«No sopé da vertente poente da Serra de Montejunto, entre Vilar e Martim Joanes», situa-se a Quinta do Gradil, que remonta ao século XVI como couto de caça da realeza pela sua fauna, na qual as ligações à uva e ao vinho sempre marcaram a sua história. É no século XVII que a produção se torna uma atividade económica determinante e no século XVIII, a sua cronologia cruza-se com a de Marquês de Pombal. Tiago Correia, enólogo da Quinta do Gradil e um estudioso desta personalidade, reconhece a inteligência e visão de Sebastião José nas suas medidas protecionistas para enfraquecer o poder dos ingleses combinadas pela sua astúcia e interesse individual. A Quinta do Gradil soube impor-se à vontade do rei D. José no favorecimento da cultura dos cereais e aos interesses do Marquês ao defender a região demarcada do Alto Douro e o gabado Vinho do Porto.
Após muitas reclamações dos lavradores locais do Cadaval, uma vistoria de 1769 reconheceu que os solos do concelho eram muito mais apropriados à produção de bons vinhos do que de pão. Tiago acrescenta «a Quinta do Gradil teve a sorte e o mérito de ser considerada vinha de boa lei, destacando-se já nessa altura». E, este selo de qualidade continuou no século XIX com Dona Maria do Carmo Romeiro da Fonseca, que herda a Quinta do Gradil, adquirida pelo seu pai. Nascida no seio de uma família ligada à região Oeste e à produção e comércio de vinho, a herdeira soube aumentar a propriedade e transformá-la numa exploração agrícola modelo, onde o vinho tinha o papel principal, coabitando com pomares e hortícolas. Ana Matias, responsável de Comunicação do Grupo Parras Wines, refere que «na época era uma das quintas mais ricas do concelho».
Para além disso, a Maria do Carmo deve-se a construção do palácio amarelo, casa principal da Quinta do Gradil e a majestosa capela devotada a Santa Rita de Cássia.
Mais do que uma propriedade, que já revelava um gosto eclético e único, criou-se um local de recreio e de lazer. Ana complementa «são conhecidas as festas aristocratas dotadas de enorme elegância e pompa que invadiam o concelho, sendo também local de veraneio e de recreio de famílias abastadas de Lisboa». Este ano, em virtude da pandemia, não houve a habitual “festa das vindimas” para celebrar mais um ano de trabalho, já um clássico no calendário, que junta cerca de 100 a 600 pessoas. «Sentimos falta e compensamos com toda a proposta de enoturismo, onde vinho e turismo se cruzam para oferecer ao consumidor exigente uma experiência vínica inesquecível. Os 200 hectares de quinta, 120 de vinha e o restante ocupado por floresta, abrem as portas para pequenos grupos diariamente com provas e piqueniques que contemplam a memória e o requinte de uma história multisecular».
A singularidade da administração de Dona Maria do Carmo Romeiro da Fonseca mantém-se até hoje em pilares em pedra colocadas ao redor da propriedade com as suas iniciais “M.C.R.F.”, bem como o brasão de armas dos Carvalhos, que ilustra imponente, a fachada do palácio. Sim, a história da Quinta do Gradil cruza-se novamente com a descendência de Pombal. Irónica e curiosamente, a filha de Maria do Carmo, acabaria por casar com o futuro Marquês de Pombal, descendente do mesmo Sebastião José de Carvalho e Melo que um século antes tinha tentado arrancar as vinhas do Gradil, António João José Maria Caetano Francisco de Carvalho Melo Daun Albuquerque de Lorena (6º Marquês de Pombal). O espírito empreendedor casa as duas famílias, como é exemplo, a importância do aqueduto. É do 1º Marquês de Pombal, o todo-poderoso do rei D. José, a continuação das obras no Aqueduto das Águas Livres em Lisboa, que resistiu incólume ao Terramoto de 1755 e que permitiu um melhor abastecimento de água e é também conhecido o espírito visionário de Dona Maria do Carmo que dota a quinta de um aqueduto que conduziria água para consumo doméstico e rega.
A Quinta manteve-se nas mãos dos marqueses de Pombal ao longo de boa parte do século XX, até ser vendida, em 1963, a uma sociedade liderada por Isidoro Maria d’Oliveira. O século XXI é o século de Luís Vieira. Com uma história familiar ligada ao comércio de vinho, aprendeu com o avô António Gomes Vieira, conhecido por Ganita, todos os segredos do negócio. Líder da Parras Wines, um dos maiores grupos vinícolas de Portugal, Luís Vieira comprou a Quinta do Gradil em 1999. A sua localização privilegiada, entre a serra de Montejunto e o mar, permite criar um produto que equilibra a acidez e a frescura do “néctar” que não esquece os valores de um legado histórico e multisecular, que traz experiência e riqueza ao vinho e aos rótulos, que só por si são uma peça de arte.
Se a Quinta do Gradil resistiu ao arranque das vinhas, o vinho produzido no Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras, também gozava de privilégios “especiais” em termos de pagamento dos impostos na Casa da Dízima (que dá hoje nome ao restaurante) e pelo facto de «o vinho produzido em Oeiras ser enviado para o Porto, misturando-se com o das vinhas da região exclusiva do vinho do Porto. Também daí nasceu o vinho de Carcavelos», explica Pedro Sena-Lino, autor da nova biografia do Marquês de Pombal, recentemente lançada com o nome «De Quase Nada a Quase Rei». Sebastião José inicia a tradição vinícola desta zona, onde residiu e que é hoje, região demarcada. O enólogo que nos acompanha nesta viagem revela que o vinho produzido «esteve na boca do mundo e há escritos que confirmam que Thomas Jefferson, chegou a ter garrafas do Conde de Oeiras».
