A Associação Nacional de Aeronáutica, Espaço e Defesa (AED) organiza a sua 4ª conferência anual esta semana, a 27 e 28 de outubro, no Instituto da Defesa Nacional. A AIR DAYS junta em Lisboa empresas e investigadores do setor aeronáutico a nível nacional e internacional. E vai desafiar as pessoas a olhar mais para o céu.

Números redondos para que se perceba a importância do Espaço, Defesa e Aeronáutica, revelados pela AED Portugal: 1,72 mil milhões de euros de volume de negócio, 18.500 empregos. Crise? Existe, mas não neste setor que já vale perto de 1% do PIB português, e onde a exportação é determinante (87%). A AED acredita que este setor podem trazer à economia nacional aquilo que a Autoeuropa trouxe na década de 90. Para isto, conta com duas fábricas em Évora, apadrinhadas pela brasileira Embraer.

A AED é uma Federação Nacional das 3 associações setoriais: Aeronáutica (Associação Portuguesa da Indústria Aeronáutica - PEMAS), Espaço (Associação Portuguesa das Indústrias do Espaço - PROESPAÇO) e Defesa (Associação das Empresas da Defesa, Armamento e Novas Tecnologias - DANOTEC), tendo sido constituída em 2014. Parte da AED Portugal é composta por empresas como a Embraer/OGMA, Caetano Aeronautics, Fibre Sensing, ou Active Space.

O setor verifica um crescimento galopante, o que para João Romana, representante da AED Portugal, “era algo impensável” há dez anos.

Não é preciso recuar muito para perceber que nem sempre foi assim. Em meados dos anos 2000, existia um número reduzido de empresas e estas trabalhavam essencialmente para o Estado e com uma visão pouco periférica. Hoje, estão envolvidas cerca de 68 entidades, entre PME’s, organismos públicos, grande indústria e universidades e já pouco se está – se é que ainda faz sentido – a olhar “para dentro”. O setor emprega perto de 19.000 pessoas e têm reconhecimento internacional de agências como a Agência Europeia de Defesa (AED) ou a Agência Espacial Europeia (ESA).

“Há pouco mais de dez anos, este setor em Portugal era constituído por meia dúzia de empresas. Hoje, somos críticos para o crescimento da economia nacional, temos um efeito multiplicador muito elevado, contratamos trabalho altamente especializado e contribuímos de forma decisiva para criar valor acrescentado”, disse José Rui Marcelino, Presidente da PEMAS e AED Portugal, num evento para jornalistas organizado a semana passada.

A AED Portugal foi criada para “explorar as complementaridades e sinergias entre as associações” que representa e defende “os interesses dos membros junto dos centros de decisão nacionais e da União Europa”, explicou João Romana, afirmando ainda que as expectativas apontam para um crescimento do setor aeroespacial na casa do 45% nos próximos 30 anos.

Mas o retorno financeiro não se fica por aqui. Há milhões no Espaço. E não só de estrelas, mas também de euros. Segundo a AED Portugal, uma avaliação feita em 2011 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), avançava que por cada “euro investido pelo governo português na ESA, existia um retorno de 2 euros na economia nacional”. Atualmente, diz a Federação, o retorno é “bastante maior” e tem a possibilidade de ser aumentado se existir uma seleção dos investimentos cuidada e estratégica no futuro.

“Queremos manter os cérebros em Portugal. Não vamos dar formação e gastar milhares de euros na sua educação para irem alimentar empresas internacionais”. Neto da Silva

Na Defesa, Portugal é procurado, por exemplo, pelos mercados do sudeste asiático. No seguimento do crescimento económico chinês, e também por questões geopolíticas, países como Singapura ou Indonésia tendem a fazer um investimento militar maior e recorrem ao nosso mercado. É um nicho importante para a economia e nas contas das exportações.

“As nossas tecnologias não são de topo, são intermédias, ou seja, podem ser replicadas em 10 ou 15 anos”, explica José Cordeiro, Presidente da DANOTEC.

Por seu turno, o setor espacial ganhou novo folgo quando, em 2003, foi criada a PROESPAÇO, uma associação empresarial, sem fins lucrativos, após adesão de Portugal à Agência Espacial Europeia (ESA). A participação e contribuição portuguesa para a exploração do Espaço está em elevadíssimo patamar. A parte térmica da Schiaparelli, a sonda europeia ExoMars, por exemplo, foi desenvolvida, produzida e integrada pela empresa portuguesa HPS, com sede no Porto.

