Os anos 90 foram, como o amor, um gajo estranho. Quem teve a sorte de neles crescer apanhou com ícones da cultura pop como “Seinfeld”, “Friends”, “Ren & Stimpy”, “Beavis & Butt-Head”. Apanhou com a flanela do grunge, com as calças de MC Hammer, com o cruzamento entre blazers, ganga e sapatilhas. Apanhou com a massificação dos telemóveis e da Internet. Apanhou, na música, com as guerras do hip-hop, com as raves e seu abrupto fim, e com o chamado “rock alternativo”, ou seja, o rock difícil de categorizar, longe do mainstream e das regras e gostos deste.
Sobretudo, quem cresceu nos anos 90 cresceu com a ideia de que lhe é permitido ser um outsider, pensar fora da caixa. E poucos foram tão outsiders quanto os Weezer, que em 1994 atingiram o pico da sua popularidade através do seu álbum de estreia, coloquialmente intitulado de “Blue Album”. É lá que encontramos pérolas do rock alternativo como 'Buddy Holly' ou 'Undone – The Sweater Song', e é com ele que a figura do guitarrista e vocalista Rivers Cuomo – um tipo com ar de geek (ou “marrão”) tornado estrela do rock – começou a marcar presença nos leitores de CDs de milhares de adolescentes, nas revistas dedicadas à música, na MTV antes de ser morta pelo YouTube.
Os Weezer surgiram em plena era grunge, enquanto a Geração X andava a pregar que o futuro, mais que não existir, não interessava para nada, assim como o presente ou o passado. O conceito dos californianos era diferente: o passado existia, sim, e se foi fixe para os nossos pais também o haveria de ser para nós. Porque o passado teve dentro dele Buddy Holly, teve os Beach Boys, teve os Kiss, teve a gloriosa década pop que foram os anos 80. O passado tinha solos de guitarra, coisa impensável para o grunge, muito mais obcecado com a ideia de três-acordes-e-a-verdade que vinha do punk rock.
25 anos após a sua estreia, os Weezer mantêm-se onde sempre estiveram: num lugar apenas destinado aos geeks e outsiders deste mundo, aos que mais que andar pelas ruas em regime vândalo-juvenil ficavam em casa a sonhar com os mundos fantasiosos do “Dungeons & Dragons” ou do heavy metal de borbulhas na cara e óculos de aro grosso na testa. 2019 trouxe consigo dois álbuns novos do quarteto: “The Teal Album”, composto inteiramente por versões de outras bandas, e “The Black Album”, novo disco de originais.
Sobre este último, o guitarrista Brian Bell – o qual apanhamos nos bastidores do NOS Alive, uma hora antes de a sua banda pisar o palco principal – afirmou que “a onda dos Weezer sempre foi a de nunca pertencer, a de olhar para o mundo como um outsider”. Perguntamos-lhe, portanto, como é que um outsider olha hoje em dia para o mundo, e para todas as mudanças a que temos assistido. A resposta chega após muita ponderação e diversas pausas no discurso: “A maior mudança parece ter a ver com a tecnologia, com a forma como as pessoas se relacionam umas com as outras”, começa por dizer.
“No tempo do meu avô, e do avô dele, existiam comunidades, aldeias, onde havia pessoas que te davam o apoio emocional de que precisasses. Sinto que as pessoas estão a ficar cada vez mais distantes, agarradas aos telemóveis. Estamos a morrer um pouco por dentro”, explica. E, logo a seguir, revela: será essa a temática do futuro disco dos Weezer, que mesmo com dois álbuns editados no primeiro semestre de 2019 já está a pensar noutra coisa.
Entendemo-lo: muito se fala sobre a forma como as redes sociais destruíram as relações entre as pessoas, e Brian Bell parece ser da mesma opinião. Confrontado sobre se será possível largarmos todas essas formas de conexão virtual, o guitarrista oferece-nos um longo suspiro. “Não creio que seja possível. Estamos demasiado viciados. É como se o centro de prazer do cérebro, as endorfinas ou assim, não estivessem a ser estimuladas da mesma forma pelo contacto com uma pessoa real. Hoje em dia é mais fácil não nos magoarmos, e é mais fácil transformar alguém num fantasma”.
A palavra aqui utilizada foi ghost, que literalmente traduzida se torna “fantasma”, mas que na internet adquiriu um novo significado enquanto verbo: to ghost, que é grosso modo ignorar alguém no mundo das telecomunicações. “Se há dez anos dissesses que estavas a transformar alguém num fantasma, eras visto como a pior pessoa do mundo. Agora toda a gente o faz”, lamenta Bell. “Basicamente, não atendes nem respondes às chamadas de ninguém, não lhes respondes às mensagens... Não existes, és um fantasma, ou eu sou um fantasma, e vou desaparecer. Tornou-se muito comum, na forma como as pessoas comunicam”. Ainda assim, o guitarrista não perde a esperança: “Talvez nos agarremos a algum tipo de ligação humana real. Parece ser essa a principal diferença” entre hoje e o passado, ainda que o próprio admita, entre risos, que os humanos “nunca foram bons” a ligar-se uns aos outros. “Isto só piora”, brinca.
