É uma história que envolve fundos imobiliários, câmaras municipais, Autoridade Tributária e tribunais. Uma lei de 1987, o decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, criou "incentivos fiscais à constituição de Fundos de Investimento Imobiliário”. No âmbito desses incentivos e por ausência de clarificação posterior, a lei permite aos fundos imobiliários recuperar nos tribunais o IMT (Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis), o imposto que passaram a pagar quando compravam um imóvel.
No ano passado, o PCP apresentou uma proposta em sede de discussão do orçamento de Estado para 2019 que visou corrigir a falha que subsistia, nestes termos, desde 2016 e que permitia precisamente aos fundos a recuperação do IMT em tribunal.
E, no âmbito da votação na especialidade do Orçamento do Estado para 2019, o parlamento aprovou, em novembro de 2018, a revogação de um conjunto de normas para garantir que os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) perdessem a isenção do IMT (Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis) e passassem a pagar imposto sempre que compram um prédio para as suas carteiras.
Apesar da correção à lei, algumas autarquias, nomeadamente no Algarve, região onde se realizam muitas transações envolvendo fundos imobiliários, têm recebido pedidos de devolução deste imposto. Os pedidos decorrem de ações judiciais colocadas pelos fundos imobiliários contestando a lei que os obriga a pagar o imposto - e em alguns casos a decisão do tribunal tem-lhes sido favorável precisamente pela falha no enquadramento legal entre 2016 e 2019.
Do lado da Autoridade Tributária, a posição assumida foi que as Câmaras têm de suportar a devolução aos contribuintes do IMT “sempre que tenha sido liquidado indevidamente” e este se encontre pago.
Face aos pedidos de devolução de imposto, a Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL) está a pedir aos municípios um levantamento que permita saber a que autarquias a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) pediu a devolução do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT)
Em declarações à Lusa, o presidente da AMAL, António Miguel Pina, disse que as Câmaras da região estão a verificar se lhes foi pedida restituição de verbas cobradas a título de IMT, que a Autoridade Tributária reclamou depois de decisões judiciais terem dado razão a fundos imobiliários que contestaram o pagamento dessas tributações.
Segundo aquele responsável, pelo menos a Câmara de Portimão já recebeu pedidos para devolução de IMT, mas remeteu mais esclarecimentos para a presidente daquele município, Isilda Gomes, que estimou à agência Lusa os valores exigidos em “aproximadamente três milhões de euros”, entre 2014 e 2018.
“Este tema foi levantado na última reunião da AMAL e estamos a fazer um levantamento junto dos 16 municípios do Algarve para saber se ocorrem situações dessas de pedidos de devolução de IMT por parte das Finanças, em relação a essa primeira decisão dos tribunais”, disse António Miguel Pina, que acumula o cargo com a presidência da Câmara de Olhão (PS).
"É imoral o que se está a passar”
O autarca algarvio afirmou que a situação de os fundos imobiliários estarem isentos do pagamento de IMT já está resolvida, depois da aprovação de uma lei que acabou com as isenções para essas empresas, classificando como “imoral” qualquer pedido de devolução de verbas que já estavam orçamentadas e já tinham sido recebidas pelos municípios.
“Até admitamos que esses fundos, dotados de bons advogados, tenham descoberto alguma escrita menos correta ou alguma vírgula menos bem-posta e tenham, do ponto de vista formal, razão. Agora, eu acho que é imoral o que se está a passar”, defendeu.
O autarca deixou um “alerta e desafio ao Ministério das Finanças”, que disse ter sido “tão rápido a solicitar às autarquias essa devolução” de imposto: “O que é feito do IMI que, em média, todos os anos não é cobrado e que chega quase a 20% em alguns municípios?”, questionou.
“Estamos a falar, se calhar, de muitos milhões de euros”, argumentou, dando o exemplo da Câmara de Olhão, onde “seis milhões de euros de IMI são cobrados por ano", os “20% representam mais de um milhão de euros” e, “em 10 anos, mais de 10 milhões de euros”, quando a “responsabilidade da boa cobrança” pertence à Autoridade Tributária, observou.
A presidente da Câmara de Portimão, Isilda Gomes, confirmou à Lusa que a Autoridade Tributária já pediu à autarquia devolução de verbas de IMT e que o montante é de “aproximadamente três milhões de euros”, nos quatro anos entre 2014 e 2018.
“É com preocupação que vemos esta situação”, disse ainda a autarca socialista, afirmando que a situação entretanto já foi corrigida legalmente e os fundos imobiliários deixaram de estar isentos.
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