"Se quem determinou o montante [de capitalização inicial] foi mesmo a senhora ministra das Finanças [Maria Luís Albuquerque], uma coisa fica clara: o Banco de Portugal, nesse momento, não atuou de forma independente. Fez o que a senhora ministra das Finanças lhe mandou fazer. Subjugou-se, e isso é uma falha grave, muito, muito grave", disse hoje no parlamento.
Ricardo Mourinho Félix falava na sua intervenção inicial na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, onde está a ser ouvido.
"Nesta comissão, aquilo que era um segredo de polichinelo foi revelado pelo então governador do Banco de Portugal [Carlos Costa]. Não foi o Banco de Portugal que determinou o montante da injeção de capital no momento da resolução. Foi o Governo, através da senhora ministra das Finanças [Maria Luís Albuquerque]", disse o atual vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI).
Ricardo Mourinho Félix considerou ainda que os ativos do balanço inicial do Novo Banco estavam sobrevalorizados.
"O banco era novo, mas não era bom. Os ativos estavam sobreavaliados, e o valor contabilístico dos ativos não refletia, por isso, o seu valor efetivo", afirmou, contabilizando em pelo menos 4.500 milhões de euros a sobreavaliação.
No entender do antigo secretário de Estado, que também teve o pelouro do Tesouro até 2017, capitalizar inicialmente o Novo Banco com 4.900 milhões de euros em vez de 10 mil milhões de euros "não foi um lapso nem foi um erro".
"Foi a vontade de adiar a resolução de um problema, de simular uma saída limpa que deixava para trás um sistema financeiro numa situação frágil, com um banco que, primeiro, estava insolvente e que, depois de resolvido, continuava, na prática, insolvente", disse.
Ricardo Mourinho Félix acusou ainda o anterior Governo PSD/CDS-PP de não ter sido "por lapso, ou por apego a uma interpretação restrita das normas internacionais de contabilidade, que se fez por 4.900 milhões de euros uma resolução que deveria ter implicado uma injeção de sensivelmente o dobro do capital".
"Decidir apenas pelos mínimos para garantir que, se algo correr mal, sempre se possa dizer que se cumpriu a lei, isso não é governar. Quem exerce o cargo assim não merece governar", rematou.
Ricardo Mourinho Félix disse também que o Governo PSD/CDS-PP "tinha mentido" e "enganado os portugueses".
Transmissão de obrigações em 2015 teve "proporções sísmicas"
"Não está aqui em causa a legalidade do ato. Está em causa o impacto do ato. Teve um impacto reputacional sobre a República Portuguesa de proporções sísmicas", disse hoje Ricardo Mourinho Félix no parlamento.
O atual vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI) referia-se à retransmissão de seis séries de obrigações seniores do Novo Banco para o BES em liquidação, no valor de dois mil milhões de euros. Mourinho Félix disse também que a decisão "implicou que os investidores deixassem de receber essa dívida, passando a ser credores comuns da massa falida do BES".
"A decisão foi percecionada como uma imposição do Governo ao Banco de Portugal. Uma alteração radical do rumo da política económica portuguesa. 'Exproprie-se'. Foi precisamente o contrário. Foi uma decisão tomada pelo BdP contra a opinião do Governo", assegurou o antigo governante.
O ex-secretário de Estado, que teve a pasta do Tesouro até 2017, classificou a decisão do BdP como "legítima", "legal" e "tomada de forma independente", mas com consequências.
"Os juros da dívida portuguesa galgaram, passando os 4% passado pouco tempo. Os custos de financiamento dos bancos subiram. As condições de mercado deterioraram-se, diversos investidores institucionais abandonaram as emissões da dívida da república e dos bancos portugueses e o financiamento da economia foi comprometido, numa altura em que Portugal mais precisava dele", considerou.
Ricardo Mourinho Félix revelou ainda que "a perceção pelos investidores internacionais foi de que foram expropriados, por serem investidores institucionais e pelo facto de não serem portugueses".
"Criou-se entre os investidores a perceção que os títulos emitidos sob lei portuguesa tinham deixado de ter a mesma segurança jurídica que os títulos emitidos sob outros regimes jurídicos", acrescentou.
Mourinho Félix diverge do TdC quanto à falta de transparência
“Em relação à questão de falta de transparência, eu não partilho essa visão do Tribunal de Contas. Não considero que haja falta de transparência. Acho que possivelmente há muita falta de memória às vezes”, respondeu Mourinho Félix no parlamento.
O antigo governante foi confrontado pelo deputado do PAN Nelson Silva, entre outros temas, com as questões previamente abordadas pela deputada do CDS-PP Cecília Meireles “relativamente a possíveis faltas de transparência no processo de venda do Novo Banco”.
O antigo governante referiu que “o acordo de capital contingente é acompanhado por 10 entidades”, desde as entidades que acompanham qualquer banco que é supervisionado, aos auditores externos, passando pela comissão de auditoria do Conselho de Administração do próprio banco, o Banco Central Europeu e o Banco de Portugal.
“Depois, no decurso daquilo que são as entidades que foram definidas no âmbito da venda, quer no contrato quer naquilo que decorre da questão de auxílios de Estado, é acompanhado pelo agente de verificação, pela comissão de acompanhamento, pelo Fundo de Resolução, pela Direção Geral da Concorrência”, elencou ainda.
Depois, de acordo com Mourinho Félix, “já fora do mecanismo contratual e do processo de venda, por determinação ainda do Ministério das Finanças e do Fundo de Resolução após a chamada de capital de 2019, em que foi determinado dado o montante da chamada que fosse feita uma auditoria”, tendo depois o próprio parlamento pedido auditorias especiais.
“Depois de tanta verificação, depois de estarem 10 entidades a ver diferentes ângulos do banco, dizer que há falta de transparência parece-me a mim que talvez seja precisa alguma justificação mais do que simplesmente dizer que há falta de transparência”, contrapôs.
A auditoria do Tribunal de Contas (TdC) ao financiamento público ao Novo Banco apontou falhas ao nível do reporte de informação, transparência, verificação e conflitos de interesse em todo o processo que envolve as injeções de capital na instituição.
"Faltou transparência na comunicação do impacto da resolução do Banco Espírito Santo e da venda do Novo Banco na sustentabilidade das finanças públicas", pode ler-se no relatório da auditoria, defendendo que "o foco da imputação das perdas verificadas no Banco Espírito Santo e no Novo Banco não deve ser desviado dos seus responsáveis (por ação ou omissão) para onerar os contribuintes ou os clientes bancários (em regra também contribuintes)".
[Notícia atualizada às 19:18]
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