Chegados a Portugal, há cinco anos, os Depois das Cinco perceberam que a tradição da literatura de cordel se tinha perdido com o tempo e acharam que era de lembrar que, em 1500 e nos anos que se seguiram, “nem tudo só foi guerra e destruição”, também houve poesia.
“A literatura de cordel chegou ao Brasil com a colonização”, recorda, em entrevista à Lusa, Ana França (Aricleta do Céu no grupo), confessando-se espantada com os “pouquíssimos” portugueses que sabem o que é este género literário popular.
O que é, afinal, a literatura de cordel?
“São livretos, tipologicamente mais baratos, mais em conta, com folhas de menos qualidade, e aí escreviam os poetas antigos, os que não sabiam ler, os cegos que não sabiam ler, mas que cantavam, cantavam, decoravam os versos, cantavam e outro ia lá e escrevia e vendia nas feiras, vendia nos comércios e isso foi crescendo, crescendo”, conta.
O grupo quer chamar a atenção para os versos, os autores, os xilogravuristas, os cordelistas, muitos dos quais “aprenderam a ler com as histórias que ouviam, contavam as seus filhos, contavam aos seus netos”.
No Brasil, a literatura de cordel "já é um património imaterial” e há até uma "academia de literatura de cordel”, destaca. “Hoje é uma produção muito grande, são muitos poetas que vivem no Brasil e que vivem disso”, estima Ana França.
Agora, o grupo – que já havia animado as ruas de Sines, na anterior edição do Festival Músicas do Mundo (FMM) – recorre à literatura de cordel para contar uma história um pouco diferente da oficialista, porque essa “já foi”.
Numa mistura entre música e declamação, ao som dos ritmos tradicionais nordestinos do Brasil, coube a esta família (pai, mãe e filhos) fazer o aquecimento antes do arranque, neste sábado, dos concertos do FMM, instalado na aldeia alentejana de Porto Covo até dia 22, migrando depois para Sines, até dia 27.
Começaram logo no Largo Marquês de Pombal, contando a história de 1500, o ano em que Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil.
Navegando pelas palavras, descem as ruas, rimando e cantando e contando histórias de pessoas, nomeadamente de algumas que foram conhecendo no Alentejo, onde vivem.
“Era como se fosse um jornaleco da época"
“A gente já tem burilado muitas aldeias, principalmente no Alentejo, que é onde a gente está e percebe-se que muitos desses poetas (…) já morreram ou (…) estão ali, na sua própria aldeia, e só a aldeia conhece e eles fazem versos, em décimas, em sextilha, em quadra e tudo isso é oriundo do cordel, da literatura de cordel do século XII, por exemplo”, destaca Ana França.
“Era como se fosse um jornaleco da época, que vinha da França, que vinha da Espanha, que chegava tanto para o povo como para a burguesia. Então, o cordel era totalmente democrático nesse momento”, assinala.
O ideal – apela – é que os portugueses “gostem disso, voltem com isso, porque a literatura de cordel é importante e é importante também para a história”, apela, lembrando que a tradição oral “vem do povo” e, por isso, tem “um poder maior”.
Este domingo, às 11:00, o grupo “ergue um estendal de histórias” para “provocar a imaginação” em crianças e famílias, no Largo Marquês de Pombal, em Porto Covo, onde regressa depois, às 17:00, para voltar a chamar o público (em geral) para a música.
A 24.ª edição do FMM - organizado pela Câmara Municipal de Sines - prossegue hoje com três atuações musicais de acesso livre e gratuito: La Muchacha y El Propio Junte (Colômbia), às 21:30, Siti & The Band (Zanzibar - Tanzânia), às 22:45, e La Chiva Gantiva (Colômbia/Bélgica), às 24:00.
Comentários