Os Viagra Boys estrearam-se em Portugal com um concerto no NOS Primavera Sound, no Porto, no início deste mês. No Porto? Sim, no Porto. A dúvida geográfica poderia ter surgido logo no início desse espetáculo, quando o vocalista Sebastian Murphy saudou os presentes com um “Boa tarde, Barcelona!”, de pronto irritando quaisquer almas mais ou menos patriotas que ali pudessem estar, e deixando muitos outros a pensar se a frase não teria sido debitada devido a excessos alcoólicos – já que aquilo que o alimentou, durante boa parte do concerto, foi uma garrafa de vodka...
Porém, somos tentados a concluir que tudo não passou de provocação, porque é desse mesmo material que os Viagra Boys são feitos. Oriundos da Suécia e criados em bandas como os Les Big Byrd, Pig Eyes e Nitad, os cinco rapazes (hoje homens ou, para manter uma toada despretensiosa, gajos) que formam o grupo têm dado que falar não só pela sua música, que em muito deve ao período pós-punk britânico dos anos 80, mas também pelas suas posições políticas. Em entrevistas anteriores, afirmaram que o seu nome era «um comentário ao papel falhado dos homens na sociedade de hoje». Noutras, revelaram-se «obviamente» feministas. E nem lhes falem do neo-nazismo ou neo-fascismo que pulula hoje em dia pela Europa.
Horas antes do seu concerto, os Viagra Boys foram confrontados pelo SAPO24 em relação a estas posições – mas as respostas raramente ultrapassaram a distância de uma frase, mesmo que Sebastian e Henrik Höckert (baixista, conhecido como 'Benke') se tenham mostrado indiferentemente simpáticos ou simpaticamente indiferentes, qual das duas está ainda por decidir. Talvez estivessem cansados da viagem. Talvez não tivessem gostado que os repórteres lhes tenham ido atazanar o juízo durante a sua hora de almoço. Talvez eles, pura e simplesmente, não se ralem.
É sobretudo isso: transparece nos Viagra Boys uma atitude do género quero lá saber, a mesma que alimentou o punk durante largos e largos anos. O que não quer dizer que não digam coisas sérias dentro dessa mesma nonchalance. Ouça-se “Street Worms”, o seu álbum de estreia, editado em 2018, e canções como 'Sports', onde reagem – com muito sarcasmo à mistura – àquela falange de pessoas (homens) que soltam toda a sua masculinidade em eventos desportivos, como os adeptos ingleses que, dias antes, haviam deixado a Avenida dos Aliados de pantanas antes da primeira meia-final da Liga das Nações da UEFA.
Pelo que o nome “Viagra Boys” pode perfeitamente, e ao mesmo tempo, constituir a crítica acima mencionada e, também, absolutamente nada. “É só um nome divertido, 'tás a ver? Nem tudo tem de ser tão sério”, explicou-nos o vocalista, que chegou a meio da entrevista e se sentou sem dizer nada porque, lá está – quer lá saber. Mas está, também, aí um dos grandes motivos para se gostar tanto dos Viagra Boys; a enorme atitude com a qual encaram tudo o que os rodeia.
Isso, e um excelente bom gosto no que toca ao rock n' roll. “Queríamos que todas as canções coubessem no LP. O nosso objetivo era algo semelhante ao 'Fun House', dos Stooges”, contou Benke, questionado sobre o facto de a edição digital de “Street Worms” conter cinco faixas a mais. As gravações do disco foram simples: “eu no baixo e na guitarra, juntámos umas vozes, o Sebastian escreveu as letras. Foi, sobretudo, assim”.
Os Viagra Boys começaram a tomar forma em 2015, sendo que Benke e Sebastian já se conheciam há algum tempo. “Ouvíamos vários estilos de música diferentes: Stooges, pós-punk dos anos 80, indie pop”, comentou o primeiro. O pós-punk, guitarra suja, bateria dançável, groove e até um saxofone (a fazer lembrar os mais tardios Morphine) é a sua maior paleta, e ajuda a que os Viagra Boys se insiram num grupo de bandas que hoje em dia têm ajudado a revitalizar o rock (na imprensa, que o rock nunca precisou de ser “revitalizado) e esse período em particular, acompanhados pelos Fontaines D.C., Shame ou Idles. Ainda que, para o baixista, os Viagra Boys “não tenham nada a ver com isso”.
Entre elogios ao tempo portuense e alusões ao facto de terem estado 26º na Suécia, à altura desta entrevista, a dupla Benke / Sebastian lá foi abordando temas um bocadinho mais prementes. “É uma má altura para se estar no mundo”, desabafou o segundo, sobre a vaga populista que atravessa hoje em dia a Europa. Como combatê-la? “Sê quem és, não sejas como eles. Eles não querem que nós nos exprimamos da forma que o fazemos”, acrescentou Benke.
O feminismo que (também) os define não os deixou muito surpreendidos com a ascensão de movimentos como o #MeToo. “É natural”, explicou Sebastian. “Na Suécia, já se fala deste tipo de políticas [feministas] há algum tempo. Andamos a discutir isso há anos. Chegou foi demasiado tarde”, continuou, sob o ouvido atento do colega: “Devia existir igualdade entre todos. Mulheres, raças, orientações sexuais”... Ainda que o populismo possa ser uma ameaça. “A história repete-se. Aconteceu o mesmo no início do século XX, antes da II Grande Guerra. As pessoas deviam aprender mais com a história”, disse. Mas foi Sebastian quem o definiu melhor: “Acho que as pessoas não valem nada”.
Passando à frente, voltamos à música, e ao facto de os Viagra Boys estarem na mesma editora que o rapper sueco Yung Lean, que tanto burburinho tem criado em círculos melómanos ao longo dos últimos anos. Uma presença que também pode ser subversão, já que a banda demonstrou, no passado, a sua satisfação “por não estar na mesma editora que um bando de parolos do rock”.
Isto poderia ser um sacrilégio, até que nos lembramos de que “a malta do rock” não prima, muitas vezes, pela abertura em relação a outras paisagens musicais. “É bom fazer todo o tipo de música. É estúpido ouvir um só género”, atirou Sebastian. Benke mostrou-se mais eloquente (um achado, esta tarde): “Quem diz que a música eletrónica não é música é só estúpido. Tretas! A música eletrónica é tão punk quanto a música punk”. Géneros como o acid house, que nasceu do pós-punk e influenciou dezenas de outros artistas e estilos – e não só na área da eletrónica – dão-lhe razão. “As pessoas que dizem isso têm uma mente fechada. E o punk é o oposto”. Mesmo que o punk também tenha os seus dogmas... “Sim, mas deveria ser o oposto. Não gostamos mesmo nada de subculturas”.
Uma frase que é um bálsamo para quem gosta de música, sem nunca ter tido a paciência de se restringir a um género apenas. Que nos faz sorrir quase tanto o artwork alusivo ao seu concerto no NOS Primavera Sound, o qual publicaram nas redes sociais em janeiro, e onde juntaram – de forma amadora – na mesma colagem ex libris portuenses e portugueses como o vinho, o pastel de nata e a típica francesinha, que Sebastian prometeu “provar mais logo”. Se o fez ou não, teremos de lhe perguntar da próxima vez que virmos os Viagra Boys por cá.
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