Nas eleições para os Órgãos Sociais do Benfica, que se realizam nesta quarta-feira, não vão a votos somente pessoas, projectos, percursos e propostas. Vai a votos, sobretudo, o interesse pelo futebol de muitas pessoas. Para muita gente, o Benfica é a única razão emocional para empenhar tempo, dinheiro e saúde mental no quasi-amador futebol português. Se se concluir que o Benfica está estagnado nas areias movediças do nosso futebol, incapaz de evoluir, de se renovar, de se expandir e de se libertar de uma teia de ligações perigosas, para muitos só restará uma drástica e indesejável decisão: desligar. Mas não é preciso desligar, ainda vamos a tempo de fazer reset.

Eu sou do Benfica - objectivamente - porque o meu pai e o meu avô eram do Benfica. Não há como negar que a genética ainda é a maior transmissora de benfiquismo que conhecemos. Acredito que, nos dias de hoje, não seja tão fácil transmitir benfiquismo como era há 25 anos. Por um lado, porque há uma diversificação de interesses, mas mais importante, porque não estamos a cultivar um desporto de que os nossos descendentes queiram gostar. Eu não quero um Benfica para os próximos quatro anos, quero um Benfica para os próximos quatro séculos. Quero um Benfica que se prepare para um futuro em que as grandes competições do futebol serão cada vez mais globalizadas, mas em que ao mesmo tempo o ressurgimento do associativismo local será essencial para a sua sobrevivência. Se querem que os filhos dos vossos netos sejam do Benfica, têm de exigir que ele não fique na mesma. Só dessa forma se interessarão pelo Benfica, só dessa saberão responder, com confiança, à pergunta "em que ano é que o Benfica foi fundado?" Pista: não foi em 2003.

Quem se candidata a eleições não quer dividir o Benfica, mas sim representar inúmeras vozes que durante anos não tiveram plataforma para pôr em causa a actual liderança. Quem divide o Benfica é quem quer calar essas vozes, ignorando a génese democrática do clube. Não vilifico quem está a pensar votar Vieira à hora a que lê esta crónica. É compreensível haver um receio face ao que é novo. Agora, há que admitir que chamar "gajo dos hambúrgueres" a Noronha é um ataque frágil, uma simplificação que desvirtua o projecto do candidato e que torna confortável a ideia de não pensar mais no assunto, como grande parte de nós tem feito em quase todas as eleições dos últimos 16 anos. No entanto, este acto eleitoral pede um pouco mais de reflexão. Estas eleições não são fast food, são um pequeno-almoço dos campeões, dos futuros campeões do Benfica.

Curiosamente, quem procurou pôr benfiquistas contra benfiquistas nas últimas horas foi um sportinguista. Se as presidenciais de 2016 nos EUA sofreram influência de Moscovo, este ano é a Amadora que procura interferir em actos eleitorais alheios. Jorge Jesus não gostou da saudável participação de Bernardo Silva na vida democrática do Benfica e chamou-lhe "ingrato". Jorge Jesus acusar Bernardo de ingratidão é como José Mourinho apontar soberba de alguém, Jurgen Klopp denunciar a informalidade de terceiros ou Zidenine Zidane criticar quem cabeceia adversários no esterno em finais de grandes competições. Em eleições para órgãos de clubes, já tinha visto candidatos a presidente a apresentar treinadores, nunca tinha visto treinadores a apresentar candidatos a presidente. Não me preocupa este favor de Jesus: só prova mais uma vez que é um bom funcionário, sempre disposto a fazer horas extra porque quem lhe paga ao fim do mês. Jesus defende Vieira com a mesma garra que defendeu Bruno de Carvalho e com a mesma tenacidade com que defenderia Pinto da Costa, no caso de vir a cumprir o sonho de estar ligado aos três grandes - um sonho que o seu presidente já cumpriu.

Nas eleições desta quarta-feira, eu voto Lista B, encabeçada por João Noronha Lopes. Em primeiro lugar, voto porque vejo nele inquestionável benfiquismo, algo que não deveria servir como forma de distinguir candidatos, mas que é um ponto válido para estas eleições. Voto porque tem um projecto abrangente e ambicioso, virado para o futuro e curioso com o passado, consciente da imensidão do Benfica e dos inerentes limites de poder que quem momentaneamente na história o dirige deve respeitar. Voto porque o Benfica não precisa de um presidente “menos mau”, mas de um melhor.

Não, não tenho “medo de um novo Vale e Azevedo”. Nem sequer foi Vieira que tirou Vale e Azevedo do Benfica: foram os benfiquistas. Não é a eternização do poder de Vieira que garante que o Benfica não é espoliado novamente. A mobilização dos sócios e o seu interesse pelo clube é que é o seguro contra todos os Vale e Azevedos. Precisamos de um presidente, não precisamos de um tratador de benfiquistas, que vocifera o comando “pedras da calçada” para que nós lhe obedeçamos a qualquer altura. As “pedras da calçada” é uma história tão gasta que nem às próprias faz chorar.

Circulou também a ideia de que retirar Luís Filipe Vieira da liderança do Benfica é entregar o Benfica às elites. Vieira pode ter crescido num bairro, mas hoje vive numa redoma. É presidente bairrista que goza do apoio declarado do primeiro-ministro. É um presidente bairrista com amigos na imprensa sempre dispostos a fazer-lhe entrevistas de vida sem perguntas incómodas ou a propor-lhe reportagens hagiográficas entre caminhadas no Seixal. É um presidente bairrista que reformula os festejos no Marquês para que inclua uma zona VIP, com grades que os bairristas não podem saltar.

O meu presidente do Benfica seria algo talvez demasiado idealizado. Tem de perceber de gestão, mas também tem de já ter desbaratado as suas finanças pessoais para ir ver o Benfica ao estrangeiro. Tem de ser pacificador, mas também quase levado um tabefe por ter cantado pelo Benfica. Tem de saber reter informação essencial, mas também ter saber de cor o nome do central Amoreirinha que alinhou no Benfica de Trapattoni (Eurípedes Daniel Adão Amoreirinha). Não sei se Noronha é esse presidente, mas se cumprir pelo menos um destes requisitos já terei mais uma razão para preferir o Lopes do Benfica ao Benfica de Vieira.

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