O biógrafo, natural de Paço de Arcos, foi vizinho deste Palácio, que dá nome a quem escolheu investigar: «a curiosidade de um homem tornado mito tornava a sombra do palácio um pouco mais fantasma. Quis conhecer a sua história – quem Sebastião José foi consigo mesmo, como a vida de outros teve impacto na sua – para perceber quem ele foi. E quais as raízes humanas que criaram este palácio - e esta figura. Ao sacralizar os heróis, ao desconhecermos como foram humanos (como viveram essa humanidade) aumentamos o poder do mito. Uma biografia de uma figura histórica é um espelho para um país se ver a si mesmo.»
Sebastião José de Carvalho e Melo herdou de um seu tio, o Morgadio de Oeiras, onde faz crescer um espaço de recreio e de produção de grande destaque. O biógrafo acrescenta «o Palácio de Oeiras é todo ele feito a partir dos seus sonhos, e com o fim de projetar a imagem que ele queria passar de si mesmo». Inspirado pelas suas permanências como embaixador em Londres e em Viena, Marquês de Pombal não deixou de «privilegiar e de proteger o produto português na criação dos diversos espaços, como é o caso da azulejaria», explica Tiago Correia, o nosso guia do Gradil, que sugere a visita ao Palácio é também ela imprescindível. Em muitos lugares da cidade de Lisboa, é possível identificar as cores e os modelos de azulejos pombalinos que decoravam interiores de proveniência da Fábrica de Sant’Anna, ainda hoje a operar (encontra-se perto da Junqueira).
Nada é deixado ao acaso. Pedro Sena-Lino acrescenta «é um palácio feito por amor, mas também é um pouco “show-off”», basta contar quantas vezes e em tantos lugares o símbolo da família é mandado colocar». Tiago acrescenta que o Marquês «aliou o aspeto contemplativo e produtivo», com a adega e aqueduto que mandou construir. Todo o Palácio é feito de pormenores, desde a sala dos frescos até aos corredores, uma ideia que Pombal deu a conhecer bem como o amplo jardim para passeios refrescantes, com cascatas e até um pequeno cais, que permitia navegar na ribeira.
«Todos os domingos, Sebastião José de Carvalho e Melo, voltava ao seu palácio.», podemos ler no livro «A Maldição do Marquês» do escritor Tiago Rebelo. Esta frase surge após o atentado ao rei D. José por José Policarpo de Azevedo, criado de um dos fidalgos mais poderosos do reino, o duque de Aveiro, e um dos autores do atentado ao rei D. José. O escritor acrescenta que «ao cometer este atentado, José Policarpo criou as condições - ainda que involuntariamente - para o Marquês de Pombal eliminar fisicamente os seus opositores mais poderosos, entre eles o próprio duque de Aveiro e a família Távora». Família que foi brutalmente executada no Beco do Chão Salgado. Pedro Sena-Lino e Tiago Rebelo são unânimes em considerar um local de visita. O biógrafo acrescenta «ao lado dos Pastéis de Belém, uma coluna ainda hoje relembra o ato violento e sanguinário que convive escondido num lugar turístico». «As terras foram salgadas por ordem de Pombal para que nada mais aí medrasse», explica Sofia Lobão, uma das guias-interpretes da Passeios Literários, empresa que organiza visitas há 25 anos a partir de obras e de autores portugueses que fazem parte do programa curricular de Português e que hoje, oferece visitas guiadas para o público em geral.
Sofia leva-nos por Lisboa, começando pelo local do nascimento do Marquês na atual Rua do Século, o Palácio Pombal. Continuamos pela Rua da Escola Politécnica, o Colégio dos Nobres com a expulsão dos Jesuítas determinada por Pombal. Tiago Rebelo acrescenta que «com a execução dos Távoras com fortes ligações aos jesuítas, o Marquês de Pombal ficou com o caminho aberto para exterminar os jesuítas, cuja Companhia de Jesus tinha um poder e uma influência determinantes em todos os sectores da sociedade portuguesa do século XVIII».
A vontade de reduzir as importações e estimular a economia por parte de Pombal, que é bem visível «entre as Amoreiras e o Rato, onde as fábricas de seda e de cerâmica operava», relembra Sofia. Ao descermos à Baixa esta «expressa a vontade política e capacidade de coordenação de equipas por parte do Marquês no sentido de rapidamente impor o modelo que ambicionava de ordem, segurança, higiene, prevenção de eventual nova catástrofe, contenção de despesas, controlo social», explica a nossa guia-intérprete. A malha pombalina impõe-se com as suas fachadas austeras, com portas e janelas feitas em série, as ruas numeradas e elementos técnicos da construção pombalina, como as estacas em pinho e a gaiola que podem ser observados por exemplo no Núcleo Arqueológico do Millennium BCP ou no Museu do Dinheiro. Rapidamente, chegamos ao Terreiro do Paço, onde a estátua equestre de D. José honra a praça aberta ao mundo com a sua grandiosidade e onde “é visível o medalhão do Marquês colocado no pedestal». Sim, porque a estátua de Sebastião José de Carvalho Melo, marca da capital, é apenas inaugurada em 1934. O Marquês de Pombal que dá nome à rotunda, «surge-nos então altivo, observando a Baixa, a “sua” obra, ao lado de um leão, como símbolo de força e poder», explica Sofia.
Evocamos Pombal inúmeras vezes como quando usamos expressões como “rés-vés Campo de Ourique” ou “cai o Carmo e a Trindade” ou “enterrar os mortos e cuidar dos vivos” ou quando visitamos outros tanto lugares, como o Porto, Coimbra, Évora e o plano urbanístico de Vila Real de Santo António. Ao passearmos, lemos a história, e como remata Sofia, «é muito estimulante ler a cidade no passado e no presente». Nós também achamos.
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