Tem 18 anos e está a estudar em Maastricht. Estava entusiasmado com a ideia de votar pela primeira vez em 2024, nas eleições europeias. A crise política veio antecipar-lhe os planos e, afinal, vai poder votar já nas legislativas de 10 de Março. Isto, claro, se estiver disposto a percorrer quase 500 km.

O motivo é simples e a informação é dada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE): um eleitor "deslocado no estrangeiro em instituição de ensino superior" poderá votar na "representação diplomática mais próxima", doze a dez dias antes das eleições, por voto antecipado.

No caso, a representação diplomática mais próxima, e a única que serviu para o efeito nos Países Baixos nas eleições de 2022, é a embaixada portuguesa em Haia, a quase 250 quilómetros de distância. Se quiser votar, terá então de dispor de tempo e dinheiro para, a suas expensas, ir, votar e regressar.

Antes de mais, uma declaração de interesses: o caso que apresento é de um filho. Dito isto, este é um assunto que sigo com interesse há vários anos e sobre o qual tenho vindo a escrever com alguma insistência, como é possível ver aqui, ou aqui.

Não sei quantos alunos portugueses estão a fazer a sua licenciatura em Maastricht. Ou mestrados, ou doutoramentos. Ali, ou em qualquer outra parte dos Países Baixos ou de qualquer outro país da União Europeia ou do mundo.

Não sei eu nem sabe ninguém. Pelo menos foi essa a resposta que chegou do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: "Informamos que o MCTES não tem essa informação". E, como que para se desculpar, o gabinete da ministra Elvira Fortunato acrescenta: "Estudantes que vão para o estrangeiro ou que lá residem não têm que o comunicar às autoridades nacionais".

Com efeito, não têm. Mas sabemos quantos estrangeiros estão a estudar em Portugal e qual a sua proveniência. Não deve ser difícil saber quantos portugueses estão no ensino superior no estrangeiro. Seria uma estatística fácil e com benefícios vários, até para desenhar políticas. E demonstraria interesse.

Mais, não só não deve ser difícil, como foi um os objectivos fixado logo em 2016 pelo ministro Manuel Heitor, que antecedeu Elvira Fortunato nos dois primeiros governos liderados por António Costa. Passaram sete anos e nada.

Mas todas as eleições a mesma história: os números da abstenção jovem são elevados e sucedem-se os pedidos dos políticos para se olhar para o problema, uma enxurrada de discursos sobre os "desafios da democracia" e a pergunta "porquê, porquê, porquê?". Depois, mais quatro ou cinco anos sem tocar no assunto, até à eleição seguinte.

Em 2022, nas eleições que deram maioria absoluta ao PS, a abstenção foi de 48,6%, com prevalência na faixa dos 18 aos 30 anos. No círculo Europa, que elege dois deputados para a Assembleia da República, a abstenção foi de quase 90%. Votaram 110.182 eleitores dos 926.205 inscritos. No círculo de Fora da Europa, que elege outros dois deputados, não foi muito diferente, dos 594.324 inscritos votaram 64.534. Não sabemos quantos destes são jovens, mas os números são arrasadores.

Pudera. Fazer quase quinhentos quilómetros para votar é sinal de muito amor à pátria. Muito mais amor do que esta, aparentemente, tem para dar. Existem cerca de 1,5 milhões de eleitores emigrantes recenseados - aqueles que têm morada estrangeira no Cartão do Cidadão (alteração que tem de ser feita, no limite, até 60 dias antes das eleição) -, mas no ano passado apenas foi possível votar em 150 localidades, apesar de haver portugueses espalhados por 186 países do mundo.

Uma nota apenas para reforçar que exemplos como o que dou no início não contam para a abstenção nos círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa, mas sim para a abstenção nacional, uma vez que é no país que estes eleitores estão recenseados. Mas a base do problema, os obstáculos ao voto, é a mesma.

Acredito que é possível montar um sistema de voto mais eficiente e seguro para todos os que estão no estrangeiro. O que não devia ser possível é continuar nesta senda esquizofrénica Dr Jekyll e Mr Hyde, olá problema, adeus problema, e nada de soluções. Que podem nem ser as melhores, mas têm de ser discutidas, implementadas e melhoradas. A menos, claro, que o poder político reconheça que não tem interesse algum em que os mais jovens (e emigrantes, já agora) exerçam o seu direito de voto.