As eleições desta terça-feira em Madrid aparecem cada vez mais como um laboratório para a mudança profunda das dinâmicas políticas em Espanha.
Se a direita ganhar claramente, como antecipa a maioria das sondagens, as eleições madrilenas estão destinadas a apontar a via para a reunificação do eleitorado das direitas em torno do PP, com provável união de conveniência com a extrema-direita Vox e eclipse do partido Ciudadanos, que nunca soube fixar um discurso coerente. O Ciudadanos é um partido que, se não resistir à prova de Madrid, fica ameaçado de extinção.
Nesse cenário de a muito popular Isabel Diaz Ayuso, à cabeça de uma movida das direitas, ganhar por goleada, ela, voz fora do coro do PP, personalidade demasiado forte para se submeter à moderação do atual líder popular (Pablo Casado), fica lançada para vir a impor-se como líder do bloco da direita e, assim, presidente de um próximo governo de Espanha.
Isabel Ayuso, em movimento tático, forçou estas eleições antecipadas, após dois anos de mandato, por ter percebido que tem a atmosfera a favor. Ayuso como “presidenta” de Madrid liderou o desafio ao presidente do governo de Espanha, Pedro Sánchez, ao manter tudo aberto (bares, restaurantes, lojas) em Madrid, apesar de os números da pandemia recomendarem a prudência e o fecho decidido pelo governo central. A região de Madrid teve um quinto dos 75 mil mortos por Covid-19 em toda a Espanha.
Mesmo assim Ayuso recusou o “lockdown” e teve a opção legitimada no tribunal. Tornou-se a heroína da gente dos bares e dos restaurantes, juntou os jovens como força de apoio e também agrega o voto do eleitorado mais antigo de perfil conservador.
Como porta-estandarte de um “nacionalismo à madrilena”, Ayuso prepara-se para usar estas eleições em Madrid como trampolim para se impor como a figura principal das direitas e lançar-se à conquista do governo de Espanha.
Ayuso vive bem com a crispação. Foi ela, aliás, quem fez crescer a agressividade verbal da campanha, dominada pelos discursos de ódio e pela falta de discussão dos temas da vida da comunidade.
A campanha madrilena foi paupérrima em argumentos. Mas Ayuso leva a melhor na habilidade tática: escolheu como tema de campanha a defesa da liberdade, enquanto a esquerda caiu na armadilha de converter a campanha numa cruzada contra o fascismo. Não se discutiu outra coisa.
É de prever que estas eleições também tragam o começo de uma recomposição à esquerda, com o PSOE a neutralizar o parceiro Podemos, de Pablo Iglesias, com quem, manifestamente, se dá mal.
Pablo Iglesias arriscou deixar a vice-presidência do governo de Espanha para se lançar à conquista do governo de Madrid. As sondagens nunca lhe foram favoráveis e Iglesias passou ao discurso em que proclama que, para ele, vitória será impedir a maioria das direitas e evitar a entrada da extrema-direita no governo da capital espanhola. Iglesias arrisca muito nesta eleição.
As sondagens só lhe auguram 7% dos votos. O declínio (irreversível?) do Podemos é um tema para a discussão nos próximos tempos.
Há uma novidade à esquerda: Más Madrid, dissidência do Podemos de Iglesias, aparece com 16% nas intenções de voto, a escassos cinco pontos percentuais do PSOE. A candidata do Más Madrid, a médica cirurgiã Mónica Garcia é, a par de Isabel Ayuso, figura principal destas eleições. Entrou na campanha como uma desconhecida. Arrastou muitos jovens e muitas mulheres para a campanha. Mónica, no centro da esquerda moderada, que cultiva dialogar, é o refúgio dos eleitores à esquerda desiludidos com o PSOE e com o Podemos.
Esta campanha de Madrid teve muito envolvimento dos mais novos. Estes, dividiram-se entre o “discurso de liberdade” de Isabel Ayuso e o de resistência civilizada à extrema-direita que Mónica Garcia soube liderar.
É facto que as eleições desta terça-feira apenas envolvem a Comunidade de Madrid. Mas Madrid, para além de capital do Estado, é uma extensa região autónoma, com amplos poderes e, com 5 milhões de residentes, mais de 10% da população espanhola.
É da tradição que o que acontece eleitoralmente em Madrid venha a seguir a trasladar-se para o conjunto do Estado espanhol.
O que fica desta campanha que pode ser amostra do futuro em Espanha é inquietante: as mensagens populistas e os discursos de exclusão e de desrespeito pelo adversário sobrepuseram-se às ideias concretas.
Na Espanha que gosta de sair à noite, Madrid deve ser a cidade que melhor usa esse proveito. Isabel Ayuso soube tirar partido desse gosto madrileno. Ela opta pelo tudo ou nada nestas eleições. Há dois anos, o bloco das esquerdas superou o das direitas por 10 pontos percentuais. Ayuso tem por objetivo ser ela sozinha a conseguir agora essa vantagem. O PSOE somou em Madrid, em 2019, 27% dos votos. Sánchez já mostrou que sabe resistir (impôs-se aos barões do PSOE, incluindo Felipe Gonzalez) e tem como objetivo essencial manter o que já tinha.
Mas estas eleições, salvo surpresa que não é de excluir, são aquelas que vão decidir se há um ciclone Isabel Diaz Ayuso a avançar pelo poder em Espanha.
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