É neste âmbito que António Neto da Silva, Presidente da PROESPAÇO, destaca o dinamismo que se pode encontrar no setor e que está impulsionar o interesse dos mais jovens por estas áreas.

Neste contexto, no presente ano letivo, verificou-se igualmente algo inédito: o curso de Medicina não teve a nota mais alta de entrada. O curso, lecionado pela Faculdade de Medicina, da Universidade do Porto, perdeu o primeiro lugar para Engenharia Aeroespacial, no Instituto Superior Técnico, na Universidade de Lisboa.

Coincidência? Neto da Silva, acredita que não. Uma das preocupações da AED Portugal é mesmo essa.

“Queremos manter os cérebros em Portugal. Não vamos dar formação e gastar milhares de euros na sua educação para irem alimentar empresas internacionais”. E segundo o próprio, “estamos a conseguir manter estes cérebros cá”.

Em entrevista à Económico TV, o responsável explica que o setor do Espaço está em franca expansão e é atualmente um dos principais motores económicos e tecnológicos, “transversalmente presente na nossa vida quotidiana”.

O cidadão usa a tecnologia espacial quando usa o telemóvel, faz uma transação financeira, apanha um avião ou simplesmente liga o GPS do seu dispositivo móvel. Mas não só. É através da monitorização por satélite e graças às tecnologias espaciais que existe um suporte que fornece apoio à ajuda humanitária, polícia marítima, agricultura ou vigilância de fronteiras.

Ganhar asas em Évora

A construir aviões, a par da brasileira Embraer, só Air Bus (com sede em Toulouse, França) e a norte-americana Boing. É a terceira maior construtora mundial de aeronaves comerciais. Em 2012, o Presidente da Embraer Portugal, Paulo Marchioto, disse ter escolhido Portugal para construir duas fábricas devido “aos recursos humanos altamente qualificados”, e porque Évora “reune muito boas condições e qualidade de vida”.

O investimento inicial foi de 180 milhões de euros e serviu para construir um centro de engenharia e tecnologia, sendo que tudo aquilo que produz é para exportar – maioritariamente para o Brasil, a casa-mãe da construtora.

Em junho, durante o Embraer Media Day, Marchioto, revelava um novo investimento global de 93,6 milhões de euros nas fábricas situadas na região alentejana que, segundo avança o Jornal de Negócios, tem o objetivo de “equipar as unidades para a produção em série dos E2, a nova geração de aviões comerciais E-Jets da construtora”.

Escreve ainda o Negócios que, na fábrica de estruturas metálicas, o investimento é de 63,6 milhões de euros, prevendo criar 199 novos postos de trabalho. Na unidade de compósitos, o investimento é de 30 milhões de euros, com 63 novas vagas de emprego. Em ambos os casos, estes postos de trabalho são diretos e permanentes, e espera-se que estejam preenchidos até ao final de 2018.

Mas será Évora a nova Palmela e o setor da aeronáutica a nova industria automóvel? António Neto da Silva, um dos negociadores da vinda para Portugal da Volkswagen e que conhece bem o projeto que ficou conhecido como Autoeuropa, não tem dúvidas.

“O setor de Aeronáutica, Espaço e Defesa é hoje o que pode aportar a Portugal em termos de mudança de estrutura de exportação, o que a Autoeuropa fez na altura”, justificou.

Recorda ainda que, durante esse período de negociações, havia a convicção de que a Autoeuropa iria conseguir um acréscimo de dois pontos percentuais no PIB português. Dessa forma, explica, Portugal não “estaria tão dependente do setor têxtil, calçado e vestuário” em matéria de exportações.

Air Days

Hoje, quinta-feira, durante a conferência Air Days, são discutidas formas de “dinamização e promoção de atividades do setor, para dar a conhecer a Aeronáutica, Defesa e Espaço, os seus intervenientes, os seus projetos e associados”.

Amanhã, dia 28, os participantes vão fazer uma visita às fábricas da OGMA e EMBRAER, assim como às instituições de ensino e Parques Tecnológicos da região.

Mas o ponto alto será durante cerimónia protocolar de assinatura do “acordo histórico” entre Portugal e o Clean Sky, visando a exploração sinérgica de fundos europeus (Clean Sky) e nacionais (PT2020).

No meio deste acordo está o projeto PASSARO, que arrancou em julho e tem como objetivo desenvolver e testar materiais, de forma a integrar tecnologias inovadoras que permitam melhorar a segurança, eficiência e a sustentabilidade das aeronaves. Este projeto foi aprovado no âmbito do programa de financiamento Clean Sky 2, uma parceria público-privada entre a Comissão Europeia e empresas europeias do setor aeronáutico. É também uma resposta direta aos Estados Unidos.

