A Catalunha foi hoje a votos, mas para nós deve ser dia de reflexão

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Hoje, a Catalunha acordou para eleger os seus representantes no parlamento regional. Estas foram umas eleições antecipadas por causa da inabilitação — decretada pelo poder judicial em setembro passado — do último presidente regional, o independentista Quim Torra. Tratou-se assim de um novo caso de um ato eleitoral organizado em plena pandemia.

A história do que tem sido o panorama político na Catalunha e a relação da região com o Governo central de Madrid — da gorada tentativa de independência em 2017 à já mencionada condenação de Torra — merece reflexão por si só.

O que estas eleições demonstraram foi um reforço da maioria dos partidos independentistas da Catalunha, apesar de o Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC-PSOE) ter sido o mais votado, fruto da sangria de votos dos constitucionalistas (que defendem a união de Espanha) do Cidadãos (direita-liberal) para os socialistas. Foquemo-nos, todavia, no ato eleitoral em si.

Perante a terceira vaga da pandemia em Espanha, o Governo regional e partidos catalães concordaram em adiar as eleições para 30 de maio, prevendo que nessa altura a covid-19 estivesse mais controlada. O decreto-lei dos catalães, contudo, foi anulado pelo Tribunal Superior de Justiça catalão, que manteve a data de hoje como a fixada para a votação decorrer.

Com os riscos da abstenção crescer e da legitimidade da eleição ser ferida, o Governo regional recorreu a várias iniciativas para garantir a participação dos catalães, como a organização de secções de voto ao ar livre, como aconteceu nas imediações do estádio do FC Barcelona.

A mais radical — e controversa —, contudo, foi mesmo a possibilidade de permitir que as pessoas infectadas com covid-19 ou em quarentena se deslocassem às urnas para votar, estabelecendo um horário específico para tal ocorrer, das 18:00 às 19:00, antes do fecho das urnas. Para além disso, os membros das mesas de voto tiveram equipamento de proteção completo para vestir nessa franja horária — ainda que muitos dos convocados se tenham tentado desvincular da obrigação de assegurar o funcionamento das mesas eleitorais

Ainda é cedo para fazer análises aprofundadas do sucesso destas medidas, mas já se sabe que a participação baixou dos históricos 78% de 2017 para 53% nestas eleições. Ou seja, a abstenção subiu de 22% para 47%.

Serve isto para fazer uma reflexão deste lado da fronteira. Depois das presidenciais, Portugal prepara-se este ano para mais um processo eleitoral, com as autárquicas a ocorrerem entre setembro e outubro. 

Cada eleição tem um contexto único, há que ressalvar, e a abstenção de 54,55% — a mais alta de sempre na escolha do chefe de Estado — destas presidenciais explica-se não só pela pandemia, como também por ser uma reeleição onde se esperava a vitória de Marcelo e devido à atualização dos cadernos eleitorais da diáspora nacional.

As autárquicas são, por natureza, sempre o processo eleitoral mais concorrido. No entanto, nem isso afasta o fantasma da abstenção e é por isso que, a quase meio ano de distância, o tema do adiamento foi colocado na agenda pelo PSD, que entregou no Parlamento um projeto-lei que prevê um "regime excecional e temporário" para a sua realização.

Recordemos: de acordo com a lei eleitoral para os órgãos das autarquias locais, estas eleições são marcadas "por decreto do Governo com, pelo menos, 80 dias de antecedência" e realizam-se "entre os dias 22 de setembro e 14 de outubro do ano correspondente ao termo do mandato". Segundo a proposta dos sociais-democratas, as eleições seriam marcadas entre 22 de novembro e 14 de dezembro.

A iniciativa foi rapidamente rejeitada pelos outros partidos com assento parlamentar, sendo apelidada de exagero por uns, e de ter motivações políticas por outros, sendo recordado que, a contar com o plano de vacinação do Governo, 70% da população já estará vacinada nessa altura, facilitando isso a participação eleitoral.

Como foi referido ontem, contudo, dados os atrasos na vacinação, não é certo que esse plano possa ocorrer com sucesso até ao final do verão. Por isso mesmo, olhando para a iniciativa do PSD, há risco de se estar a olhar para o mensageiro em vez de para a mensagem.

É preciso não esquecer que a organização das eleições presidenciais foi duramente criticada porque não se acautelou o voto por correspondência ou eletrónico para quem estivesse a cumprir quarentena ou estivesse infetado em casa nem se foi a tempo de criar mecanismos legais para um possível adiamento.

Para estas autárquicas, temos o benefício do tempo para pensar qual a melhor forma de garantir que as eleições ocorram com a maior participação possível e o mínimo risco sanitário. Não o desperdicemos.

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