Seja para procurar financiamento, fazer networking, promover a própria empresa ou simplesmente trocar ideias com outras pessoas, o cariz social da Web Summit é a pedra basilar do evento. A possibilidade de uma startup se tornar um “unicórnio” através de uma conversa é um dos mais fortes motivos para as romarias de empresários a Lisboa para esta cimeira de empreendedorismo e tecnologia.
Neste ano, porém, tal não vai ser possível, pelo menos não presencialmente nos pavilhões da Feira Internacional de Lisboa. Tendo a pandemia inviabilizado qualquer possibilidade de realizar-se um evento físico, a organização tornou esta Web Summit totalmente virtual, remetendo os participantes para janelas digitais a partir do conforto do seu lar.
A possibilidade de realizar conversas “tête-à-tête” com outros participantes, todavia, não foi descurada. Quem tenha assistido às conferências do primeiro dia certamente deparou-se com os anúncios entusiastas de Filomena Cautela — a apresentadora aqui tornada anfitriã do evento — quanto ao Mingle, uma funcionalidade criada para permitir conversas.
O nome não foi escolhido ao acaso, já que é um verbo em inglês que significa qualquer coisa como “andar a falar com pessoas num evento social”. O seu formato é simples e o design remete para as famosas salas de chat de websites como o Omegle ou o Chatroulette. Aqui, porém, a possibilidade de encontrar pessoas em figuras indecentes é bem menos provável.
O algoritmo junta dois participantes para falar durante apenas três minutos, nem mais nem menos, para falar através das suas webcams. Durante esse período, os intervenientes explicam ao que vêm e, se houver consentimento entre as duas partes, podem sempre trocar contactos para prosseguir a troca de ideias, ou, quem sabe, as negociações.
Para fomentar esta partilha entre os vários intervenientes, a Web Summit estabeleceu horários na sua programação para que quem queira experimentar o Mingle não perca as conferências que se sucedem a ritmo contínuo: hoje e amanhã, as chamadas “mingle hours” vão ocorrer entre as 11:00 e as 12:00, entre as 16:00 e as 17:00 e entre as 20:00 e as 21:00.
O SAPO24 decidiu experimentar esta funcionalidade durante o primeiro dia do evento e fê-lo até antes das ditas “mingle hours”. Como resultado, por ter ocorrido numa fase em que decorriam várias conferências em simultâneo, presume-se que a utilização do Mingle tenha sido menor, já que foram precisas várias tentativas até conseguir entrar em contacto com alguém.
Desde ser emparelhados com utilizadores com o ecrã preto e sem ser audível o que diziam a ser ligados com uma utilizadora cuja chamada caiu durante três tentativas seguidas antes sequer de ser possível trocar uma palavra, houve alguns entraves para tentar fazer “Mingle”.
A primeira tentativa frutífera ocorreu com Valeriy, um empreendedor ucraniano a estrear-se na Web Summit online, e a conversa que teve connosco também foi a sua primeira do dia. Não podendo partilhar o seu feedback quanto a interações prévias, disse o que espera do evento.
"As minhas expectativas passam por criar networking com pessoas com quem posso partilhar as minhas ideias de negócio. Estamos a fazer um produto para o mercado dos EUA, já que estamos a dominar o nosso mercado local na Ucrânia”, explicou, contando que a sua empresa é uma startup que cria soluções de Inteligência Artificial.
No entanto, apesar de ser apenas a sua primeira interação, Valeriy desde logo previu um problema que viria a ser mencionado por outros utilizadores. Se por um lado, considerou ser “muito bom encontrar tanta gente em tão pouco tempo”, por outro disse que “a relevância das pessoas que encontramos aqui” podia ser melhorada, dizendo-se mais interessado em pessoas da sua área. Por outras palavras, interessava-lhe mais ocupar o seu tempo a falar com clientes ou investidores do que com jornalistas, uma queixa que se compreende.
Tal problema viria a ser exposto de forma mais eloquente por Tolga, participante oriundo da Turquia e que deu uma gargalhada bem-disposta quando descobriu que estava a ser entrevistado através do Mingle.
