava dentro e fora do ouriço. Não se conseguia vender, nem se apanhava porque não tinha saída», recorda o produtor, que garante que «não houve um ano tão mau em termos de secura como este».
Os prejuízos são avultados, mas o que mais preocupa Manuel Alberto é a possibilidade das árvores não se renovarem: «Tenho algum receio que os castanheiros não tenham capacidade de rejuvenescer devido à seca extrema. Já choveu, mas isto ainda não é chuva que chegue lá abaixo», queixa-se. Também a ausência do frio não ajuda. «Vai havendo no mercado, mas não há saída. As pessoas não procuram», constata, dizendo esperar que possa ser ressarcido do prejuízo. «O Governo podia atribuir um subsídio à quebra de produção, por área ou árvore, para minimizar as perdas», exemplifica o produtor.
Anos como este podem acontecer mais vezes
Quem concorda com Manuel Alberto é o presidente da AAPIM – Associação de Agricultores para Produção Integrada de Frutos de Montanha. «A seca deste ano pode repercutir-se negativamente na produção dos próximos anos», avisa José Assunção, adiantando que isso «não serve para dramatizarmos e dizermos que no ano que vem não haverá castanhas».
O castanheiro é uma árvore que entra em floração em junho, o que significa que este ano fez todo o ciclo de vida sem água. «A castanha é um fruto que tem água, mas este ano parece que já esteve dois ou três meses a secar ao sol, quando, habitualmente, tem 90 por cento de matéria seca e dez por cento de água», acrescenta o responsável. «Este ano deve ter três ou quatro por cento», adianta o presidente da AAPIM. Para José Assunção, a falta de chuva é o «principal problema, que desencadeou muitos outros», e levou a uma quebra de cerca de 75 a 80 por cento na produção. «Por exemplo, um produtor que produzisse 100 quilos, este ano só produziu 25. Mas esses 25 quilos não são vendidos a preços do ano passado, vão vender-se a preços muito mais baixos porque as castanhas não têm qualidade», refere o responsável.
Quanto ao que pode ser feito futuramente para evitar estas quebras, José Assunção considera que as pessoas têm que «estar atentas» às alterações climáticas, pois anos como este «podem acontecer mais vezes». O presidente da AAPIM, sediada na Guarda, não descarta também a possibilidade de pensar noutras formas de produção: «O castanheiro é uma cultura de sequeiro, mas isso não significa que não possa ser feita com água e, se calhar, terá que ser pensada nessa perspetiva», sugere. Para isso é preciso recorrer a modos de produção «compatíveis, com sustentabilidade e com respeito pelo ambiente», acrescenta o dirigente, afirmando que é preciso tomar outras medidas. «Esta quebra de rendimento podia também ser ponderada pelo Governo, no sentido de fornecer apoio aos produtores de castanha para serem ressarcidos» dos prejuízos e para que continuem a atividade nos próximos anos, declara José Assunção.
Com o São Martinho à porta, preço das castanhas pode disparar
Em Trancoso, a produção foi afetada de forma variável consoante a zona do concelho. A O INTERIOR Pedro Fidalgo, técnico do município e responsável pelo projeto Trancast, refere que «há zonas que mantêm uma produção razoável e há outras com uma quebra de mais de 80 por cento».
Esta variação deve-se ao facto de uma parte do concelho ter sido afetada por uma geada negra, caso das freguesias de Rio Mel e Trancoso, e outra pela ausência de precipitação. Em termos de produção de castanha, o concelho é o quarto a nível nacional e anualmente tem uma venda direta de cerca de quatro milhões de euros. «Se estivermos a falar de 900 pessoas com castanheiros, indiretamente, falamos de quase três mil pessoas que são afetadas pela produção de castanha ser maior ou menor», estima Pedro Fidalgo. Ainda que seja cedo para fazer uma avaliação fidedigna, o técnico do município avança que o valor anual pode ser «reduzido a cerca de metade». Num concelho em que a Martaínha é a variedade principal, é essencial que chova e que venha frio: «Era importante que no Inverno tivessemos bastante gelo», ambiciona Pedro Fidalgo, explicando que isso «mataria a maior parte da bicharada das castanhas».
Por agora o cenário não é animador, mas há esperança de que as coisas melhorem nas próximas semanas. Atualmente o preço médio da castanha situa-se nos 2,50 euros, mas prevê-se uma subida: «Estive a falar com um dos maiores compradores de castanha de Trancoso que me dizia que, de uma semana para a outra, o preço cresceu quase 40 por cento», exemplifica o responsável, garantindo que «com as temperaturas mais baixas há novamente mais procura». No entanto, Pedro Fidalgo afirma que o pior deste ano é o bichado e a vespa da galha do castanheiro que continua a causar alarme na região. «É um problema recente em Portugal. Trata-se de uma espécie de mosquito que cria um ovo na zona onde devia nascer o ouriço e impossibilita que isso aconteça», elucida o responsável pelo Trancast, adiantando que o combate a esta praga só é possível com «outro bicharoco» vindo da China.
«No ano passado, a Câmara de Trancoso investiu cerca de sete mil euros na aquisição dos bichos bons para extinguir os maus», recorda Pedro Fidalgo, afiançando que este é «dos problemas mais graves» que afeta a produção: «Temos árvores em Trancoso que não têm um único ouriço», lamenta.
Falta de água e temperaturas elevadas aumentam bichado
O cenário é comum a vários concelhos do distrito. Em Aguiar da Beira a produção diminuiu «em termos numéricos» e de uma forma geral «todos os produtores se queixaram que o bichado está muito mais acentuado», confirma a engenheira Manuela Silva. A técnica do gabinete de Agricultura do município diz que isso baixa o valor da castanha, o que se «nota bem nos preços praticados». E continua: «A castanha está quase toda cheia de bicho e não é consumível, pelo que as pessoas deixam de a comprar», lamenta Manuela Silva. Anos como estes surgem inesperadamente, mas há medidas que se podem tomar para, pelo menos, atenuar a situação. «Mais do que nunca as pessoas têm de pensar em instalar sistemas de rega», recomenda a engenheira da Câmara de Aguiar da Beira.
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