Projeto PASSARO

Mas em que consiste e porque é tão importante para que se seja conotado como “acordo histórico”? Primeiro, é necessário fazer a distinções.

“O projeto PASSARO é um projeto de Investigação e Desenvolvimento contratualizado com o CS2 (Clean Sky 2) e que se iniciou em julho de 2016 com uma duração de 4 anos”, começa por explicar Margarida Pinto, Engenheira Responsável do Departamento de Investigação e Desenvolvimento da ISQ.

“O Acordo (MoU) com o CS2, assinado durante o AED Days, no dia 27 de outubro, não está relacionado diretamente com o projeto PASSARO. Trata-se de um acordo que tem sido discutido entre o Estado Português e o CS2 no sentido de alinhar os interesses estratégicos para a Investigação e Desenvolvimento da indústria aeronáutica, por forma a otimizar a utilização dos fundos Europeus e dos fundos estruturais através do PT2020”, explica.

O Clean Sky visa o desenvolvimento tecnológico europeu e pretende apostar na inovação em áreas prioritárias, incluindo a aeronáutica. De 2007-2013, a Comissão Europeia e 12 membros fundadores (empresas líderes no setor) iniciaram a Empresa Tecnológica Comum Clean Sky, com base numa parceria público-privada, com o objetivo de sustentar a competitividade e a liderança da indústria aeronáutica europeia. No âmbito do projeto europeu Horizonte 2020 (2014-2020), a Clean Sky evoluiu, crescendo em orçamento e ambição.

A participação de Portugal e do cluster aeronáutico português num projeto deste tipo vai ajudar “na promoção e visibilidade das suas capacidades e excelência tecnológica na cadeia de fornecedores a nível internacional”.

Mas que tipo de trabalho se vai desenvolver no Projeto PASSARO e qual é o real interesse? Neste projeto em concreto, e dentro da ISQ, está a fazer-se o desenvolvimento de novos materiais que visam ser utilizados nas aeronaves com o intuito de aumentar, por exemplo, a resistência ao impacto, ruído ou cargas elétricas.

Explica Margarida Pinto que “esta resistência será validada através simulações e ensaios estruturais (que comprovam a resistência dos materiais), visando ainda a incluir sistemas de diagnóstico do estado das estruturas da aeronave”.

Em resumo, o projeto PASSARO serve para testar e desenvolver novos materiais, que “visam atenuar o impacto que aves e quedas de raios têm numa aeronave e, desta forma, aumentar a segurança e a eficiência dos processos de produção de estruturas”.

É aqui que entra o chamado Design Thinking, aplicado à arquitetura de cockpits.

Está também em causa “a produção das próprias estruturas das aeronaves utilizando novas tecnologias, digitais e robóticas". Além disso, o projeto pretende a "ecoeficiência desta produção (reduzir o consumo de energia, água a matéria-prima, os desperdícios e a sua reutilização), baseada nos conceitos da Industria 4.0 (a quarta revolução industrial, já com as fábricas inteligentes e a ligação destas à Computação da Nuvem).

O Projeto PASSARO apresenta um orçamento de 5,6 milhões de euros e um financiamento de 4,5 milhões, e conta com 11 parceiros, com um total de esforço mínimo de cerca de 30 pessoas a tempo inteiro durante 4 anos.

E qual é o papel da ISQ neste projeto? A ISQ é um dos parceiros coordenadores do consórcio Ibérico do projeto PASSARO, liderado pela Caetano Aeronautic, juntamente com o INEGI e AERTEC, sendo responsável por todos os ensaios estruturais previstos no projeto, embora envolvido em muitas outras atividades ao nível da qualificação de processos e ecoeficiência.

E se acha que "estas coisas nunca acontecem na vida real", vale a pena recordar o caso do piloto Chesley “Sully” Sullenberger que, em 2009, salvou 155 vidas no rio Hudson.

O avião da US Airways que ia fazer uma rota entre o Aeroporto LaGuardia, em Nova Iorque, e o Aeroporto Internacional de Charlotte/Douglas, na Carolina do Norte, amarou no rio Hudson, seis minutos após ter descolado.

O Airbus A320, ainda a ganhar altitude, foi atingido por um grupo de aves, o que resultou na perda praticamente imediata dos dois reatores. O avião conseguiu amarar no rio Hudson sem que nenhum dos passageiros sofresse qualquer dano físico.

A proeza foi tal que chegou este ano às salas de cinema.