1. Bolsonaro é um crime ambulante. Crime de quem o elegeu como presidente, crime contra o Brasil, crime no mundo. Não é anedota, não é loucura, é crime.

Depois de amanhã faz um ano que o ex-presidente Lula da Silva está preso em Curitiba. Em Agosto estive lá, em frente e no interior da Polícia Federal. O homem que continua trancado no topo desse edifício, envelhecido, doente, viúvo, melhorou a vida de milhões de pessoas. Fez erros, más escolhas, foi casmurro, continuava a ser naqueles dias de corrida eleitoral, mas levantou todo um Brasil, com o génio de poucos. Para acabar condenado a 13 anos de prisão, numa história mal amanhada de um apartamento, por um juiz que hoje é ministro da Justiça do seu ex-rival.

Entretanto, esse ex-rival, agora presidente do Brasil, homenageia a ditadura, celebra a tortura de milhares, elogia milícias assassinas, extorsionárias, ensina crianças a atirar, e anda à solta pelo mundo a dizer que o nazismo era de esquerda.

Dilma foi derrubada por um golpe disfarçado de impeachment. Lula foi preso por um dos golpistas. Mas é para gente como Bolsonaro, violadores em série da Constituição e dos Direitos Humanos, que deviam existir impeachments e prisões. O mundo ao contrário.

2. Testemunho de um pai: “Sônia Maria Lopes de Moraes, minha filha, teve seu nome mudado após o seu casamento com Stuart Edgar Angel Jones, para Sônia Maria de Moraes Angel Jones. Ambos foram torturados e assassinados por agentes da repressão política, ele em 1971 e ela em 1973. Minha filha foi morta nas dependências do Exército Brasileiro, enquanto seu marido Stuart Edgar Angel Jones foi morto nas dependências da Aeronáutica do Brasil. Tenho conhecimento de que, nas dependências do DOI-CODI do I Exército, minha filha foi torturada durante 48 horas, culminando estas torturas com a introdução de um cassetete da Polícia do Exército em seus órgãos genitais, que provocou hemorragia interna.

Após estas torturas, minha filha foi conduzida para as dependências do DOI-CODI do II Exército, local em que novas torturas lhe foram aplicadas, inclusive com arrancamento de seus seios. Seu corpo ficou mutilado de tal forma, a ponto de um general em São Paulo ter ficado tão revoltado, tendo arrancado suas insígnias e as atirado sobre a mesa do Comandante do II Exército, tendo sido punido por esse ato.”

3. Calcula-se que pelo menos 50 mil pessoas tenham sido presas, no mínimo 20 mil torturadas, e outros milhares exiladas, desaparecidas, mortas durante a ditadura civil-militar no Brasil, instaurada por um golpe entre 31 de Março e 1 de Abril de 1964. O caso de Sônia foi um dos que li e partilhei, no dia do aniversário do golpe, esta semana.

Outro:

“Eduardo Collen Leite (1945-1970), o Bacuri, foi o preso político mais torturado durante a ditadura empresarial-militar brasileira. Foram 109 dias de tortura até seu brutal assassinato pelas forças militares em 8 de dezembro de 1970. Seu corpo foi encontrado no litoral de São Sebastião e seu estado era: orelhas decepadas, olhos vazados, dentes arrancados, inúmeras queimaduras e hematomas, dois tiros no peito e dois na cabeça.”

É este horror que Bolsonaro celebra, homenageando um torturador-mor. E quis celebrar oficialmente em 2019, apelando aos quartéis para homenagearem o aniversário do golpe.

4. Não resultou. Os quartéis não festejaram, que se saiba. E Bolsonaro, um criminoso cobarde, deve ter percebido com antecedência que o melhor era estar fora do país. Foi assim que o mundo assistiu a este fenómeno: muitos milhares de brasileiros saíram à rua em silêncio para homenagear os mortos, torturados desaparecidos da ditadura; enquanto isso, o presidente do país, que incitara à celebração dos carrascos, aterrava em Israel.

