Páscoa: A Igreja deve meter-se na política?

Beatriz Cavaca
Beatriz Cavaca

A Páscoa é sempre um momento importante no calendário Católico e motivo para discursos dos principais representantes da Igreja.

Este ano, o patriarca de Lisboa, Rui Valério, afirmou que Portugal tem de “reencontrar força e vontade para superar as suas dificuldades” para “vencer uma certa paralisia de que sofre”, recordando o 50.º aniversário do 25 de Abril.

“Há precisamente 50 anos, e em pleno tempo pascal, [Portugal] saiu à rua para operar uma mudança que trouxe a democracia e deu voz e vez ao povo. Hoje, Portugal tem de ir novamente à fonte da ressurreição e reencontrar força e vontade para superar as suas dificuldades”, alertou na homilia da Missa de Domingo de Páscoa.

Salientou também que o país tem de “vencer uma certa paralisia de que sofre, provocada pela habituação acomodada e, não raro, pela resignação” e lembrou a “Páscoa da Ressurreição de Jesus” como uma “fonte de inspiração” para os povos e nações, para que esses “empreendessem renovadoras revoluções, ou profundas transformações no seu tecido social e político”.

No campo da atualidade política, também o Bispo do Porto, D. Manuel Linda, aproveitou a quadra e a atualidade nacional para fazer comentário político. Em entrevista ao Jornal de Notícias, afirmou que: "A Igreja tem de se meter na política".

"Não pelos seus bispos, nem pelos seus padres porque isto seria andar para trás dezenas ou centenas de anos, mas tem de se meter pelos seus cristãos. E são eles que vão formar uma mentalidade de acordo com o Evangelho. Não no sentido religioso, em impor uma religião, mas no sentido do vigor dos direitos humanos, na luta contra a corrupção, todas as formas que são desestruturantes da nossa sociedade. Não sou apologista de que se eliminem ou que se inviabilizem determinados partidos extremistas de um lado e do outro. Mas podem-se menorizar os extremismos a partir de algo que seja uma força impulsionadora e que arraste as pessoas para o bem comum. Os cristãos, na política ou nos partidos democráticos que já existem, ou noutras instituições que venham a criar, devem ter um grande projeto que anime a sociedade e o Estado à virtude da esperança, para que o futuro seja mais coeso e nos leve a caminhar numa dimensão mais humanista", acrescentou.

Sobre os resultados das Legislativas de 10 de março, o clérigo admitiu não esperar este resultado. "Não imaginava que alguns partidos tivessem o crescimento que tiveram e imaginava que os partidos estruturantes nestes 50 anos de democracia, aqueles que já vêm do 25 de Abril, tivessem mais apoio popular", disse.

A questão da Igreja na política não é nova. Já em fevereiro deste ano, um mês antes das eleições Legislativas, o cardeal Américo Aguiar afirmou que "a Igreja se deve pronunciar sobre as questões políticas, não se deve pronunciar sobre as questões partidárias".

"Defendo que os católicos devem envolver-se em todos os partidos", referiu em entrevista à agência Lusa o bispo de Setúbal, para quem “um católico, se se identifica com o partido A, com o partido B ou com o partido C, deve-se envolver e empenhar para dar a esse projeto a sensibilidade cristã, católica, que possa daí derivar”.

Na mesma entrevista ao Jornal de Notícias, D. Manuel Linda aproveitou também para falar sobre o acordo previsto para abril sobre a indemnização financeira a vítimas de abuso sexual.

"Na Conferência Episcopal de abril, vamos finalmente chegar a acordo sobre isso. Sobre a forma de compensar financeiramente" as vítimas de abuso sexual, adiantou.

Muito criticado por ter dito que não se justificava uma comissão para investigar os abusos na Igreja católica — "Ninguém cria uma comissão para estudar os efeitos do impacto de um meteorito na cidade do Porto. É possível que caia aqui um meteorito? É. Justifica-se uma comissão dessas? Porventura, não" —, D. Manuel Linda pediu desculpa em 2022 pelas palavras e reitera que "jamais esteve em causa a condenação radical dos abusos".

"Estava convencido de que, com as estruturas que já tinha na diocese, podia resolver todos os problemas que surgissem", explica. Agora, assume ter ficado surpreendido com a dimensão dos abusos em Portugal.

"Mas não tenho ilusão, isto aconteceu com todos. O Papa Francisco, por exemplo, a respeito daquilo que aconteceu no Chile, ele próprio diz que estava longe de imaginar de facto a profundidade do problema e a sua extensão. Tenho de dizer que também fiz uma aprendizagem a partir dos casos que iam sendo revelados", disse nesta entrevista.

Esta é uma "ferida que dói, dói muito" na igreja, mas, defende, "agora, esta ferida aberta é o indispensável para que se deite lá os antisséticos, para que ela seja curada", refere.

Recorde-se que pelo menos 12 vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa já avançaram com pedidos de indemnização.

Segundo a nota enviada à comunicação social em março deste ano pelo Grupo Vita, estrutura coordenada pela psicóloga Rute Agulhas, “diversas pessoas mantêm um processo de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico regular, sendo que 12 solicitam uma reparação financeira”.

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