Yorgos Lanthimos é um realizador que já provou o seu valor como um dos mais inovadores e habilidosos nomes do cinema independente europeu da última década. Começou a carreira com a produção de anúncios e de videoclips musicais, mas lançou-se como cineasta após a estreia do filme Dogtooth em 2008. Desde então, Yorgos Lanthimos tem sido um dos queridos de Cannes, já tendo obtido para os seus filmes duas indicações para a palma de Ouro e uma para o Óscar de melhor argumento original. Agora é a vez de "The Killing of a Sacred Deer" estar na corrida para os óscares e procurar mostrar o valor do seu criador.

"The Killing of a Sacred Deer" resume-se numa história negra que começa com o bater de um coração humano no bloco operatório. Quem opera o paciente é o Dr.Stephen Murphy (Colin Farell), um homem sério e de poucas palavras nos seus 40 e muitos anos, casado e feliz com a sua esposa de longa data, Anna (Nicole Kidman) também ela médica, embora oftalmologista. Kim, a sua filha mais velha está em plena adolescência, dependente do telemóvel e, como se diz na gíria popular, com “as hormonas aos saltos”, à procura de um namorado para se apaixonar. Bob, com um rosto adorável e olhos bem esbugalhados (coitado… e já vão ver porquê), é um sempre curioso e responsável filho mais novo, esplendidamente representado por Sunny Suljic. Os quatro vivem em harmonia na sua grande casa moderna e tudo está a correr como é suposto até que um dia Stephen decide apresentar o seu amigo Martin, de 16 anos, à família. Aparentemente Martin ficou sem pai após uma cirurgia que correra mal nas mãos de Stephen e, coberto de remorso pelo rapaz, o médico acolheu-o como um amigo. E é aí que tudo começa a correr mal.

O casting para o filme (Francine Maisler e D.Lynn Meyers) é uma das suas grande virtudes. Não me refiro apenas aos grandes nomes de cartaz do filme, mas especialmente a Barry Keoghan, que desempenha o papel de criança mais horripilante desde Danny Lloyd em "The Shining", e a Colin Farrell que concentra toda a intensidade do filme. Admiração e agradecimento rapidamente se tornam em obsessão por parte de Martin e a distância e o desprezo com que Stephen, naturalmente, lhe responde acabam por transtorná-lo; o que, num filme de Lanthimos, não é sinónimo de algo agradável. Uma sucessão de doenças inexplicáveis começam a acontecer à família Murphy, começando pelo pequeno Bob, e Stephen tem de fazer uma escolha difícil para repor a ordem ao seu seio familiar.

Não basta a história ser invulgar e os atores formidáveis. As frases são ditas de forma pausada e  irónica, e é com pouca emoção que saem expressões que nem sempre fazem sentido. O estilo criativo - e desconfortável - com que Lanthimos e Efthymis Filippou desenharam os diálogos, foram já reconhecidos este ano com o prémio de melhor argumento em Cannes. A acompanhar a receita macabra está uma banda sonora bastante adequada: coros de natal, flautas de bisel, violinos desafinados e sons de um acordeão e de um órgão que parecem estragados (mas não estão) usam e abusam do fator “desorganização”, fazendo lembrar Bernard Herrmann (de "Psycho") mas em LSD e no século XXI e tornam o filme ainda mais intrigante.

Em contagem decrescente para os óscares, muito indica que o filme irá constar na lista de certas categorias. Nicole Kidman, que em 2003 recebeu o óscar com filme As Horas, já é fluente neste género de filme. Será que a sua postura, medonha de tão correta, e o olhar cerrado lhe valerão a sua quinta nomeação para estatueta dourada? E quanto ao realizador? Pelo menos, talvez seja desta que Lanthimos leva o prémio de melhor argumento para casa.  De qualquer modo, para todos aqueles que gostam de experienciar um bom thriller, o filme estará pronto para os arrebatar nas salas de cinema portuguesas já esta quinta feira.