A propósito do Dia Mundial do Ambiente, que se comemora na sexta-feira, a Lusa perguntou a várias associações de defesa do ambiente se a recuperação económica depois da crise da pandemia covid-19 poderia pôr em causa as metas sobre ambiente e alterações climáticas. Todas o admitiram.

Além das consequências “dramáticas” sobre pessoas e economia, lembra a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) que esta semana devia estar a acontecer em Lisboa a Conferência dos Oceanos, na qual seriam debatidas e acordadas metas para proteger os ecossistemas marinhos.

A conferência foi adiada devido à covid-19, mas não se pode “adiar a proteção da biodiversidade e a saúde dos oceanos”, diz a SPEA à Lusa, acrescentando que a crise também afetou os produtores de agricultura diversificada e de pequena escala, ou o setor agroflorestal.

Se da Comissão Europeia surgem metas ambiciosas sobre consumo sustentável ou defesa da biodiversidade, o Governo português não tem tomado as melhores decisões, segundo a SPEA, que fala de um novo aeroporto no Montijo, da autorização de corte de matos durante a primavera, ou da flexibilização dos compromissos ambientais da Política Agrícola Comum (PAC).

Também a ANP/WWF, Associação Natureza Portugal, que trabalha em parceria com a internacional World Wide Fund For Nature (WWF), pela voz de Catarina Grilo, diretora de Conservação e Políticas, deixa algumas críticas e receios. Um deles que não se aproveite o momento para reorientar a economia para uma recuperação justa e sustentável.

Nos resíduos e reciclagem, afirma Catarina Grilo, a covid-19 trouxe “retrocesso na recolha seletiva e tratamento de resíduos”, a par do crescimento na utilização de descartáveis. E “não há razões sanitárias para este retrocesso”, afiança.

Na luta conta as alterações climáticas as metas nacionais também estão “aquém do que é exigido no Acordo de Paris”.

Catarina Grilo explica que Portugal propõe-se reduzir emissões de gases com efeito de estufa entre 45% e 55% até 2030, face aos níveis de 2005. Mas o Acordo de Paris impõe que a comparação seja aos níveis de 1990.

“Portugal usa 2005 como ano de referência porque corresponde ao pico mais elevado de emissões. Os 45-55% face a 2005 correspondem a uma redução de apenas 20-35% face a 1990″, diz Catarina Grilo, concluindo que “a recuperação económica poderá ´apenas´ agravar o mau desempenho climático” de Portugal.

Ana Paz, da direção nacional da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), é mais otimista. Fala dos benefícios para o clima do período de confinamento e paragem da economia, acrescentando que era agora interessante “tirar lições sobre estes efeitos, em vez de apenas tentar reverter a redução de emissões o mais rapidamente possível”.

Admitindo que houve nos últimos meses reversões ambientais, como alterações na recolha seletiva de resíduos e aumento de descartáveis, a responsável diz acreditar que tudo se recomporá, e acrescenta que a nível da União Europeia há bons sinais em matéria de ambiente. Mas avisa que é preciso atenção a desfasamentos entre as declarações de intenções e a prática.

Acabar com a "velha economia" e avançar de vez com a "economia verde e circular"

A associação Zero lembra que com a crise provocada pela Covid-19 não desapareceram as crises climática, a da escassez de recursos ou a da perda de biodiversidade.

“Os indicadores são claros nas consequências muito graves que irão resultar para todos nós, caso não promovemos uma relação mais harmoniosa entre o nosso modelo económico e os limites do Planeta”, afirma Susana Fonseca.

Paula Nunes da Silva, presidente em exercício da Quercus, fala no aumento de resíduos e abrandamento da reciclagem, e é perentória na afirmação de que há o risco de “as metas ambientais serem colocadas em segundo plano, em nome da recuperação económica”. Mas tem esperança que essa recuperação sirva “para alavancar, de vez, a economia verde e circular”.

E essa é também a esperança da associação Zero, que defende que não se podem promover políticas e medidas que perpetuem vulnerabilidades. “Não aproveitar esta oportunidade em que se irão injetar milhões de euros na sociedade” para prevenir consequências de futuras pandemias, ou de alterações climáticas, “só pode ser entendido como uma enorme irresponsabilidade política e deixará claro que os atuais líderes políticos não estão à altura dos desafios”, diz Susana Fonseca.

Catarina Grilo afirma também que não se pode apostar na “velha economia”, que esgota recursos naturais e degrada a biodiversidade, que é poluente e geradora de elevadas emissões de gases com efeito de estufa. Fazê-lo é dar continuidade ao “business as usual” que nos trouxe até aqui, afirmou à Lusa.

O que é preciso, acrescentou, é “orientar os apoios públicos para setores, atividades e projetos que são bons para o planeta e para a economia”, como a democratização do acesso a energias renováveis, a renovação de edifícios (mais eficiência energética), a aposta na ferrovia e acabar com “aberrações” como um novo aeroporto ou voos com menos de 01:30 de duração.

A direção da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) lança mais desafios, começando por lembrar que Portugal, com mais de 20% do território classificado como Rede Natura 2000, “só pode beneficiar com políticas que apoiem a biodiversidade, com a criação de novas áreas de negócio e novos empregos na gestão das áreas protegidas, na conservação e recuperação dos habitats naturais e na dinamização do turismo de natureza e do território”.

E depois, num país com tanto mar e tanta agricultura tradicional, devem valorizar-se políticas que favoreçam a pesca e a produção agrícola sustentáveis.

“Os nossos governantes têm de estar conscientes deste enorme potencial de Portugal e trabalhar mais com as organizações não governamentais de ambiente”, diz a SPEA.

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 380 mil mortos e infetou quase 6,4 milhões de pessoas em 196 países e territórios.

Mais de 2,7 milhões de doentes foram considerados curados.

Em Portugal, morreram 1.447 pessoas das 33.261 confirmadas como infetadas, e há 20.079 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.

Depois de a Europa ter sucedido à China como centro da pandemia em fevereiro, o continente americano passou a ser o que tem mais casos confirmados (cerca de três milhões, contra quase 2,2 milhões no continente europeu), embora com menos mortes (mais de 168.500, contra mais de 180 mil).

Para combater a pandemia, os governos mandaram para casa 4,5 mil milhões de pessoas (mais de metade da população do planeta), paralisando setores inteiros da economia mundial, num “grande confinamento” que vários países já começaram a aliviar face à diminuição dos novos contágios.