Integrado na programação do festival “Uma Família Inglesa”, que a própria companhia organiza, a peça viaja entre o estilo de conferência e o teatro para trabalhar a obra de Beard, em que defende que, “no que toca a silenciar as mulheres, a cultura ocidental tem milhares de anos de experiência”.
Na sinopse do espetáculo, que sobe a cena pelas 19:00 de dia 30 e 22:00 de dia 01, podem ler-se as “coisas em comum” entre as duas mulheres.
“Ambas temos os olhos esverdeados, somos loiras, embora ela seja na verdade, mais grisalha, temos o mesmo nome ainda que se escreva e pronuncie de maneira diferente, somos ambas filhas de mães professoras e ambas lemos as ‘Metamorfoses’ de Ovídio”, atira a criadora, atriz e encenadora.
Esta “conferência encenada” assenta, então, numa obra que atravessa a Antiguidade até à campanha presidencial de Hillary Clinton nos Estados Unidos, em 2016, a olhar para as estruturas que pretendem “retirar credibilidade” e voz às mulheres.
“Eu e o Jorge [Andrade, da Mala Voadora] lemos o livro, e ele achou que podia ser engraçado fazer um espetáculo sobre isso. Eu achei engraçado fazer uma conferência, porque é uma espécie de ciclo sustentável de devolução, porque o livro são duas conferências e eu vou fazer uma terceira”, explica à Lusa Maria Jorge, referindo-se ao facto de o livro, em Portugal, editado pela Bertrand, reunir textos adaptados de duas conferências da historiadora.
A peça “fazia sentido” no contexto do festival, este ano dedicado sobretudo às questões de género, e vai decorrer num dos estúdios do espaço da companhia, “o que é muito engraçado” pelo meio “mais informal, com cama e cozinha, até meio doméstico”.
O espetáculo da portuguesa, que foi apoiada pelo programa Criatório, da Câmara do Porto, acaba por utilizar imagens para as “legendas”, seguindo histórias que formam “um mundo meio esquisito que é real”.
Nesse mundo habita, sobretudo, o tema do silenciamento das mulheres, e “de que forma é que isso tem a ver com estruturas de poder” já estabelecidas.
“É com mulheres que se fazem passar por homens, que se vestem como homens, para chegar a sítios que associamos a homens. Têm aulas para ter um tom de voz mais masculino, como Margaret Thatcher”, revela Maria Jorge.
Ao lado da reflexão sobre o poder e a voz feminina está “o estudo da antiguidade clássica, de mulheres silenciadas”, que começa “bem lá atrás, na ‘Odisseia’, e mulheres transformadas em vacas, em Eco, que fica presa na voz dos outros e não tem voz própria”, entre outras figuras.
“É um mundo esquisito, mas é um mundo em que ainda é preciso falar disto, e onde ainda faz sentido as mulheres reclamarem um espaço na opinião pública”, comenta a artista, aqui numa primeira criação “mais autoral”.
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