No Brasil, como no mundo, apenas uma minoria dos jogadores vive de mega salários. Apenas 4% dos jogadores no Brasil recebe mais de 5 mil euros mensais. Na verdade, 87% deles recebem menos de 500 euros mensais. Além disso, estão acostumados a não ter trabalho o ano todo e viver num cenário onde o atraso dos vencimentos é normal.

Ao olharmos apenas para os grandes, esquecemos que os clubes pequenos e os seus jogadores vivem uma realidade muito diferente. A maioria deles não tem calendário de jogos para o ano todo e vive em condições financeiras muito precárias. Para muitos deles, os campeonatos estaduais são a principal fonte de renda do ano. A paralização, para eles, é muito mais grave. E sem uma mobilização da Confederação Brasileira de Futebol, muitos vão fechar as portas.

A discussão sobre redução de salários, contratos de patrocínio e datas para o regresso do futebol no Brasil não pode ser aplicada a estes atletas, que são tão parte da lavoura como um pedreiro ou gari [expressão em português do Brasil para varredor de rua].

Na outra ponta, no mundo dos privilegiados que recebem entre 5 e 500 mil euros por mês (sim, nesses 4% há essa diferença. Assim como há no mundo “real”) e nos clubes que compõem a elite nacional, a quebra nas receitas provenientes de bilheteria e (principalmente) TV podem complicar muito a já frágil situação financeira de alguns gigantes.

Com a exceção de Flamengo e Palmeiras, todos os demais enfrentam, a algum nível, problemas para honrar os seus compromissos e têm grandes dívidas a trabalhadores, de impostos ou bancárias. Para eles, que já contavam com venda de atletas para ter orçamentos positivos em 2020, a quebra será muito problemática.

Esta semana, chegou a notícia de que a Adidas atrasou um pagamento ao Flamengo pelo contrato de fornecimento de material. O rubro-negro carioca é, hoje, estável o suficiente para passar por isso sem grandes problemas apenas ajustando o fluxo de caixa.

Olhemos para o caso do Vasco da Gama, por exemplo, um clube que tem receitas penhoradas e salários em atraso desde o ano passado. Ou do São Paulo, que teve um prejuízo de quase 40 milhões de euros em 2019 e precisava de fazer pelo menos 30 milhões de euros em receitas para fechar 2020 fora do "vermelho". Para clubes que vivem no limite financeiro, a falha ou atraso de receitas de patrocínios ou o não pagamento da última parcela dos direitos de TV de um campeonato cancelado pode ser extremamente crítico.

Quando isto passar, mesmo sendo difícil especular quando e como ficará o mercado após a pandemia do novo coronavírus, já sabemos que será ainda mais complicado para os clubes em dificuldades conseguirem equiparar-se aos rivais ricos. Por incompetência acumulada, grandes clubes com o Vasco da Gama ou o São Paulo encontram-se nesta situação. Mas é também um facto que ninguém podia prever uma situação como a que vivemos hoje.

Vão passar vários anos para estes clubes se recuperem e ainda veremos como o mercado se vai adaptar a uma nova realidade. Teremos menos mega salários e transferências? As receitas diminuirão? Será esta uma oportunidade para alguns clubes finalmente se reorganizarem? Ou será que alguns deixarão de ser “grandes? Só o tempo dirá. E hoje, no Brasil, nenhum dirigente parece ainda muito preocupado em pensar nisso.