O avô de João Pina esteve preso no campo de concentração do Tarrafal entre 1949 e 1951 e, durante esse período, aconteceu algo “de verdadeiramente excecional” que foi o facto de os seus pais – bisavós do fotojornalista, terem tido autorização para o visitar duas vezes e, nessas viagens, fotografarem “todos os presos que estavam no campo e todas as campas dos presos que tinham morrido no Tarrafal”.
No regresso a Portugal, contou João Pina à agência Lusa, eles foram junto das famílias entregar notícias e as fotografias dos seus familiares detidos, a quem também tiraram fotografias que posteriormente enviaram para o campo.
“Esse arquivo que está na família chegou-me às mãos há alguns anos e comecei a trabalhar sobre ele”, disse.
Mas a família foi apenas o ponto de partida para outras descobertas, nomeadamente sobre a história do campo e “não só o que os portugueses nascidos antes do 25 de abril conheceram como o campo de concentração para presos políticos portugueses”.
“É igualmente importante que, depois do início da guerra colonial, da guerra de independência de Angola, Guiné e Cabo Verde (não chegou a haver guerra, mas havia movimentos de resistência), o regime português reabriu o Tarrafal pelas mãos do então ministro do Ultramar, Adriano Moreira, e reabriu o que ficou conhecido como o campo da morte lenta para combatentes anticoloniais e presos políticos africanos, que é uma parte da história muito pouco conhecida em Portugal”, adiantou.
Para João Pina, existem vários períodos do campo do Tarrafal muito pouco falados: “Entre 1962 e 1974 por ali passam 300 presos políticos angolanos, cabo-verdianos e guineenses, o mesmo número que os portugueses”.
Depois do 25 de Abril de 1974, “o campo é usado para dissidentes do PAIGC [Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde] até pouco antes da independência” de Cabo Verde, que ocorreu em 05 de julho de 1975.
“Depois da independência, o campo foi usado como campo militar e academia da polícia”, prosseguiu.
Nas fotografias a preto e branco que João Pina incluiu no livro publicado pela editora Tinta-da-China, cada preso é devidamente contextualizado.
“Todos eles eram resistentes antifascistas e foram ali enviados pela ditadura, por resistência ao estado novo. Pertenciam ao PCP, eram dos movimentos anarquistas e outros sem filiação determinada ou de grupos mais dissolvidos”, explicou.
Ao longo deste trabalho, João Pina teve a oportunidade de falar com antigos presos políticos cabo-verdianos e angolanos, uma vez que já não havia nenhum preso político português vivo, tendo sido surpreendido com “a diversidade de tipos de movimentos e pensamentos que passaram pelo Tarrafal”.
No momento em que se encontram detidos no Tarrafal, “isso significava uma coisa e depois, no caso angolano, com o início da guerra civil, isso opôs pessoas que estiveram juntos no campo (do Tarrafal) em frente de batalha, com lados completamente diferentes do conflito”.
E apercebeu-se que a palavra Tarrafal tem memórias diferentes, consoante quem as viveu, sendo, para os cabo-verdianos, “a praia mais linda da ilha de Santiago, até porque apenas passaram 20 cabo-verdianos pelo campo”.
O livro de João Pina é editado em português e inglês e deverá chegar às bancas entre o fim de março e início de abril, este último o mês da revolução dos cravos, que este ano comemora os 50 anos.
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