Marco Silva chega a Inglaterra para o seu maior desafio da carreira: salvar o Hull City da despromoção.
Diz-se que a chamada ‘chicotada psicológica’ costuma ter um efeito positivo a curto prazo. O treinador é novo e os jogadores querem mostrar-se, é uma nova oportunidade para todos. Mas a chegada do técnico português vê-se cercada por um calendário da mais alta exigência. Até ao dia 11 de fevereiro, o Hull vai defrontar por três vezes o Manchester United, e, por uma vez, o Chelsea, Liverpool e Arsenal. Uma tarefa complicada para o último classificado da Premier League que em 20 jogos soma apenas 3 vitórias, para além de ter a segunda pior defesa e o pior ataque de todo o campeonato.
No entanto, a estreia de Marco Silva será já este sábado, 7 de janeiro, diante do Swansea, em jogo a contar para a FA Cup. Um encontro em que, comparado com os acima referidos, os Tigers têm, na teoria, mais hipóteses de conquistar o triunfo.
Um cálice envenenado
Ian Ashbee, antigo capitão do Hull City, disse em entrevista à BBC Radio 5 que o lugar de técnico no clube é “um cálice envenenado”. Ainda antes de se saber quem iria oficialmente comandar os Tiger, Ashbee classificou o trabalho como uma “ missão impossível”.
Urge saber-se: porquê?
Em 2010 o clube foi adquirido pelo egípcio Assem Allam pelo valor simbólico de 1 libra, tendo este prometido um investimento 40 milhões de libras no emblema (o equivalente a cerca de 45 milhões de euros).
Allam tinha nascido no Médio Oriente, mas foi em East Riding of Yorkshire (cidade de onde é originário o Hull City) que enriqueceu. Por isso, a aquisição revestia-se de um simbolismo maior, era uma oferta à comunidade. E, numa altura em que vários projetos milionários despoletavam, os adeptos ficaram esperançados num futuro risonho.
Contudo, com um novo proprietário chegaram também ventos de mudança, que esbarraram nas opiniões dos adeptos de um dos mais antigos clubes ingleses (o Hull foi fundado em 1904). “No mundo comercial, quanto mais pequeno o nome, melhor. Espalha-se mais rapidamente. O meu desgosto em relação a City é porque é comum. Quero que o clube seja especial. Isto tem a ver com identidade. City é uma péssima identidade. Hull City Association Football Club é demasiado longo”. Esta foi a sentença do egípcio. Os adeptos não gostaram das declarações do novo homem forte do Hull. Ouvir dizer que o seu nome era vulgar e que tinha “uma péssima identidade” foi a pedra a mais num balde que encheu depressa.
Ainda assim, e contra a vontade dos apoiantes do clube, Allam avançou para uma mudança de nome junto da Federação Inglesa. O Hull City Association Football Club passaria a chamar-se Hull City Tigers Ltd. Para além disso, um novo emblema nasceria nas camisolas laranjas, “desenhado e criado em consulta com os adeptos”. Era tudo uma questão de marketing.
Ora, as propostas não passaram na Federação, que chumbou a mudança de nome e pouco tempo depois nascia um grupo de adeptos sob o nome “City until we die” (City até morrermos), o qual mereceu uma reação agressiva por parte do proprietário: “Podem morrer tão cedo quanto quiserem, desde que deixem o clube para a maioria que apenas quer ver bom futebol”.
A ideia do divórcio chegou naturalmente e Assem Allam colocou o clube à venda num negócio que nunca foi explícito. Em outubro do ano passado apareceu um documento na bolsa de Hong Kong que confirmava um acordo com um consórcio para a transferência de posse, no valor de 150 milhões de euros. O comprador seria, alegadamente, o atual dono do Nice, Chien Lee. Mas nunca nada foi confirmado pela direção do Hull. Já antes, o empresário americano Peter Grieve e o casal de irmãos chineses Dai Yongge e Dai Xiu Li tentaram adquirir o clube, mas sem sucesso.
Tudo isto criou uma atmosfera de instabilidade. Os adeptos acusam Allam de se querer ver livre do clube e de não estar com seriedade no projeto; os treinadores, vítimas do ambiente, acabam por ter passagens curtas ou saídas conturbadas - Mike Phelan, antecessor de Marco Silva, apenas esteve 84 dias como treinador principal e Steve Bruce, comandante dos Tigers durante 4 épocas, e que os trouxe de volta à Premier League, depois de no playoff de promoção da última época ter eliminado o Sheffield Wednesday de Carlos Carvalhal, saiu em litígio com a direção -, e os jogadores acabam pouco satisfeitos.
Tigres sem moral e sem soluções
O balneário com a moral em baixo será uma barreira difícil de contornar. As principais estrelas estão descontentes e isso reflete-se em campo. Robert Snodgrass é a voz da indignação: o escocês diz que fica de pé atrás em renovar o seu vínculo e prolongar a sua vida no Hull porque não consegue entender que rumo é que o clube leva. O mesmo acontece com outras referências da equipa como o ponta-de-lança Abel Hernández, o médio Jake Livermore ou o defesa-central Michael Dawson. O presente perturba-lhes a ideia de futuro.
Para além da moral em baixo, Marco Silva encontrará um plantel curto em soluções. Exemplos disso são os ex-Tottenham Jake Livermore, que não conseguiu no Hull a relançar a sua carreira, e Ryan Mason, a principal contratação para a época que tem estado muito distante daquilo que se pretendia. Aliás, o técnico português, na sua primeira entrevista ao serviço dos ingleses reconheceu isso. “Vamos tentar encontrar soluções para melhorar a nossa equipa. Mas o mais importante para nós são os jogadores que estão comigo agora e que hoje treinaram comigo”, referiu.
Tudo isto parece não desmobilizar Marco Silva que acredita que o Hull City “pode ficar na Premier League”. “Até ao momento os resultados não têm sido os melhores e temos de mudar isso. Vim com confiança e quero passar isso aos jogadores. Temos que melhorar algumas coisas na nossa organização e concentração. Os jogadores são inteligentes e sabem isto”, disse o técnico português.
Com a chegada de um novo treinador os adeptos ficaram curiosos e, inclusive, fala-se que o boicote ao jogo da Taça de Inglaterra, frente ao Swansea, em que os fãs iriam ficar de fora do estádio e, ao invés, dar 12 libras para a caridade poderá vir a ser cancelado, para que se possa ver Marco Silva a comandar as tropas pela primeira vez.
O que provavelmente não deixará de se ouvir dentro do estádio KCom é o grito “Allams out!” (Fora Allam!).
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