Passear ou estar sem fazer nada ou sem grandes preocupações. É esta a definição que nos dá o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa para laurear a pevide. O Ciberdúvidas corrobora: larear é o mesmo que andar ao laré, ou seja, «vadiar», «não fazer nada e quanto a laurear, trata-se de uma variante de larear.

Em Ponte de Lima, o verbo foi acomodado ao propósito de promover um roteiro de degustação do vinho verde da casta Loureiro e nasceu assim o “Lourear a Pevide”. Que é basicamente, passear, estar sem fazer nada mas com a benesse adicional de um copo de verde e um petisco local.


Casa da Terra: “aqui é Ponte de Lima por todo o lado”

Somos recebidos por João Quintela, tem 30 anos e trocou os escritórios da Minho Fumeiro pela gerência da Casa da Terra, um espaço que já foi a cadeia das mulheres de Ponte de Lima e que em 2016 abriu portas como um sítio onde se provam os petiscos da terra. Na verdade, é mais do que isso. Como diz João Quintela, “entra aqui e é Ponte de Lima por todo o lado, é um toque de limianismo”. Isso significa que além do queijo que a terra dá nome, o bem conhecido limiano, dos fumeiros, que a empresa gestora – a Minho Fumeiro – garante no prato, há uma extensa coleção de vinhos verdes Loureiro para degustar e também uma exposição permanente de peças de artesanato local que podem ser adquiridas no local.

De 3 setembro até 10 de outubro este é um dos 20 restaurantes aderentes do roteiro “Lourear a Pevide” promovido pela Câmara Municipal de Ponte de Lima que propõe por 3,5 euros um menu que inclui um copo de Loureiro e um petisco tradicional.

“O Loureiro tem sido um parente pobre dos vinhos verdes e cabe-nos educar o cliente”, afirma o gerente. A comparação natural é com o Alvarinho, casta dominante em Melgaço e Monção e cuja promoção é dinamizada com anos de avanço. E é também pelos resultados das casta vizinha que as iniciativas de promoção do Loureiro são bem acolhidas na restauração e turismo locais. “Já aqui entram turistas que pedem Loureiro, aqueles que pesquisam ou são mais conhecedores”, revela João Quintela. Numa localidade onde chegam todos os anos espanhóis, holandês, franceses e belgas, para destacar os principais grupos oriundos do turismo, este é um bom indicador de como a casta do verde pode ser um bom cartão de visita.

Menu “Lourear a Pevide”: Mini esferas de alheira de galo com redução de vinagre balsâmico e um copo de vinho verde Loureiro Casa do Barreiro


Solar da Picota: “É preciso é levantar o ânimo”

É difícil não fazer uma pausa de respeito quando se ouve a história de José Sousa e do projeto que o trouxe de volta à terra onde nasceu, Ponte de Lima, e de onde saiu há mais de 30 anos, com apenas 17 anos de idade. Emigrante em Andorra, foi lá que aprendeu o que sabe de restauração e se tornou cozinheiro.  Decidiu voltar há dois anos e não o vamos ouvir dizer que não havia sombra de pandemia porque “por lá por Espanha já se ouvia falar que havia um vírus e que estava a espalhar-se”. Voltou na mesma, ajudou um amigo em Santiago de Compostela pelo meio, enquanto procurava o seu próprio espaço em Ponte de Lima.

Encontrou-o aqui, no Solar da Picota, bem de frente para a estátua da Maria da Fonte, e onde se diz que nasceu Ponte de Lima. “Estás bom da cabeça?”, foi o que lhe perguntou um amigo de longa data com quem partilhou a intenção de tornar o espaço o seu restaurante – o que veio a acontecer há cinco meses, em maio de 2021, quando Portugal experimentava a primeira fase de desconfinamento a seguir ao segundo confinamento do inverno. Abrir um negócio num dos setores mais afetados pela pandemia seria, por si só, um ato de coragem e de convicção, fazê-lo tendo pelo meio passado por um enfarte que obrigou a uma mudança de estilo de vida (menos quilos, conta-nos José) passa tudo para outro nível. “Hoje tudo é um problema, antes nada era um problema, era preciso era trabalhar”, diz-nos como quem desvaloriza ou não dá importância à adversidade.