"O matching podia ser melhor, porque há demasiadas startups a falar umas com as outras e eu estou à procura de investidores, não estou a encontrar nenhum", disse a propósito da sua empresa. O problema, sublinha, “são as alíneas quando nos estamos a registar" no evento.
No processo de inscrição para a Web Summit, cada participante — seja orador, participante ou jornalista a cobrir o evento — tem de colocar quais as suas áreas de conhecimento e quais aquelas onde quer aprender mais. Para Tolga, porém, “seria muito importante colocar coisas como 'Estou à procura de investimento' ou 'estou à procura de startups'" para facilitar o dito “matching”.
O empreendedor turco, no entanto, disse ainda assim estar a gostar da funcionalidade. "É a primeira versão, tanto quanto sei, por isso até acho que é melhor do que estava à espera", considerando-a tecnicamente boa e estável, mas com espaço para melhorar. E ainda atirou que o evento estava a ser bom mas que é "demasiado grande para conseguir ver tudo".
Entrados na mingle hour, o ritmo de “matches” aumentou de intensidade, fazendo parecer uma iniciativa de encontros rápidos, procurando não o amor, mas financiamento e oportunidades de negócio. Foram estas segundas que motivaram a participação de David.
Falando a partir de Calgary, no Canadá, David disse estar “a fazer isto há uma hora ou duas” antes de nos encontrar. As suas queixas ecoam a de outros participantes: "Eu sinto que muitas das empresas aqui são como a minha, são mais startups ou empresas pequenas, à procura de financiamento e de negócios, mas esta não é a abordagem mais organizada. Seria ideal se fosse possível unir pessoas à procura de soluções com aqueles que as providenciam", desabafa.
David, porém, também mostra compreensão quanto à dificuldade de criar um mecanismo mais apurado. “Não estou a dizer que ao vivo seria melhor, seria igualmente complicado”, diz, admitindo, ainda assim, que até preferiu que a edição fosse digital porque não teria meios de vir a Lisboa. "Somos apenas 15 pessoas, seria difícil justificar ir aí, nada contra a cidade. Mas para startups mesmo pequenas, custa bastante dinheiro", afirma.
Mas por entre as queixas — um dos utilizadores com quem o SAPO24 falou queixou-se de erros da plataforma que inviabilizaram duas reuniões e perguntou mesmo se seríamos capazes de fazer chegar as suas reclamações à organização da Web Summit — houve quem tenha ficado bastante satisfeito com o formato.
Alpesh, a falar a partir de Londres, foi um desses casos. "Eu acho ótimo, já o fiz noutras conferências. Encontras-te com pessoas durante três minutos, consegues perceber se há uma conversa de seguimento ou não — que é o que interessa — e perde-se menos tempo”, atira.
Ao contrário de outros entrevistados, o empreendedor já esteve em várias edições presenciais da Web Summit e diz que há riscos inerentes ao contacto direto. “Quando vais a sessões físicas, és capaz de falar com alguém durante meia-hora e ser inútil. Desta forma, tiras bastante mais valor", conta, dizendo também estar à procura de clientes e investidores para a sua plataforma de Inteligência Artificial.
E quando não se encontra investidores, tenta-se tirar o melhor da situação. Foi o que fez Nomin, também ela a falar a partir da capital inglesa. Deparando-se não com quem lhe finance a empresa, mas com um jornalista curioso, a empreendedora aproveitou para promover a Flickonic, uma rede social destinada a permitir fãs de séries e filmes falar sobre momentos dos programas que estão a ver em momento específicos para evitar “spoilers”.
"Estamos à procura de investimento, mas também de cobertura de imprensa para criar burburinho”, admite, dizendo estar a gostar “muito desta funcionalidade”. “Quando estamos numa convenção, nunca sabemos com quem nos vamos cruzar. Eu acho que este é um substituto muito bom", notou.
Como ocorreu com as outras pessoas, Nomin admite que o cenário mais comum no Mingle tem sido duas startups encontrarem-se para “fazer um pitch uma à outra” em vez de chegar à falar com clientes ou financiadores. Ainda assim, a britânica vê as coisas pelo lado positivo. “Temos falado com outras startups, é ótimo ouvi-las explicar como estão a lidar com os mesmos problemas que as outras também têm", sublinhou.
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