Michael Mutz quis saber como é vivida a época natalícia em vários países europeus. Para tal, analisou dados do European Social Survey (ESS) para países cristãos ou protestantes europeus, como Portugal, Bélgica, Estónia, Alemanha, Hungria, Irlanda, Holanda, Espanha, Suécia e Reino Unido, em dois momentos (2006 e 2012).
O estudo tem limitações, começa por alertar o investigador, como seja "o pequeno número de entrevistas" nas férias de Natal. Em entrevista ao SAPO24, Mutz afirma mesmo que "os dados analisados não permitem alegações fiáveis sobre países individuais, como Portugal", um dos países referidos no estudo. Sublinhaa a pequena amostra conseguida na altura do Natal, por contraposição com as outras, e nota haver discrepâncias na classificação dos "não-cristãos" no estudo do ESS, nomeadamente sobre os ateus.
O nível de educação elevado ou o facto de haver crianças em casa também ajuda a ter uma visão positiva sobre a época natalícia. Mas os cristãos em geral "parecem ser muito menos afectados do que as pessoas não-religiosas", explica Mutz no trabalho "Christmas and Subjective Well-Being: A Research Note", publicado recentemente na revista científica Applied Research in Quality of Life.
Mutz analisou dois inquéritos, um no período do Natal (entre 16 e 26 de Dezembro) e outro no pós-Natal (27 a 31 de Dezembro) dos referidos anos, comparando-os com outras alturas do ano e excluindo os meses de Julho e Agosto. "Em geral, os inquiridos perto do Natal mostraram uma significativa menor satisfação com as suas vidas e experienciaram mais emoções negativas do que os outros entrevistados noutras alturas do ano", nota. Mas esta situação não ocorreu com os muito cristãos, que afirmaram ser mais positivos com a época natalícia, tal como com os inquiridos com maior nível de educação ou com crianças em casa. Segundo Mutz, a questão não é se os cristãos se sentem mais afectados pelo Natal mas, pelo contrário, eles aparentam não ser tão afectados como os não-religiosos, de qualquer crença.
O investigador salienta é que essa insatisfação pode provir do stress das "obrigações sociais" ou das compras de presentes numa "crescente cultura de consumismo material, relacionada com problemas financeiros". Segundo dados do ano passado, uma família europeia gastou, em média, 265 euros em presentes e mais 160 euros em comida na época natalícia.
A "investigação anterior deu provas limitadas de que o Natal pode ser negativo relativamente à saúde física e mental, mas a investigação directamente apontada ao SWB é escassa" (bem-estar subjectivo). Citando outros estudos, Mutz nota que na época de Natal aumentam as mortes diárias (22% relativamente à semana anterior), bem como problemas respiratórios e cardíacos, mentais e, no pós-Natal, problemas com suicídios e problemas auto-destrutivos.
Aliás, segundo a "Social Readjustment Rating Scale" (SRRS), o Natal é um dos 43 eventos relacionados com o stress ou a saúde ao longo da vida, comparado mesmo com pequenas violações da lei. No SRRS, um divórcio tem um valor de stress de 73 pontos, ser despedido equivale a 47 pontos e o Natal é associado a 12 pontos.
SAPO24 - Como explica a diferença entre "menos satisfação" e "emoções mais negativas" no Natal, relativamente a outras épocas do ano?
Michael Mutz - Encontrámos no nosso estudo um declínio na satisfação com a vida e bem-estar emocional, na última semana antes do Natal. Acreditamos que este declínio é devido ao nível de stress elevado que muitos europeus sentem no momento imediatamente anterior às férias de Natal. Nestes dias, muitas coisas são feitas simultaneamente e, muitas vezes, sob pressão de tempo: compras, preparação da comida, planeamento de visitas a familiares e amigos, etc. A família média europeia gasta, por exemplo, cerca de 425 euros para presentes e alimentos no Natal. O Natal tornou-se uma orgia de consumo e acreditamos que esta é uma possível razão para a redução do nível de bem-estar.
SAPO24 - Por que os cristãos muito religiosos são mais positivos e menos afectados pela época do Natal?
Michael Mutz - No nosso estudo, o grupo de cristãos que se consideram muito religiosos é uma excepção ao padrão geral. Este grupo é menos afectado pelo declínio geral do bem-estar. Isto acontece supostamente devido a diferenças na forma como os cristãos muito religiosos experienciam o Natal. Acreditamos que comemoram este feriado mais orientados para dentro e possivelmente gastam menos tempo em actividades de consumo.
SAPO24 - Tem uma explicação porque as pessoas com níveis mais elevados de educação ou com crianças em casa são mais felizes no Natal?
Michael Mutz - As pessoas com crianças em casa e aquelas com ensino superior revelaram um maior nível de bem-estar subjectivo durante todo o ano, mas não no Natal. Assim, eles não são uma excepção à tendência geral de níveis de felicidade em declínio no Natal.
SAPO24 - Acredita que países não-europeus terão os mesmos resultados?
Michael Mutz - Acho que os resultados que encontrámos em países europeus tendem a ser encontrados nalguns países ocidentais não-europeus também, dado que estes países têm níveis semelhantes de desenvolvimento económico e prosperidade.
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