“Tinha cabelo e bigode. Hoje não tenho nem cabelo, nem bigode”. Fernando Seara, conhecido no espaço televisivo como o “careca” do Benfica recorda os primeiros anos de televisão e os primeiros programas de “Jogo Falado” um teledebate apresentado por Paulo Catarro que moderava um “espaço vivo e de sã conversa desportiva”, nos “limites do bom senso e do bom gosto” e no qual o “futebol é vedeta!”, assim se apresenta na site da RTP. Guilherme Aguiar (adepto do Porto), com bigode, então, e Dias Ferreira (Sporting), de barba e algum cabelo, eram os outros protagonistas.
Estávamos em 1995 e o programa era gravado e transmitido, em diferido, na RTP2. Só posteriormente passou a direto, a 13 de março 1996, para as noites de segunda-feira, em direto, na RTP1.
Hoje, 2019, Seara, já admitiu, perdeu cabelo e bigode, Guilherme Aguiar perdeu igualmente o manto debaixo do nariz (e algum cabelo) e Dias Ferreira, bom Dias Ferreira, ganhou a cor branca na barba e cabelo. Paulo Catarro, esse, mantém-se igual no que toca à questão capilar mas ganhou alguns quilos.
Os quatro juntaram-se no hotel da Estrela, em Lisboa. Revisitaram o programa “Jogo Falado”, pioneiro no género de debate sobre desporto e futebol, durante a conferência “Portugal jurídico-desportivo, 20 anos depois”, evento comemorativo dos 20 anos de existência da Associação de Direito Desportivo 1998-2018.
“Começamos na RTP2, hoje estamos na RTP Memória”, ironizou Paulo Catarro, sobre o programa que nasceu de uma ideia de Mário Rui de Castro, então chefe do departamento de Desporto da estação pública de televisão.
“Cada um estava a representar-se a si próprio. Hoje (os comentadores) assumem uma posição oficial (dos clubes). Antes nenhum deles tinha cartilhas. Falavam de um tema que eu escolhia durante a semana”, comparou.
“Não tínhamos cartilha. Tinha-mos a nossa paixão de clube que era conhecida”, reforçou Guilherme Aguiar, que percorreu “310 km” a que se seguem outros tantos “a seguir” uma vez que era o “único representante do norte para reviver este painel (que não se chamava assim na altura) sem sermos paineleiros”.
“Éramos os professores de alguma coisa e amizade não podia ultrapassar as paixões de cada um de nós tinha pelos seus clubes”, assinalou Dias Ferreira.
Seara realçou a amizade entre todos que existia antes e depois. “Começámos sendo amigos e quando acabou continuámos amigos”. Um início de amizade recordado por Dias Ferreira em relação a Guilherme de Aguiar. “A grande rivalidade anos 80 entre João Rocha (presidente do Sporting) e Pinto da Costa, eu e o Aguiar fizemos a ponte entre os dois e daí nasceu uma relação de amizade”, relembrou.
“Tratávamo-nos por tu e assumíamos que a discussão podia provocar uma zanga”, apontou Seara. “Tínhamos a liberdade individual para dizer que não e a liberdade subjetiva que a nossa cor clubística nos toldava”, assumiu.
"Elevar a voz é audiência e audiência significa receita”
Guilherme de Aguiar, recordou os jantares no Chimarrão” e as viagens de avião para o Porto, quando gravavam o programa “no Lumiar ou na 5º de Outubro”. Depois “nem sabíamos a que horas seria emitido. Era ao sábado quando não tinham nada para apresentar”, sorriu. “Era um programa de discussão desportiva e jurídica séria”.
Entre muitos episódios do futebol português revisitados, do caso “Sá Pinto (agressão ao selecionador nacional Artur Jorge, com a defesa do jogador a ser assegurada por Dias Ferreira), Fernando Seara, que revelou estar a escrever um livro de memórias, recordou, que foi “relator do acórdão do Francisco Silva (árbitro afastado pela justiça desportiva por ter recebido um cheque antes do jogo Penafiel-Belenenses, a 10 de novembro de 1990 e que curiosamente Dias Ferreira foi advogado), do “Caso Mapuata (caso de irregularidade de inscrição do jogador do Belenenses durante um jogo com o Marítimo e que levou ao alargamento de clubes na 1ª divisão na época seguinte, 1987, de 16 para 20 clubes), N’Dinga (outro caso de eventual má inscrição de jogador, no caso envolvendo Académica e Guimarães) e do Macedo de Cavaleiros (caso de eventual corrupção desportiva que envolveu o Macedo de Cavaleiros e o Famalicão).
Os três comentadores do “Jogo Falado” eram juristas ligados ao Direito do Desporto. Dias Ferreira, realçou esse facto. “Passámos a interessar os nossos governantes em relação ao direito desportivo”. O programa “deu força à discussão jurídica sobre o Desporto e o futebol. Era mais interessante que levar a cabeça de um porco e dar murros na mesa”, reforçou Guilherme de Aguiar.
Numa viagem pelo tempo, Dias Ferreira recorda episódios de ter sido “nomeado por Fernando Martins, presidente do Benfica e removido por Jorge Gonçalves (presidente do Sporting”, numa demonstração que “vem de longe a união no meu clube”, sorriu.
Para Fernando Seara, hoje em dia, “elevar a voz é audiência e audiência significa receita”. Diz ter “nostalgia de um tempo que não vai voltar”. E que hoje “as mulheres são parte da atratividade da audiência”, chamou a atenção. “Comecei a cores. E hoje vejo um pouco de cada um dos programas e faço o meu programa”, rematou.
“Se fizesse programa direto perguntava: porque expulsaram o Bruno de Carvalho do Sporting, uma pergunta de arranque de Paulo Catarro que não obteve resposta direta de nenhum dos comentadores. Terminou aludindo a um mago do futebol, Arrigo Sachi, antigo selecionador italiano. Nunca esquecer que “o futebol é a coisa mais importante entre as coisas menos importantes da vida”. Uma frase que pertence também ela ao escritor brasileiro Nelson Rodrigues.
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