Rita Marques, entre o 'nojo' e a parede

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

Depois de ter deixado o Governo em novembro de 2022, depois de divergências com o ministro António Costa Silva, em torno da questão de uma descida transversal do IRC, Rita Marques voltou a ser notícia no início de 2023 depois de um comunicado de imprensa enviado pelo The Fladgate Partnership, uma holding que possui negócios no vinho do Porto, turismo e distribuição - cuja “empresa fundadora do grupo é a Taylor’s, que data de 1692”-,  indicava que a antiga secretária de Estado do Turismo ia assumir funções como membro do Conselho de Administração do grupo ,"com a responsabilidade sobre a divisão dos Hotéis e do Turismo, ficando à frente da gestão das seguintes unidades: o World of Wine, o quarteirão cultural de Gaia, as caves da Taylor’s e da Fonseca, o hotel The Yeatman, o Vintage House no Douro, o Hotel da Estrela e o Palacete Chafariz d’El Rei em Lisboa, incluindo ainda, o Museu do Vitral, o Ferry no rio Douro e os 20 restaurantes do grupo”.

Além disso, “a juntar a esta carteira, estará também o novo hotel de luxo, que nascerá em Vila Nova de Gaia no final de 2024, e as lojas na baixa portuense”.

Os problemas vieram nos dias seguintes, quando foi revelado pelo Observador que, apesar de a lei prever um período de nojo de três anos, Rita Marques ia administrar a The Fladgate Partnership, que detém a World of Wine (WOW), uma empresa à qual, enquanto secretária de Estado, concedeu o estatuto definitivo de utilidade turística e aprovou apoios num montante que ultrapassa os 30 milhões de euros.

De acordo com a lei, "os titulares de cargos políticos de natureza executiva não podem exercer, pelo período de três anos contado a partir da data da cessação do respetivo mandato, funções em empresas privadas (...) relativamente às quais se tenha verificado uma intervenção direta do titular de cargo político".

Em resposta à SIC Notícias, Rita Marques afirmava estar “absolutamente segura das decisões tomadas enquanto secretária de Estado” e, também, “das que toma na esfera privada desde que deixou o Governo”.

Rapidamente vieram acusações de várias esferas. O líder do Chega acusou a ex-secretária de Estado do Turismo de “flagrante falta de ética” e de imoralidade, a Frente Cívica disse ter pedido ao Governo que retire o estatuto de utilidade turística dado por Rita Marques à empresa WOW, uma posição também defendida pelo Bloco de Esquerda e pelo PAN, e a nova bastonaria dos advogados defendeu que o caso deve ser “devidamente investigado” e “devidamente sancionado”.

As críticas vieram inclusive do próprio Partido Socialista. A deputada do PS, Alexandra Leitão, afirmou que a ex-secretária está a violar, frontalmente, a lei e o partido. Já Eurico Brilhante Dias, porta-voz parlamentar, disse recusar vincular-se à conduta da ex-secretária de Estado do Turismo, salientando que quem exerce cargos políticos tem obrigações “antes, durante e depois” de assumir esses lugares e que a lei é para cumprir.

À medida que surgem as pressões para que a Procuradoria-Geral da República intervenha e investigue o caso, António Costa disse esta quarta-feira no Parlamento ter "99,9%" de certeza de que "é ilegal" a ex-secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, passar a exercer funções numa empresa do setor que tutelou e "não corresponde à ética republicana".

Durante o debate sobre política geral na Assembleia da República, o primeiro-ministro foi questionado pelo líder do Chega sobre a situação que envolve Rita Marques, que "decidiu sair do Governo e ir para a empresa à qual tinha concedido benefícios fiscais", com André Ventura a confrontar Costa com a "ilegalidade da situação", da qual disse ter a certeza.

António Costa disse não se rever na atitude de Rita Marques e afirmou também estar certo a "99,9%" da ilegalidade da situação.

"O que eu fiz, quando li a notícia, foi pedir ao secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros para falar à doutora Rita Marques, chamando a atenção para as limitações legais existentes, perguntando-lhe se tinha atribuído algum benefício de natureza contratual, seja de natureza fiscal, seja de incentivo financeiro, se tinha praticado algum ato relativamente àquela empresa e ela entendeu que estava a coberto da lei. Não é a interpretação que eu faço", salientou, apontando que as “autoridades competentes farão a interpretação que quiserem”.

O chefe de Governo disse também não ter "a menor das dúvidas de que não corresponde à ética republicana alguém sair do Governo e ir exercer funções numa empresa relativamente à qual agiu diretamente".

"Relativamente ao comportamento da pessoa que serviu neste Governo, e no Governo anterior, como secretária de Estado do Turismo, aquilo que fez do meu ponto de vista é ilegal e não corresponde ao meu entendimento da ética republicana", defendeu.

André Ventura questionou ainda “se o Governo está disponível para revogar os benefícios fiscais que foram atribuídos à empresa para que vai trabalhar Rita Marques?”, tendo o primeiro-ministro respondido que, do que tem conhecimento, “não há por parte de Rita Marques qualquer benefício fiscal que tenha sido atribuído aquela empresa”.

“Quem conheça o hotel, quem conhece aquela unidade, não me parece inverosímil que lhe tenha sido atribuída a utilidade turística, e portanto não estabeleço uma relação entre uma coisa e outra”, acrescentou.

Desafiado por Catarina Martins a mostrar disponibilidade para reavaliar o despacho assinado pela antiga secretária de Estado do Turismo sobre a empresa para a qual vai trabalhar, o primeiro-ministro respondeu da seguinte forma: “Se a questão que coloca é: vão lá verificar outra vez se aquele estabelecimento merece mesmo utilidade turística, com certeza, não me custa nada voltar a fazer, solicitar ao senhor ministro da Economia e do Mar que o novo secretário de Estado proceda à reavaliação em função da factualidade apurada pelo instituto de turismo”.

António Costa, na primeira resposta à líder bloquista, tinha começado por ressalvar que deste caso “não retira a conclusão de que o Governo deva anular um despacho” porque este “não é ilegal, o que é ilegal é a doutora Rita Marques ter ido trabalhar para a empresa depois de ter feito esse despacho”.

“Registo que o senhor primeiro-ministro acha que esta contratação e a atitude da ex-governante são absolutamente contra a lei, tem toda a razão. A minha pergunta é se o Governo não precisa de reavaliar este despacho e se não precisa de o anular ou pelo menos de o suspender”, questionou a líder do BE a propósito do caso da antiga secretária de Estado do Turismo.

Em causa, de acordo com Catarina Martins, está o despacho assinado no dia 21 de janeiro do ano passado, "a nove dias das eleições legislativas", pela então governante que atribuiu a utilidade turística definitiva à 'World of Wine', permitindo benefícios fiscais à empresa para onde irá agora trabalhar depois de ter saído do executivo.

Os próximos dias serão fulcrais para o esclarecimento do caso, tendo em conta que, de acordo com o comunicado do grupo The Fladgate Partnership, Rita Marques irá começar a trabalhar como administradora no dia 16 de janeiro.

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