E o certo é que reabriu aquele que era até aí um café como uma casa de almoços e jantares – e agora também um sítio para "lourear a pevide". Aqui o petisco é substancial e traz para a mesa a mistura das influências portuguesas e espanholas do seu cozinheiro.

Provámos um verde Loureiro, fazendo justiça ao roteiro, e um risoto a saber a mar, com camarão e mexilhão. José Sousa prepara o prato e no seu sotaque indisfarçável de português com 30 anos de Espanha não tem dúvidas que um roteiro gastronómico à boleia do Loureiro pode fazer muito pela promoção da terra. “É preciso é levantar o ânimo”.

Menu “Lourear a Pevide”: Arroz de Mar e Vinho e um copo de vinho verde Loureiro Casa da Cuquinha


Montanha: “Eles vêm cá parar”

Português que se preza não nega quilómetros para encontrar aquele sítio onde se come e se bebe algo que justifica a jornada. Português que se preze em viagem pelo Alto Minho tem nas estradas das serras um belíssimo pretexto de passeio e a promessa que nas alturas será bem recebido por espaços  como a Montanha, em Redunfe, com um verde a perder de vista em redor e uma proposta honesta de nos sentarmos à mesa a provar dos melhores limianos, presunto e broa, devidamente acompanhados pelo copo de verde.

Lourear a pevide aqui antecipa pratos principais que trazem clientes locais e turistas ao alto da Montanha. O “cabritinho, que é muito bom”, a posta à barrosã, o bacalhau à casa e o cozido à portuguesa. É Portugal à mesa, estamos no Minho.

Elisabete Dantas é a nossa anfitriã e não tem mãos a medir num domingo de casa cheia. Perguntamos se é sempre assim e se a casa se enche fácil sendo um ponto de paragem na estrada. Devolve-nos um sorriso aberto e não hesita: “vêm cá parar, sim senhora”. E que  para, é quase certo que volta – porque tendemos a regressar onde somos felizes.

Toda a família trabalha na Montanha, mas Elisabete é quem garante a permanência – as filhas estudam, o marido tem outro emprego e todos, sem exceção, têm a terra para trabalhar.

Este agosto foi muito bom, confidencia a anfitriã, e o Loureiro de Ponte de Lima é, afirma, um bom argumento para que mais viajantes ali vão parar.

Menu “Lourear a Pevide”: Tábua de queijos e enchidos e e um copo de vinho verde Loureiro Adega Ponte de Lima – Colheita Selecionada


Migaitas Golfe: "Os turistas pedem vinho verde"

O dia está fresco, mas solarengo e o verde do Migaitas Golfe apresenta-se como um indiscutível argumento de visita mesmo para quem não pratica a modalidade. O restaurante gerido por Filipe Gonçalves encarregou-se de assegurar que há pretexto para ficar, além do sossego e da paisagem. “O golfe funciona de maio a outubro, mas nós estamos abertos o ano todo”, diz-nos. E, com ou sem golfe, o Migaitas Golfe é destino habitual de quem vive em Ponte de Lima ou nos concelhos próximos e que aqui se habituou aos pratos da casa como o tradicional cabrito, o polvo à lagareiro, o bacalhau e o incontornável serrabulho que é feito por encomenda.

Durante o confinamento, os clientes puderam manter a tradição do almoço de domingo – ou de outra refeição durante a semana – com um serviço de takeaway que fazia chegar o cabrito, por exemplo, em prato de barro, que as caixas de transporte de refeições não fariam justiça à experiência.

Aqui loureia-se a pevide por estes dias a provar o folhado de queijo e maçã que é cartão de visita do local acompanhado, no nosso caso de um Loureiro da Casa da Cuquinha que merece muito a prova. Uma opinião que já é partilhada por quem vem de fora de Portugal, conta-nos Filipe. “Os turistas pedem vinho verde e o Loureiro é um ótimo conceito para comunicar a região”.

