No dia 24 de janeiro, o povo saiu à rua. Bem, nem todo o povo. Tivemos 60% de abstenção. Ainda assim, mesmo contra todas as adversidades desta pandemia, é de louvar o número de pessoas que saíram de casa para exercer o seu direito/dever cívico de votar e abraçar a Democracia.
Nestas eleições presidenciais, mostrámos que continuamos a investir mais na importação do que na exportação e que não somos assim tão criteriosos. Importámos o que de pior existe lá fora: o discurso, ou melhor, a conversa de café de quem bebe umas “minis”, arrota e cospe para o chão. O insulto machista e gratuito que faz reparos constantes à imagem de adversários, onde quase se confunde o candidato com um “polícia da moda”.
Tivemos direito a uma delirante antevisão de boicote nas urnas e até, imagine-se, um quase fatal atentado com Smints, numa tentativa de deixar o hálito do candidato dos “portugueses de bem” mais fresco e talvez um bocadinho menos falacioso. Nenhum candidato dever ser agredido com que objeto for, mas chamar-lhe atentado pareceu-me me um tanto ou quanto exagerado.Enfim, tivemos a triste confirmação que 11,9% dos votantes prefere a gritaria de quem diz “o que todos pensam, mas ninguém tem coragem de dizer”, do que um real programa de futuro para o país. Aquela conversa do “está tudo mal e eles são todos corruptos”, que facilmente acende os ânimos de muita gente, mas que, depois de espremida, não deita sumo. Contudo, mesmo que nos possa ser difícil perceber o porquê de alguém ainda cair nesta cantiga importada, que já ouvimos tantas vezes e que a História já nos mostrou não acabar bem, temos de fazer o esforço de tentar compreender quem por ela se decide encantar.
Desde o 25 de Abril que somos governados, com mais ou menos coligações, pelo PS ou pelo PSD, ou até mesmo pelos dois no Bloco Central de 1983. Portanto, torna-se um pouco impossível atribuir a culpa a outros. A classe política tem vindo a afastar-se dos problemas reais das pessoas, parecendo mesmo que, quando fala no Parlamento ou juntos dos órgãos de comunicação social, está a falar para um público imaginário, seja pelos temas que aborda, seja até pela linguagem que utiliza que, tendo às vezes de ser protocolar, não toca no coração (ou preocupações) do português comum. A Justiça, que demora o que demora, deixa a sensação no ar de que “os do costume” saem sempre ilesos, façam o que fizerem. As portas giratórias continuam a rodar. As offshores continuam a existir e os nossos impostos a aumentar.
Tudo isto e muito mais estende o tapete a oportunistas a populistas que pegam neste descontentamento do povo, em grande parte legítimo, e começam a prometer soluções fáceis, coisa que situações difíceis nunca poderão ter. Começam a adoptar a tal linguagem simplista que os restantes não adoptam para chegar a toda gente. Demonstram a tão cativante atitude “anti-sistema” do nós contra eles. Mas desengane-se quem acredita e se revê nessas palavras. Os “salvadores da pátria” que se dizem contra os corruptos dos paraísos fiscais são os primeiros a trabalhar nas firmas que ajudam esses mesmos corruptos. Não são pelo povo, são contra o povo.
Voltando às presidenciais, tivemos Rui Rio a apontar uma clara derrota da esquerda. Alguém que lhe diga, se faz o favor, que o PS não apoiou oficialmente nenhum candidato e parte do PS apoiou, não oficialmente, o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Sou dos que concorda com a visão de que o Partido Socialista devia ter apresentado um candidato próprio ou mais tarde ter demonstrado apoio à candidatura de Ana Gomes.
Marisa Matias, manifestando-se a candidata contra as desigualdades e não só, tema de máxima urgência, revelou que um coração enorme, infelizmente, não basta. João Ferreira foi a grande revelação, o Homem do Jogo. Com um programa sempre coerente, um discurso articulado e de Constituição em riste mostrou que já poderia perfeitamente ser secretário-geral do PCP e que, se o partido comunista se quiser renovar e chegar aos mais jovens, é nele que devem apostar. Tiago Mayan, mesmo com a visível inexperiência mediática, mostrou estar à altura de defender as ideias liberalistas e, embora seja a antítese do que desejo para o país, creio que os liberais estiveram bem entregues. Vitorino Silva, com o seu estilo cáustico e metafórico, conseguiu dar um “show de bola”, ou neste caso, de pedras, explicando por miúdos que Portugal é de todos e para todos.
Chegamos assim ao grande e já esperado vencedor da noite, o reeleito Marcelo Rebelo de Sousa. Marcelo é “bicho velho” e tem, como se diz, muitos anos disto. Soube debater e amedrontar os seus oponentes com elogios e com aquela cara maquiavélica de Mr. Burns dos Simpsons, mesmo até quando aparecia de máscara.
O que retirar: a extrema-direita ainda vai durar, mesmo com a falsa promessa de demissão. Ainda vai crescer mais. Caminha para as legislativas. Já está normalizada através de comentadores e políticos.
Está na altura dos governantes que se dizem democráticos, sejam eles de esquerda ou de direita, saírem das suas bolhas e começarem a olhar e a atender às verdadeiras dificuldades dos portugueses antes que seja tarde demais.
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