Usada para fazer roupa, acessórios, móveis, pavimento ou isolamento para a construção civil, é como rolha para garrafas de vinho e champanhe que a cortiça tem uma das utilizações mais icónicas e é também esse o principal destino dado a cerca de 75% da matéria-prima que é “preparada” na fábrica alentejana e que é vendida à indústria transformadora nacional.
A “preparação” consiste em cozer a cortiça numa “caldeira em ‘inox'”, a uma temperatura de “100 graus”, durante “uma hora”, para posteriormente ser “mais fácil trabalhá-la”, explicou à agência Lusa José Costa, administrador da empresa centenária do litoral alentejano, Gonçalves e Douradinha, Lda, que diz ter a unidade fabril “mais antiga do distrito de Setúbal”.
Depois de cozida, a cortiça é analisada cuidadosamente, peça a peça, e cortada manualmente com uma navalha, para ser separada por “calibre”, que o empresário distingue como “refugo”, “delgado” e “cheio”, sendo esta a componente mais valiosa, já que permite fazer “rolha natural”.
“O ‘cheio’ é para rolhas, aproveitável, o ‘delgado’ a maior parte é para fazer discos para champanhe e para vinho (…) e o ‘refugo’ é moído”, sendo usado “para ‘parquet’ ou para rolha de aglomerado”, explica.
Independentemente da qualidade, toda a cortiça “é aproveitada”, assegura o produtor, afirmando que “até o pó” que é feito a partir de componentes sem aplicação na indústria transformadora, “é aproveitado para as caldeiras, para produzir eletricidade nas próprias fábricas”.
Ao todo, passam anualmente pela unidade fabril e pelo estaleiro da empresa, com cerca de 15 mil metros quadrados, “cerca de 80 a 90 mil arrobas” de cortiça (cada arroba equivale a 15 quilos), o que representa um volume de negócios de “cerca de dois milhões de euros”.
Embora se contem mais de cem anos desde a criação da unidade fabril de Ermidas-Sado, fundada em 1910, há métodos de trabalho da indústria que se mantêm imutáveis desde o início do século passado, como é o caso, além da separação manual dos diferentes tipos de cortiça, das técnicas de recolha da matéria-prima.
A poucos quilómetros da unidade fabril, em plena planície alentejana, depois de entrar por um caminho de terra, vão-se avistando sobreiros “despidos”, que se destacam na paisagem por revelarem troncos avermelhados antes escondidos debaixo dos “casacos” de casca grossa que os cobria há 11 anos.
De machado na mão, cerca de 20 homens trabalham desde as 08:00 sob o sol quente articulando-se para rapidamente “despirem” os sobreiros da propriedade de 340 hectares, mesmo que para isso seja preciso trepar a árvore, ou subir pelo escadote sem hesitar.
“O mais difícil acaba por ser o calor, nem é bem o esforço, é mesmo o calor. Mas isto só dá para ser feito no verão, porque a cortiça tem tipo umas humidades entre o entrecasco e a cortiça, só pode ser tirada de maio até agosto”, explica à Lusa Francisco Assunção, manajeiro que coordena o grupo de trabalhadores.
Para ajudar à tiragem e também para garantir “uma produção boa”, “no inverno convém chover bem”, acrescenta o mesmo responsável de 35 anos, que se dedica à atividade na época de verão desde os 18 anos de idade.
Apenas a experiência de anos permite conseguir o conhecimento para tirar a cortiça sem pôr em causa a produção futura, já que um golpe mal dado pode “ferir” a árvore e comprometer o crescimento do casco.
Esse é um dos aspetos que José Costa ressalva como essenciais para garantir a continuidade da produção e a qualidade da cortiça, a par da “idade do sobreiro”, e do “bom manuseamento da propriedade”.
“Se a árvore está saudável dá boa cortiça, se não, dá má cortiça”, observa, lembrando que “quando a cortiça é boa, chega ao dobro ou ao triplo do valor” e isso “é bom para todos, é bom para o comprador e para o vendedor”, defende.
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