“O balanço, antes de mais, é positivo. Temos uma boa relação, e orgulho, no trabalho que desenvolvemos até aqui. Do ponto de vista artístico, há alguns pressupostos que conseguimos perseguir e que continuam muito presentes”, começa por dizer à Lusa José Capela, que, com Jorge Andrade, dirige a estrutura desde a fundação, em 2003.
Em dezembro, a Mala Voadora vai estar no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, para a estreia de “Fausto”, que também se insere na programação dos 25 anos dos CCB, encerra o projeto “White Rabbit, Red Rabbit”, do iraniano Nassim Soleimanpour, no Porto, com Vera Mantero e Gonçalo Waddington, e prossegue o desenvolvimento dos temas dos próximos três anos, do “dinheiro”, ao quinto centenário da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães.
Os “pressupostos” artísticos que os fundadores da Mala Voadora continuam a perseguir prendem-se com a vontade de “reequacionar o modo de fazer um espetáculo a cada novo projeto”, o que foi acontecendo à medida que dialogavam com texto dramático, textos ‘ready made’, mas também com a produção de bibelôs, discursos ou outros objetos.
“Essa vontade de fazer coisas de forma diferente mantém-se viva, e é o fio condutor da companhia”, resume, acrescentando que esta lógica acontece não só com a criação, como também na programação que desenvolvem no espaço do Porto.
Fundada em 2003 por Jorge Andrade e José Capela, atuais diretores artísticos, a companhia estreou-se com “Credores”, a primeira de uma trilogia de peças do dramaturgo sueco August Strindberg, no âmbito da programação de Coimbra – Capital Nacional de Cultura.
Desde então, seguiram-se dezenas de espetáculos próprios, quase todos encenados por Jorge Andrade, com vários trabalhos premiados, incluindo um prémio da Sociedade Portuguesa de Autores por “Moçambique” (2016).
Se o caminho “foi lento” no campo institucional, há uma nota positiva no ano de 15.º aniversário, uma vez que a companhia foi a mais bem pontuada no concurso da Direção-Geral das Artes, sendo apoiada pela primeira vez num plano quadrianual, na “primeira vez que o júri teve coragem de apresentar resultados que não parecem um escalonamento das companhias por ordem de idade”.
“Mas isso não chega. A discussão vai sempre parar ao mesmo sítio, que é o peso da Cultura no Orçamento de Estado”, atirou.
Em 2013, chegaram à rua do Almada, no Porto, que se tornou, também, casa de acolhimento de criações de outras companhias e artistas, além de receber residências artísticas e o programa anual “Uma Família Inglesa”, que traz a Portugal vários trabalhos de artistas britânicos.
Ali, deram corpo a questões transversais à sua atuação, como “o que é programar quando são artistas a fazê-lo” e “como é que uma companhia que programa faz espetáculos?”, sendo que a dinâmica entre criação e programação, considerou José Capela, atravessa a reflexão artística do grupo.
Desde janeiro deste ano, a lógica de programação da estrutura passou pela mesma peça, apresentada uma vez por mês e sempre com um ator diferente. “White Rabbit, Red Rabbit”, encerra com Vera Mantero (15 de novembro) e Gonçalo Waddington (10 de dezembro).
“Esta peça é um exemplo da experimentação da relação entre criação e programação. Quando fizemos o ‘Manual sobre o Trabalho e a Felicidade’, quisemos experimentar, com instruções, e programámos este espetáculo como uma espécie de primo”, acrescentou.
As duas áreas devem continuar a “unir-se o mais possível”, referiu o fundador da estrutura, e o próximo quadro de quatro anos atravessa esta pretensão: o tema do “dinheiro” atravessa o ano de 2019, com dois espetáculos, um de “grande dimensão” e outro de pequena dimensão, sendo que o primeiro é uma colaboração com a britânica Deborah Pearson, que este ano marcou presença no ciclo “Uma Família Inglesa”, e o último vai marcar a primeira estreia da companhia no próprio espaço.
Em 2020, “fins” é o tema, “só dedicado a fins nas suas variadas formas”, com uma encomenda de uma ópera pelo Teatro Nacional São Carlos (TNSC), e uma nova colaboração com o britânico Chris Thorpe, fruto de uma relação de vários anos entre as duas partes.
Para 2021, há “uma experiência em que se tenta levar a questão de criação e programação ao seu limite”, com um trabalho ligado à comemoração dos 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães.
“Esse é um projeto particularmente internacional porque colabora com instituições das muitas cidades pelas quais Magalhães passou, e vamos entrar em intercâmbio de programação. Dessa experiência, ficará em aberto o objeto artístico a ser criado, talvez um espetáculo, talvez não”, revelou.
No plano de comemorações está um ‘duplo aniversário’, apontou José Capela, uma vez que, aos 15 anos da Mala Voadora, se juntam os 25 anos do Centro Cultural de Belém (CCB), onde, em 05 de dezembro, estreiam “Fausto”, uma encomenda feita por aquela instituição lisboeta, um espetáculo que parte do mito da "venda da alma ao diabo", para abordar a relação entre a ambição artística e a sustentação material dessa ambição.
Antes, no seu espaço no Porto, a companhia montou a performance “As Metamorfoses de Ovídio”, criada a partir da obra do poeta romano, com atuais e antigos membros da estrutura, resumindo “a história do mundo em poucos minutos”, numa obra que também dialoga com o trabalho do filósofo alemão Vinzenz Brinkmann, presente na passada terça-feira no Fórum do Futuro, no espaço da Mala Voadora.
Depois de 15 anos em que passaram por palcos em países como Alemanha, Brasil, Escócia, Estados Unidos, França, Inglaterra, Polónia ou Líbano, além de períodos de colaboração prolíficos com artistas de vários países, sobretudo ingleses, o foco continua em “colaborar com outras pessoas”, sendo que é um “fator que promove a instabilidade” que os impele a arriscar em projetos diferentes.
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