Em entrevista à Lusa, Simone de Oliveira lembrou que, apesar de a carreira ter começado em 1957, ainda levou algum tempo a perceber que o seu percurso profissional passaria pelos palcos.
Ao longo dos anos, em várias ocasiões, contou que nunca quis ser artista, “as coisas foram acontecendo”. “Há muita gente nova hoje que quer ir para a televisão, quer ser modelo, eu não queria ser nada, eu queria era ser feliz”, disse.
Até “Sol de Inverno”, com a qual venceu o Festival da Canção, em 1965, foi “cantando”, fez “outros festivais”. “Cantei, cantei, cantei… Foram-me escrevendo coisas, algumas menos simpáticas, não más porque se fosse muito mau eu não cantava. Mas cantei duas ou três coisas que reconheço que não eram aquilo que eu queria”, confidenciou.
A partir de “Sol de Inverno”, “há uma década a seguir que é toda do Nóbrega e Sousa e do Jerónimo Bragança: ‘Vocês sabem lá’, ‘Deixa lá’, imensas coisas”. Depois, “vem o José Carlos Ary [dos Santos] e o Nazaré Fernandes e foi quase até ao fim da vida”.
Com um repertório com mais de 400 canções, a dada altura “as coisas foram tomando uma certa importância em relação às palavras”. “Eu continuo hoje a dizer que as palavras não estão gastas”, referiu.
Simone de Oliveira será sempre recordada como a mulher que, em 1969, em pleno Estado Novo, cantou na televisão que “quem faz um filho, fá-lo por gosto”.
Foi por causa dessa frase que conheceu Ary dos Santos, dia que guarda como um dos momentos mais importantes da carreira, a par da primeira vez que cantou no Olympia, em Paris, “a convite da Amália [Rodrigues]”, a quem deve “muitas coisas bonitas”.
“Ninguém queria dizer aquilo [‘quem faz um filho fá-lo por gosto’]. Ele perguntou-me ‘é capaz de dizer isso?’ e eu ‘sou, sou’. Depois penei as passas do Algarve. Mas, tive os meus filhos e fi-los por gosto. Aqueles dois filhos foram feitos com amor, o facto de eu e o pai deles nos termos descruzado depois não foi por isso que não foram feitos por gosto”, partilhou.
A frase, que ficou até hoje, faz parte da letra de “Desfolhada Portuguesa”, tema com o qual Simone venceu pela segunda vez o Festival da Canção, em 1969.
“Às vezes, ainda é mal-entendida. Não há muito tempo, não me lembro onde, estava a trautear, e uma senhora disse ‘ai dona Simone não diga isso’, e eu perguntei ‘mas porquê?’, ‘ai é uma coisa feia’. Isto foi há três ou quatro anos”, contou.
A cantora sublinhou que “as mulheres têm o direito de ter filhos, de ter prazer, de gostar de estar com as pessoas”. “E antigamente não, era só para ter filhos. Está ali que é para servir, que é uma coisa que me põe completamente fora de mim. Eu não servi ninguém”, afirmou.
Com 19 anos, foi vítima de violência doméstica por parte do primeiro marido e saiu de casa. Começou uma carreira na música numa altura em que as artistas eram vistas como ‘mulheres da vida’. Vestia calças numa época em que aquela peça de vestuário era ‘só para homens’, fumava (hábito que mantém), começou a usar maquilhagem com 20 anos. “Até começar a trabalhar o meu pai nunca deixou”, recordou.
“Ser livre é isto que estou aqui a fazer, a conversar consigo, que era uma coisa que não era possível na década de 1960, nem pensar. Acho que ser livre é isto. É ter a liberdade de ser livre para lhe contar as coisas que penso e que sinto”, disse.
Simone admite ser uma “velha um bocado diferente”, gosta de beber um copo de whisky com os amigos ou uma cerveja acompanhada de tremoços, porém assume-se “idosa, velha”.
“Não posso ser nova aos 84 anos”, disse, partilhando o quanto lhe faz impressão ver pessoas da sua faixa etária “a serem maltratadas, ignoradas, muitas vezes pelos próprios filhos”.
“Lembrem-se dos velhotes. As coisas velhas têm ontem”, apelou.
O último espetáculo de Simone de Oliveira, “Sim, sou eu” está marcado para 29 de março no Coliseu de Lisboa. A lotação está esgotada.
Comentários