"Ele (Aristides de Sousa Mendes) foi um homem tão heroico, que sacrificou tudo para fazer o que estava certo. Numa altura como esta, quando há conflitos como o da Síria e dos refugiados, as pessoas precisam de histórias como estas para se inspirarem", disse à agência Lusa Andrée Lotey.
A professora da Universidade de Montreal, doutorada em filosofia, e roteirista, criou há dois anos o documentário ‘La Valise Verte' (A Mala Verde) em que conta a história de como o seu pai foi salvo pelo Cônsul de Bordéus, que considera um "herói e um excecional e extraordinário ser humano".
Andrée Lotey só nesta última década descobriu o porquê dos seus pais terem uma certa fascinação por Portugal e pelo povo português.
"Há nove anos, quando a minha mãe faleceu, fiz uma descoberta impressionante. Ao longo dos anos, levantei algumas questões sobre o passado do meu pai, que morreu quando eu tinha cinco anos, mas a minha mãe sempre me escondeu algo", disse a canadiana.
As informações que Lotey tinha do seu pai eram poucas, além de ser natural da Polónia, sabia que tinha residido em França, na Bélgica, e que adorava as pessoas de Portugal. Foi o primeiro comerciante no Canadá a importar relógios suíços, falava seis línguas.
"Após o falecimento da minha mãe tive de vender a casa. Um dia, estava lá com a minha filha, e ela pediu-me para ir à cave ver se não encontrava as minhas bonecas de infância. Nessa procura, deparei-me com diversas pastas, e uma mala verde chamou-me a atenção", contou.
Ao abrir essa mala, Andrée Lotey encontrou diversos documentos (testamentos, passaportes, fotografias, faturas), que pertenciam ao seu pai, datados entre 1917 e 1930.
Após essa descoberta, a canadiana descobriu que o nome do seu pai, conhecido no Canadá como Jacques Lotey, afinal era Jacob Guttenberg, um nome tradicionalmente judaico, e que tinha vivido um ano em Portugal.
"Descobri bilhetes-postais com letras portuguesas, entre 1940 e 1941. Duas cartas dirigidas para a Figueira da Foz e uma para Lisboa. Era da irmã do meu pai e do marido, que estavam presos no ‘Gueto de Lodz', naquela altura a cidade era conhecida por Litzmannstadt, e precisavam de ajuda, foi horrível ler aquilo", sublinhou.
O facto de o seu pai ter estado em 1937 a residir em Paris, França, e depois ter ido para Portugal, entre 1940 e 1941, com uma anterior esposa e filha, levou Andrée Lotey a fazer uma profunda pesquisa.
"Todas as informações levaram-me a Aristides Sousa Mendes, de quem nunca tinha ouvido falar. Investiguei que foi o Cônsul de Bordéus em 1940 e que salvou 30 mil pessoas. Num dos documentos da 'Pasta Verde' estava uma assinatura 'S. Mendes'. A partir daí meti-me em contato com algumas pessoas da Comissão de Aristides Sousa Mendes em França, que me confirmaram que o meu pai foi salvo pelo cônsul", salientou.
A canadiana considera o cônsul de Bordéus um "herói nacional humilde", que sacrificou a sua família por uma questão humana.
"Tenho dois filhos e questiono-me se sacrificaria a minha família por fazer a coisa certa, por toda uma fé. Acho que não teria a coragem de correr esse risco. Esta história é inacreditável, ainda para os dias de hoje é uma história contemporânea que nos dá que pensar", concluiu.
O Fundo Nacional Judaico de Montreal e a Associação Portuguesa do Canadá em Montreal vão homenagear o antigo cônsul no dia 14 de setembro no Victoria Hall, em Montreal.
Além da apresentação do documentário ‘A Mala Verde' à comunidade portuguesa, o neto de Aristides, Louis Philippe, nascido e criado em Montreal, vai apresentar um documentário sobre a restauração da residência de Aristides de Sousa Mendes.
O Cônsul Aristides de Sousa Mendes, à revelia de Oliveira Salazar, o presidente do governo da ditadura, atribuiu em Bordéus, França, cerca de trinta mil vistos a refugiados perseguidos pelo regime nazi, em 1940.
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