Uma brincadeira parece ser, também, o (re)sucesso (re)encontrado pelos Weezer. Já em 1994, 'Undone – The Sweater Song' se havia tornado no que de mais parecido há com um êxito rock alternativo, com o seu videoclip – realizado de forma quasi-amadora por Spike Jonze – rodado incessantemente na MTV. Em 2008, o videoclip para 'Pork and Beans' obteve os mesmos louvores, com a aparição de várias figuras, fenómenos e memes relevantes da cultura-internet de então. E, em 2018, foi a vez de uma versão de 'Africa', dos Toto, os voltar a tornar populares. Questão: serão os Weezer, acima de tudo, uma banda “viral”?
“Bem, toda a ajuda é bem-vinda”, conta Bell. “É difícil fazeres com que alguém se interesse por algo, especialmente na música. Mas é uma faca de dois gumes. Esta coisa de se ser 'viral' só funciona se for orgânica; não a podes planear. Não podes planear, isso não resulta; tens de o fazer para que se torne viral”. De facto, 'Africa' não foi um plano dos Weezer, e sim de um fã, que desafiou a banda, no Twitter, a compor a versão em questão.
Após essa versão em particular, surgiu um álbum de versões – o supracitado “Teal Album”. Aí, encontramos temas como 'Everybody Wants to Rule the World', dos Tears For Fears, de 'Sweet Dreams (Are Made of This)', dos Eurythmics, de 'Take On Me', dos a-ha e, longe da pop sintetizada dos anos 80, 'Paranoid', dos Black Sabbath. Muitas outras tiveram, no entanto, de ficar de fora: o disco só levou dez canções. “Quem me dera ter sabido de antemão que toda a gente me iria perguntar sobre as que ficaram de fora, porque me esqueci de quais eram”, diz, a rir. “Houve canções que foram acrescentadas no fim, como a 'Stand By Me' [de Ben E. King], que foi escolhida porque o Rivers sabia que a conseguia cantar bastante bem. E houve outras que se basearam naquilo que as pessoas gostavam e que andávamos a ouvir, como a 'Mr. Blue Sky', dos ELO”, que ganhou uma nova vida entre os melómanos mais jovens após ser incluída na banda-sonora de “Guardiões da Galáxia, Vol. 2”.
Para “The Black Album”, o seu novo trabalho de originais (e, se não tinham percebido até agora, os fãs dos Weezer têm por hábito dar títulos aos discos pela cor predominante nas capas, já que quase todos são homónimos), a banda contou com os préstimos de Dave Sitek, homem forte dos TV On The Radio, enquanto produtor. Uma colaboração que deixou Brian Bell bastante satisfeito. “Ele tem imensa energia”, afirma. “Tem muito material e instrumentos fixes, e é rápido a trabalhar”.
A presença de Sitek fez até com que o guitarrista trabalhasse de um modo a que não está acostumado: através de jam sessions. “Gosto de trabalhar as coisas com tempo, mas ele fez com que eu me limitasse a tocar. Devia fazer isso mais vezes. Mas alugar um estúdio é muito caro... Normalmente, mostro ideias que sei que vão funcionar, em vez de algo que não sei se funciona de todo. E ele adorou essa ideia, de eu não saber o que estava a fazer. Conseguiu capturar – e foi isso que eu gramei a sério – momentos espontâneos, especialmente na 'Can't Knock the Hustle'”, o tema que abre “The Black Album”. “Tornei-me num pseudo-músico de funk, que não é de todo a minha praia...”. Uma colaboração com os Parliament-Funkadelic está, por isso, posta de parte. “Pois, nunca o irei fazer. Eles nunca mo pedirão”...
A única coisa que os fãs, neste caso os portugueses, lhe pedem é que os Weezer não voltem a estar 17 anos sem pisar palcos nacionais; antes do NOS Alive, a última passagem da banda por cá datava de 2002, com data dupla nos Coliseus de Lisboa e do Porto. “Não vimos à Europa muitas vezes”, justifica. “Quando vimos, é mais a Londres, talvez Paris, algumas datas em festivais na Alemanha... É muito raro vir a Portugal”. Contrapomos que somos a Califórnia da Europa, e Bell sorri. “Eu adoro viajar. Se dependesse de mim, percorria o mundo inteiro. Não há nenhuma razão de que eu me consiga lembrar” para não vir mais vezes, argumenta. “É uma questão que terás de colocar ao nosso booking agent...”. Pode ser que ele nos esteja a ler, então.
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