Os dois verões de pandemia trouxeram ao Alto Minho e a Ponte de Lima, em concreto, turistas nacionais como nunca antes e também internacionais. Fora das multidões, com uma proposta de ambientes naturais diferenciadora e com uma mesa que aqui se quer cada vez mais comunicar associada ao vinho da região.

Menu “Lourear a Pevide”: Folhadinhos de queijo e puré de maçã e e um copo de vinho verde Loureiro Casa da Cuquinha


Taberna Porta Vermelha: “é um vinho que tem tudo nele”

Era Taberna da Porta Vermelha antes de Filipe Araújo pegar no espaço – continua a ter uma porta vermelha que mantém no nome mas agora mais substantivo, sem o “da”. É um espaço alegre no Largo da Freiria e o vinho que nos é dado a provar neste roteiro de Lourear a Pevide é o Quinta da Freiria. Não há muito que enganar: os produtores são da quinta do outro lado da rua e, quis o acaso, que estivessem também sentados na mesa ao lado da nossa. Estão três gerações à mesa que nos observam a experimentar um Loureiro que casa lindamente com as pataniscas que estão no menu de prova.

Filipe Araújo é natural de Ponte de Lima, foi comercial durante vários anos e também decidiu mudar de vida no meio da tormenta e abriu a Taberna Porta Vermelha ao público em maio deste ano. Está visivelmente satisfeito com a mudança – a casa está cheia, o Minho tem sido bafejado por novos e velhos visitantes. E o Loureiro pode ajudar: “é um vinho que tem tudo nele”, diz, garantindo que entre turistas já há quem peça especificamente esta casta dos verdes.

Mas não só – e o roteiro ajuda. “Chegam cá pessoas de outros concelhos a dizer que vieram lourear a pevide”, conta. As pataniscas e o verde casam na perfeição.

Menu “Lourear a Pevide”: Pataniscas da casa com pão e e um copo de vinho verde Loureiro Quinta da Freiria


Casa do Folar Limiano: Vai um verde com um folar?

E de repente temos uma pastelaria num roteiro de petiscos que são servidos sempre na companha de um copo de Loureiro fresquinho. Poderia ser estranho, mas estamos no Alto  Minho e aqui o verde vai bem com tudo e a qualquer hora, não fosse um vinho que é leve e que quase nos faz esquecer que é de uma bebida alcoólica que se trata com o seu sabor frutado.

O folar limiano é uma invenção de Vítor Lima – ou chef Lima como é conhecido – que quis criar um produto que tivesse tudo a ter com a terra e que durasse o ano inteiro. Numa terra que não tem tradição do folar da Páscoa, foi precisamente essa a sua base de inspiração para criar um folar que não é doce – mas é suave ao paladar – e que não tem chocolate ou ovos mas sim enchidos, os típicos enchidos do Minho. E é assim que desde 2017, a Casa do Folar Limiano que mudou de nome por causa do produto que se tornou um ponto de romaria de quem vai a Ponte de Lima, sendo já vendido noutras lojas e inclusive viagem para destinos de exportação e para o dito mercado da saudade.

Aqui o “lourear a pevide” é-nos servido por Sara, a mulher de Vítor Lima e uma professora de francês desviada para a arte de receber que partilha com o marido um ideal de reinvenção dos produtos endógenos, seja o icónico folar, sejam bombons com gosto de vinho verde e do também regional vinhão, que chegarão em breve ao mercado.

E como vai o Loureiro a acompanhar o folar? “Vai muito bem, já o fazíamos antes da pandemia e esta é uma iniciativa ótima para meter o roteiro no calendário”, diz Sara. Nós também provámos e concordamos.

Menu “Lourear a Pevide”: Folar Limiano e tábua de queijos e enchidos e e um copo de vinho verde Loureiro Adega Ponte de Lima