A dinamarquesa Novo Nordisk continua a tendência de crescimento dos últimos anos e na última semana tornou-se a empresa mais valiosa da Europa, destronando a LVMH (que detém 75 marcas de luxo, entre elas a Louis Vuitton e a Dior). O feito aconteceu depois da entrada no Reino Unido do seu medicamento mais popular para a perda de peso, o Wegovy, que nos últimos tempos tem sido notícia por fazer furor entre as estrelas de Hollywood (e não só, que Elon Musk já afirmou também que o tomou).
Se no início do mês a farmacêutica tinha superado a LVMH por breves instantes durante a sessão, com a entrada do badalado medicamento em território britânico no dia 4 de setembro, a Novo Nordisk conseguiu mesmo destronar o império de Bernard Arnault. Segundo o Financial Times, a dinamarquesa fechou a sessão a valer 398 mil milhões de euros, superando os 383 mil milhões de euros da LVMH.
A Novo Nordisk é maior referência no mercado de medicamentos para a diabetes e para a perda de peso. Segundo as previsões dos analistas, em 2023, deve chegar aos 130 ou 140 mil milhões de dólares em vendas. Quanto à pergunta "como é que conseguiu ultrapassar a Louis Vuitton?", a resposta chega por duas vias: ao recuo do luxo no mercado chinês e à sua promessa de revolucionar a perda de peso.
100 anos: da insulina à obesidade
A molécula da insulina foi descoberta por uma equipa de cientistas no Canadá, em 1921, mas a sua produção só começou dois anos mais tarde. A pedido da mulher (médica, companheira de investigação e diabética), o Nobel August Krog viajou até à “Terra do Maple Syrup” de modo a obter a autorização necessária para iniciar a técnica de extração e purificação da molécula na Dinamarca. Aceite o pedido, os primeiros doentes foram então tratados em 1923, dando início a um século de inovação nos tratamentos à base de proteínas. Hoje, a Novo Nordisk (que nasceu da fusão de duas empresas rivais, a Nordisk Insulinlaboratorium e Novo Terapeutisk Laboratorium) é responsável pela produção de cerca de metade da insulina a nível mundial e desenvolve medicação para diabetes, obesidade, hemofilia e hormonas de crescimento.
Todavia, nos últimos tempos, a empresa ganhou fama à escala planetária graças à proliferação nas redes sociais dos efeitos de dois dos seus medicamentos: a Ozempic (semaglutido) e o Victoza (liraglutido), duas substâncias injetáveis para controlar os diabetes. No entanto, estas canetas estão a ser muito requisitadas por outras questões, nomeadamente o antidiabético Ozempic, que também revela eficácia no tratamento à obesidade (via controlo de apetite e perda de peso). A popularidade é tal que a Novo Nordisk não tem capacidade para satisfazer a procura e há muitas farmácias na Europa e nos EUA que não conseguem meter mão no medicamento.
- O Ozempic já é comercializado em Portugal e destina-se a doentes com diabetes tipo 2. Porém, como salientou uma especialista à CNN Portugal, também demonstrou eficácia na redução do peso, pressão arterial ou risco cardiovascular. “O mesmo fármaco, numa dose [1mg], tem indicação para a diabetes; numa dose superior [2,4mg], tem indicação para a obesidade", explicou.
Mas esta é apenas parte da explicação do sucesso, que ainda não contempla “a estrela” que levou à valorização e consequente ascensão a #1 da Europa: o Wegovy, que promete revolucionar a perda de peso.
Em agosto, a Novo Nordisk publicou um estudo sobre os resultados deste medicamento, que além de prometer a redução de “5% a 20% do peso" em pessoas com obesidade, também reduziu em 20% o risco de acontecimentos cardíacos graves, incluindo ataques cardíaco
- A diferença do Wegovy para o Ozempic: o primeiro é exclusivamente para efeitos de perda de peso, ou seja, contempla fatores de risco como a obesidade, colesterol ou hipertensão. O segundo faz perder peso, mas são resultados que excedem o seu propósito.
- O Wegovy já foi aprovado pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), mas só está disponível no Reino Unido, Noruega, Dinamarca, Alemanha e EUA.
Uma só empresa, mas metade de um país
Quando se fala na dimensão desta gigante farmacêutica, é preciso dar algum contexto, porque às vezes os números são tão grandes que parecem tirados de uma série de ficção. De acordo com o Banco Mundial, ao alcançar uma capitalização de mercado de 386 mil milhões de euros em 2023, a Novo Nordisk superou mesmo a produção total da economia dinamarquesa. O seu peso é tão grande no país que, segundo o Financial Times, sem a farmacêutica, a Dinamarca estava hoje em recessão.
No final de agosto, o Expresso explorou o tema (interrogando se a Dinamarca era o primeiro “diabetoestado” do mundo) e detalhou como o Ozempic fez disparar o excedente comercial dinamarquês (calculado nos 12,8% do PIB em 2022, algo só ao nível dos “petroestados” e paraísos fiscais) e se tornou no “primeiro medicamento do mundo que além de diminuir a glicose também diminui taxas de juro”.
Outro ponto interessante abordado pelo jornal é se estamos perante um novo “caso Nokia” para os lados da Escandinávia. Antes de existirem telemóveis inteligentes, na década de 90 e nos meados dos anos 2000, a empresa de telecomunicações representava 4% do PIB finlandês e 70% das exportações do país. Só que quando apareceu o iPhone e outros semelhantes, a empresa não acompanhou a evolução e atirou a economia finlandesa para a recessão (colapsando as exportações ao mesmo tempo). No entanto, na opinião de um especialista ouvido pelo seminário, no caso da Novo Nordisk e da Dinamarca, o futuro deverá ser outro porque a indústria é diferente e a expectativa é a de um crescimento exponencial nas próximas décadas devido à demografia nas economias avançadas.
Em suma, não dá para dizer com certeza se a Dinamarca vai realmente ser o primeiro “diabetoestado” global. Mas caso se confirme a eficácia do medicamento Wegovy no combate à obesidade e a questão dos problemas de produção para a demanda ficar resolvida, não há muitos motivos para duvidar que, pelo menos, vai continuar a redefinir a economia do país e a ser a maior contribuinte em matéria de impostos.
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