Os 500 dias que Beatriz Flamini, considerada uma “desportista de elite”, passou numa cova no sul de Espanha constituem também um novo recorde mundial, por terem superado todos os casos anteriores conhecidos, nos quais, porém, o isolamento nunca foi tão extremo e havia pelo menos um relógio dentro da gruta, ou seja, havia uma referência de passagem do tempo.
A experiência de Beatriz Flamini é, por isso, considerada inédita, pelas condições extremas de isolamento, segundo a Federação Andaluza de Espeleologia, que apoiou a alpinista antes e durante a permanência na gruta.
A federação preparou o interior da cova antes de Beatriz Flamini entrar, em 20 de novembro de 2022, tendo sido instaladas câmaras de vigilância.
Foi também criada uma zona “de intercâmbio”, em que uma equipa de apoio deixava alimentos, água e outros objetos e onde Beatriz Flamini deixava o lixo que produzia, cartões de memória de uma câmara de filmar e notas escritas, normalmente, com alguns pedidos.
Em todo este período, Beatriz Flamini nunca viu outras pessoas nem falou com mais ninguém. Segundo disse hoje, em conferência de imprensa, poucas horas após ter saído da gruta, também não falou em voz alta sozinha, garantindo que só fez soar a sua voz quando fez gravações para uma câmara.
Na conferência de imprensa a desportista desculpou-se por se engasgar, justificando que não falava com ninguém há quase um ano e meio.
A ideia desta experiência, que Beatriz Flamini insistiu hoje ter sido “uma atividade” de “uma desportista de extremos, de elite”, foi da própria alpinista, que a propôs a uma produtora de documentários.
Beatriz Flamini tem-se dedicado a expedições solitárias nas montanhas mais altas do mundo e é considerada uma perita em autossuficiência em condições extremas.
Esta experiência foi e está a ser também acompanhada, desde a preparação, por equipas de investigadores de duas universidades espanholas, de Granada e Almería, de áreas ligadas à saúde (física e mental) e diversas ciências sociais.
Os cientistas observaram o comportamento e as alterações corporais de Beatriz Flamini dentro da cova, nas imagens recolhidas pelas câmaras, e analisaram as notas que escreveu e as gravações que fez e deixou na plataforma de intercâmbio.
A alpinista continuará agora a ser acompanhada pelos investigadores e foi sujeita a um exame médico hoje, assim que saiu da gruta, com o primeiro diagnóstico a dá-la como em aparente bom estado de saúde geral.
Segundo disse hoje a própria, de tudo aquilo que os cientistas e os médicos lhe disseram antes que poderia acontecer-lhe dentro da gruta, após muito tempo de isolamento, só teve alucinações auditivas.
Sem qualquer noção do tempo que tinha passado, Beatriz Flamini viu hoje de manhã entrarem no espaço onde viveu 500 dias, “quando dormitava”, dois espeleólogos e uma psicóloga.
“Pensei que tinham descido para me dizer que tinha de sair porque tinha acontecido alguma coisa”, disse aos jornalistas, confessando que não sabe nada do que se passou nestes 500 dias no mundo, por estar “ancorada no dia 20 de novembro de 2022” e ter a sensação de que entrou na gruta “há um bocado”.
“Quando vi a luz [ao sair da cova] não senti nada porque para mim foi há um bocado que entrei”, acrescentou, sem avançar com muitos detalhes, por estar em preparação um documentário e um livro sobre a experiência.
Além de ter feito gravações para uma câmara, de ter sido filmada e de escrever, Beatriz Flamini leu 60 livros neste período e desenhou.
As equipas de apoio forneceram-lhe mais de mil litros de água e 1,5 toneladas de alimentos e outro material.
Beatriz Flamini nunca acionou o botão de pânico que foi instalado dentro da gruta, para onde entrou com 48 anos de idade e de onde saiu com 50. O segredo para se manter de forma aparentemente tão equilibrada foi focar-se “no aqui e agora”, disse a própria, que explicou que comeu quando sentia fome ou se via magra, que dormiu quando tinha sono e que se levantava quando acordava, para ler, desenhar ou fazer exercício, sempre respondendo ao que tinha vontade de fazer.
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