6 de abril de 2011. Às oito horas da noite em ponto, as televisões generalistas abrem os noticiários com um directo do Palácio de São Bento. O primeiro-ministro José Sócrates, de gravata azul-acinzentada, com uma bandeira da União Europeia e outra de Portugal atrás, profere a frase que haveria de ficar eternizada nos anais da história: “er… ó Luís, vê lá na… se… como é que fico a olhar para os… assim fica melhor, ou fica melhor assim? … como é que acham melhor?”. Na altura, ignorava que - independentemente da pertinência da pose para as câmaras - já estava a ser transmitido para as casas dos portugueses. Portugueses que, nesse mesmo dia, já tinham intuído das declarações do ministro das Finanças que estava prestes a acontecer chatice. Meia hora depois da candura do directo involuntário, José Sócrates anunciava ao país com pesar que Portugal precisava de um pedido de ajuda externa.
Ponderando aquilo que os anos seguintes nos trouxeram, as perguntas que José Sócrates fez aos seus assessores naquela malfadada conferência de imprensa tiveram afinal, indirectamente, respostas cabais. Não, não estávamos bem assim. E não, não ficámos melhor assim. A situação financeira do país era dramática naquele momento, aquilo a que o país teve de renunciar para ultrapassar a crise foi claramente acima das possibilidades de sacrifício. Na altura, uma minoria de economistas via isso (espertos: como eram poucos, em princípio, os seus livros terão vendido bem); hoje, até o próprio FMI considera que a austeridade é um kink financeiro esquisito de quem gosta de apertar cintos e sufocar contribuintes.
Foram os anos da Merkel má, do “não somos a Grécia”, do “não sejam piegas”, do bom aluno, do “enorme aumento de impostos”, do vai-depressa-emigrante e do boom dos almoços de trabalho em marmita.
Entretanto, passou uma década, os tempos mudaram, a Merkel já não é má e convencionou-se até que vamos ter saudades dela, já nem sequer a Grécia é a Grécia, foram revertidas medidas da Troika (não todas), continuamos focados em ser o bom aluno (ao ponto de poupar em ano de COVID-19). Entretanto, a crise pandémica, furando o bote salva-vidas do turismo, veio accionar o trauma que muita gente foi desenvolvendo neste país: o de que, na verdade, vivemos em crise permanente.
Foram dez anos que passaram num instante, não tanto porque foram altamente prósperos e felizes, mas porque esbarrámos noutra crise depressa demais. A minha faixa etária, que viria a atingir a maioridade nos anos da Troika, lida ainda na idade adulta com obstáculos intransponíveis, no âmbito da habitação, do rendimento, da segurança no emprego. Objectivos que nunca foram propriamente tangíveis para esta geração e que provavelmente se tornarão ainda mais inalcançáveis quando os problemas financeiros criados no último ano ricochetearem. A Troika fez dez anos, o país é que parece já estar naquela idade em já não se cresce mais.
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