5. Em Jerusalém, Bolsonaro foi levado ao Yad Vashem, Memorial do Holocausto, que normalmente os convidados estrangeiros visitam. Se tivesse lido as placas lá, ou lido em geral, ou aprendido alguma coisa mesmo sem ler, saberia que o nazismo foi um movimento nacionalista, anti-semita, de direita. Ao contrário do que o seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, acabava de declarar numa entrevista. E quando, logo depois do Yad Vashem, um repórter brasileiro perguntou a Bolsonaro se concordava com as palavras do seu ministro, de que o nazismo foi de esquerda, Bolsonaro respondeu: “Não há dúvida. Partido Socialista… como é que é? Partido Nacional Socialista da Alemanha.”

Isto aconteceu, está gravado em vídeo, correu mundo.

“Fascismo e nazismo são fenómenos de esquerda”, garantira Araújo na entrevista, repetindo o que escrevera em 2017, antes de ser ministro.

Milhões de brasileiros votaram no pior do Brasil. O melhor do Brasil, que é tão grande, não merecia isto, e vai superá-lo. Mas, entretanto, o Brasil tem o pior presidente do mundo eleito em liberdade.

6. Que fez Bolsonaro em Israel, além de desmentir todos os historiadores? Negócios na área da “defesa e segurança”, eufemismos em que Israel é líder. E deu a Bibi Netanyahu — há dez anos no poder, e candidato à reeleição na próxima terça-feira — aquilo a que podemos chamar um aperitivo de embaixada.

Na campanha para a presidência, Bolsonaro anunciara que mudaria a embaixada para Jerusalém, como o seu ídolo Trump. Isso significaria reconhecer Jerusalém como capital de Israel, ao contrário do que diz a lei internacional, e a generalidade dos países. Mas o Brasil exporta bilhões por ano para os países árabes, que se insurgiram com o anúncio. Bolsonaro ficou num aperto. Por um lado os evangélicos, que ajudaram a elegê-lo, iam exigir a mudança. Por outro, os agro-negociantes, que ajudaram a elegê-lo, iam combater a mudança, para agradar aos clientes árabes.

Então Bolsonaro inventou “um escritório em Jerusalém para a promoção do comércio, investimento, tecnologia e inovação”. Diplomacia e política mantêm-se em Telavive, ou seja a embaixada, e Jerusalém fica com este rebuçado. Mas, para tranquilizar Bibi, Bolsonaro sempre foi dizendo: “Um grande casamento começa com namoro e um noivado, estamos no caminho certo.” E Bibi confirmou. Disse que seria o “primeiro passo” para a mudança.

Mas a diplomacia da era Bolsonaro não se fica por aqui. Para agradar à sua nova “namorada”, Israel, o Brasil votou na ONU contra uma condenação à ocupação dos Montes Golã, território sírio capturado em 1967 e ocupado desde então. Mais uma mão dada a Trump, um autêntico namoro a três, já que os EUA resolveram há dias ajudar a campanha de Bibi dando-lhe os Golã. Ou seja, reconhecendo a soberania de Israel, contra a generalidade do mundo.

7. Já num encontro com brasileiros residentes em Israel (mais de 70 por cento votaram nele), Bolsonaro voltou a defender o seu carrasco favorito, aquele que torturou Dilma, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. O mesmo que homenageara em 2016 durante a votação do impeachment, provando que a canalhice humana não tem fundo, pode sempre descer mais.

E, a propósito, a ditadura brasileira foi período fértil para os negócios de armas com Israel. Ou seja, Israel ajudou a armar a ditadura brasileira.

De resto, Bolsonaro fez questão de ser fotografado lá de semi-metralhadora, e voltou a defender o direito ao armamento de “cidadãos que querem se proteger e proteger suas famílias”.

8. Vários dos que o elegeram já parecem arrependidos. De Fevereiro para Março, Bolsonaro caiu 8 pontos nas sondagens de popularidade. Mas os estragos que este governo pode causar vão muito além das patacoadas que alimentam reacções nas redes.

Em entrevista anteontem ao jornal “Valor Econômico”, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, anunciou mudanças nos manuais escolares sobre o golpe de 1964, e a ditadura que o seguiu. Vélez diz que não foi um golpe, e sim uma “mudança de tipo institucional”. E que não foi ditadura, e sim um “regime democrático de força”.

Até Bolsonaro sair de cena, tudo será luta.